Com a decisão do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) de deixar o governo, no próximo mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará uma troca de comando também na Polícia Federal. O delegado Paulo Lacerda, cuja atuação é elogiada tanto pelo presidente como pelo ministro, condicionou sua permanência no cargo à presença de Thomaz Bastos na Justiça, hipótese descartada pelo ministro, que quer voltar a morar e a advogar em São Paulo. Lula não se cansa de falar que, em sua gestão, a PF desencadeou 125 operações de combate à corrupção e prendeu 2.126 pessoas.
Paulo Lacerda, no entanto, quer e deve permanecer no governo. São duas as possibilidades em aberto, por enquanto, para o diretor-geral da PF: a direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ou do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). O delegado tem demonstrado preferência por essa segunda opção, pois se interessa por combate às fraudes na concessão de benefícios da Previdência Social.
Nem o próprio governo tem idéia da extensão dessa fraude. Com base no último recenseamento, estima-se uma economia de R$ 120 milhões em 2006 (R$ 600 milhões em 2007 e R$ 1,5 bilhão em 2008). Certamente há fraude nesse volume de recursos, mas ninguém tem a menor idéia de quanto seja essa quantia.
A substituição de Lacerda no comando da Polícia Federal trata-se de uma operação politicamente delicada para o governo. A PF é uma área considerada sensível e está sempre sendo monitorada pelo governo e pela oposição. Prova disso foi apareceu quando o nome do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim foi cogitado para voltar ao cargo de ministro da Justiça.
Imediatamente os grupos adversários do delegado Vicente Chellotti, que chefiou a PF no governo de Fernando Henrique Cardoso (e Jobim era ministro da Justiça) passou a se articular contra a escolha. Com Thomaz Bastos decidido a sair do governo – embora vá continuar a colaborar com Lula -, o nome hoje mais cotado para a Pasta é o do ministro do STF Sepúlveda Pertence. Mas a lista de candidatos cresce a cada dia.
Em conversas com amigos, Thomaz Bastos tem dito que Lacerda conseguiu impor uma hegemonia sobre as diversas “camadas geológicas” da PF, um órgão loteado entre diversos grupos que disputam entre si o poder: petistas, tucanos, tumistas (ligados ao senador Romeu Tuma) e mesmo de policiais envolvidos com o crime. Em reserva, o ministro admite que não foi nada fácil sustentar Lacerda no cargo. “A gente deu muita força a ele”, disse Thomaz Bastos a amigos, segundo apurou o Valor.
Questionado pela oposição, que o acusa de usar a PF como polícia política, os problemas maiores de Lacerda, no entanto, se desenvolveram no próprio PT. O partido, aliás, muito ligado aos sindicatos dos policiais, preferia alguém da área. Ideli Salvatti (SC), hoje líder no Senado, e Paulo Pimenta (RS), por exemplo, preferiam alguém do sindicato. Thomaz Bastos conheceu Lacerda ao acompanhar um cliente chamado para depor no caso PC Farias, cujo inquérito comandou no governo de Fernando Collor de Mello. Ao ser chamado para a Justiça, o ministro convidou Lacerda para a direção da PF e o instruiu a transformar a instituição numa espécie de FBI (a polícia federal norte-americana).
Antes de assumir o posto, no governo Lula, Paulo Lacerda trabalhou no gabinete do senador Romeu Tuma (PFL-SP), que também já dirigiu a PF. Essa ligação só aumentou as desconfianças do PT em relação ao novo delegado, que se tornaram praticamente certezas quando dirigentes e pessoas ligadas ao partido foram presas. O caso do publicitário Duda Mendonça, pilhado numa briga de galos, é um dos mais citados – seria uma armação para constranger politicamente o presidente da República. A “Operação Sanguessugas” – em cuja malha caiu o ex-ministro Humberto Costa (Saúde) é outro evento que os petistas não conseguem engolir.
Lacerda mantém a antiga amizade com Romeu Tuma. O curioso é que toda vez que o delegado se encontra com o senador, o telefone toca no gabinete do ministro da Justiça. Esses telefonemas já preocuparam mais o governo. Hoje são motivos de risadas.
Márcio Thomaz Bastos deu autonomia e recursos para a Polícia Federal, mas acompanhou diligentemente os passos do comandado. Nos três primeiros anos de governo Lula, o ministro e o delegado se reuniam todos os dias, às 8h. Agora, se encontram duas ou três vezes por semana – se precisa de uma conversa extra, Lacerda telefona: “Posso ir aí?”
Um dos motivos para a diminuição dos despachos foi a reunião de coordenação política instituída pelo presidente, na qual Thomaz Bastos passou a ser um dos ministros mais ouvidos. Mas a relação não mudou: “Entrou no piloto automático. A gente se dá bem na telepatia”, disse Thomaz Bastos numa conversa com amigos, segundo apurou o Valor.
Thomaz Bastos classifica Lacerda como um “policial” na verdadeira acepção do termo. Sério, mas com um lado de “malandro carioca”. Ele nasceu em Goiás mas foi criado no Rio. Tem 61 anos de idade e dois filhos. O ministro já disse achar muito curioso como convivem essas duas dimensões num sujeito só. “É sério, arguto, não acredita em historinha da carochinha”.
De saída do governo, Thomaz Bastos deixa com Lula um projeto de reestruturação do Ministério da Justiça, que perderia áreas como a Fundação Nacional do Índio (Funai), e ganharia outras, como a Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Mas a Polícia Federal ficaria exatamente do jeito que está. O ministro não toca no assunto, mas tanto ele quanto Lacerda tentam influir na escolha do novo xerife do governo Lula.
Raymundo Costa
Valor Econômico
ÚLTIMOS COMENTÁRIOS