No dia 11 de abril, a EXAME publicou, em seu website, a matéria intitulada “A Polícia Federal adquire admiração similar a de marcas consagradas no imaginário popular e vira referência no país quando o assunto é combate à corrupção”, escrita por Fabricio Trevisan.
A reportagem, de fraco teor jornalístico, ressalta a atuação da Polícia Federal no cenário político atual com afirmativas que vão desde: “A PF de hoje não é mais encarada apenas como serviço de inteligência e proteção, é “consumida” com orgulho. Tornou-se uma “marca” que não “vende” apenas segurança, entrega esperança para milhões de brasileiros, e naturalmente adquire valor por isso”; passam por: “…o papel recém conquistado de “justiceiros” do país, ou mesmo com um modo de atuação por vezes apoteótico, seu poder de influência continua alto” e chegam ao ponto de mencionar que: “Esse é o mesmo expediente que costuma se tornar o caminho de empresas líderes para garantir sua longevidade e rentabilidade: buscar ampliação de propósito e corrigir a “miopia” de marca”. (sugiro, para conclusões próprias, que a reportagem seja lida na íntegra).
Atualmente, em uma “sociedade democrática de Direito”, pautada pela liberdade de expressão, a escrita é livre e a veiculação de ideias deve ser estimulada (ainda bem!). Não entrarei no mérito do jornalista, muito menos do prestígio do canal de comunicação em questão. Estou aqui para debater o interesse público do ponto de vista institucional. Vamos trocar uma ideia, de servidor para servidor.
Qual foi a minha surpresa ao ver que a intranet do Ceará, na semana passada, publicou a referida reportagem para divulgar, diante de seus servidores, com prazer, os termos utilizados pelo jornalista para elogiar a PF diante de um país; para os cidadãos destinatários dos serviços que prestamos diariamente. Eu, como servidora da Polícia, não gostei da veiculação da reportagem. Fechei a página e me debrucei em reflexões.
No dia 19 de abril, a Comunicação Social do órgão central, divisão ligada à Diretoria Geral da Polícia Federal, fez uso do banner principal de veiculação de notícias institucionais para divulgar a matéria da EXAME com a chamada “A força da nossa marca virou matéria da revista Exame”, em tom de orgulho institucional, ressaltando a percepção inflada do autor. Dois títulos que parecem dizer muito, mas não dizem nada.
Por mim, não podemos parar por aqui dessa vez. Precisamos conversar sobre a Polícia Federal, as escolhas midiáticas dos nossos gestores e os limites que deveriam permear a atuação institucional diante de atribuições e competências constitucionais tão sérias. Tão importantes em escala nacional.
Em algum momento da aludida matéria, o jornalista chega a equiparar a PF com a Nike e com a Sony. Chega a utilizar o termo “precificação de uma marca” e, sobre isso, vamos começar do começo.
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial, conhecido nacionalmente como INPI, é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, responsável pelo aperfeiçoamento, disseminação e gestão do sistema brasileiro de concessão e garantia de direitos de propriedade intelectual para a indústria.
Para o INPI, marca é um sinal distintivo cujas principais funções são identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins de origem diversa. Significa dizer que a marca é uma proteção industrial conferida às empresas que atuam de forma competitiva em relações de consumo.
De acordo com a legislação brasileira, são passíveis de registro como marca todos os sinais distintivos visualmente perceptíveis não compreendidos nas proibições legais, conforme o disposto no art. 122 da Lei nº 9.279/96, conhecida como Lei da Propriedade Industrial.
O art. 124 do normativo supramencionado assevera: Não são registráveis como marca brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e monumento oficiais, públicos, nacionais, estrangeiros ou internacionais, bem como a respectiva designação, figura ou imitação.
A hermenêutica jurídica nos leva a pensar no porquê da lei conter uma previsão dessas. Parece tão normal ver produtos como canecas, chaveiros, kits de churrasco, canetas, lixos de couro para carros… e até camisetas e bonés (ah, mas camisetas e bonés só são vendidos para os policiais. Não se os ambulantes lerem esse artigo aí, meus amigos…) ostentando a nossa “logomarca” serem vendidos nos nossos eventos institucionais, dentro do Ed. Sede. E não só nele. Há “lojinhas” espalhadas dentro das “Polícias Federais” do país (penso que darei um kit desses pro meu pai no Natal desse ano…).
O que se apreende da intenção legislativa por trás dessa escolha do art. 124 é que a atuação pública, como o próprio texto constitucional coloca, se baseia na legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Nossos símbolos não podem ser explorados econômica ou socialmente.
Como servidores públicos da PF, podemos e devemos nos orgulhar da nossa atuação em um cenário político que nunca mais será o mesmo. Aplaudamos, dentro de nossas casas os artigos, jornais, programas de televisão que veiculem uma boa imagem da PF, que exaltem nossas bem sucedidas operações. Mas aqui dentro, meus amigos… aqui dentro não podemos nos render às vaidades. Elas são insignificantes se colocadas ao lado das nossas atribuições diárias; ao lado da luta de tantos servidores administrativos e policiais federais que trabalham em prol da prestação de um serviço público de qualidade. E todos nós temos amor pela Polícia Federal, sem que seja necessário exaltá-lo aos quatro ventos. Devemos compartilhar esses sentimentos em silêncio.
A delicadeza de tudo o que permeia a segurança pública nos impede moral e eticamente de exaltar, publicamente, dessa forma, nosso trabalho: evidenciando um artigo de uma revista que tem interesses próprios e que faz mal uso de conceitos jurídicos, sociais e institucionais, enaltecendo a PF em algo que ela não pode ser.
Exatamente pela importância dos serviços que prestamos, temos que pautar nossa atuação na discrição ao desempenhar as atribuições constitucionais da PF, a fim de que nossa instituição alcance, em cada ação que desenvolva, o almejado interesse público.
Para quem leu a reportagem e não percebeu, há uma crítica forte por trás dela. Aos preceitos institucionais, à forma como a PF pode, na visão da sociedade, “barganhar” direitos, aumentar suas remunerações, entre outros, sem se submeter aos procedimentos de munus público, sem se submeter aos ditames republicanos que honram a nossa existência… não se iludam com o título que foi apresentado.
Texto da colega Ana Luiza Basto Cordeiro Mello, agente administrativa em Brasília – DF.
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