Para usar aeroportos, companhia terá que repassar à Infraero as taxas de embarque pagas pelos passageiros 

O calendário não oferece muitas alternativas à Varig, que tem 48 horas para resolver parte de seus problemas. Se quiser continuar voando, a companhia terá de pagar dois de seus principais credores. A Infraero e a BR Distribuidora prometem endurecer o jogo, cobrando antecipadamente e à vista taxas e serviços prestados. Isso dificultaria ainda mais a sobrevivência da empresa, que está em processo de recuperação, mas aguarda por um investidor com fôlego para reerguê-la. Caso as ameaças se concretizem, o futuro daquela que já foi umas das aéreas mais importantes da América Latina pode estar selado.

Entre hoje e amanhã, a estatal que administra os 66 aeroportos brasileiros pretende exigir da Varig o repasse, até o horário de cada vôo, do valor cobrado dos passageiros referente à taxa de embarque (entre R$ 800 e R$ 900 por vôo). Caso não haja o recolhimento, a Infraero impedirá que as aeronaves decolem. “O que está havendo é apropriação indébita de recursos e, por dever de ofício, não posso mais permitir”, disse José Carlos Pereira, presidente da Infraero. Segundo ele, há mais de um mês a Varig deixou de pagar o que deve. O montante já chega a R$ 35 milhões. A dívida total da aérea com a estatal soma R$ 550 milhões.

Mas, ainda que grave, esse não é o problema mais urgente. Apesar dos quase 120 vôos cancelados desde a semana passada, a Varig conta com pouco combustível para abastecimento e só teria caixa para comprar querosene até hoje. Na sexta-feira, depois de uma tensa reunião com o presidente da Varig, Marcelo Bottini, a presidente da Petrobras Distribuidora (BR), Maria da Graça Foster, afirmou que reconhece os esforços da companhia em honrar suas dívidas, mas que novas concessões colocam em risco os resultados da BR, expondo demais seus acionistas. A companhia aérea deve à BR Distribuidora R$ 57 milhões.

Mergulhada na mais grave crise financeira de sua história, a Varig vem perdendo mercado para as concorrentes. No cenário doméstico, a participação dela, em maio, caiu para 14,4% — em abril era de 16,51% — de acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). TAM e Gol, ao contrário, só aumentam suas presenças. No item ocupação dos aviões, a Varig também está cada vez mais longe das líderes, tendo registrado no mês passado 65% — atrás de TAM (73%) e Gol (74%). A fragilidade está estampada nos painéis de vôos pelo Brasil. No aeroporto da Pampulha (Belo Horizonte), a Varig mantém apenas uma partida (para o Galeão, Rio de Janeiro) e uma chegada. A rota para Congonhas (São Paulo-SP) está sendo operada pela Gol.

Além dos atrasos e cancelamentos, os passageiros que voam em aviões da empresa passaram a temer também pela segurança. Na sexta-feira, um MD-11 teve falha mecânica no trem de pouso central quando pousava na pista do Aeroporto Internacional de Brasília. Em nota, a companhia informou que houve a “quebra do suporte de fixação das rodas”, que se desprendeu no momento do pouso. Ninguém saiu ferido entre os 108 passageiros. O avião havia saído do Rio de Janeiro às 8h40 e fez uma escala no Distrito Federal às 10h. O destino final era Manaus (AM).

Calvário

No último dia 8, a Varig foi a leilão e recebeu apenas uma oferta de compra. Em nome da associação Trabalhadores do Grupo Varig (TGV), a NV Participações prometeu pagar US$ 449 milhões (R$ 1,010 bilhão). O juiz Luiz Roberto Ayoub, responsável pela reestruturação da empresa, pediu 24 horas para analisar a proposta, e depois de dois adiamentos, decidiu não estabelecer prazo algum para se pronunciar.

O suspense continua e as especulações também. O presidente da portuguesa TAP, Fernando Pinto, admitiu interesse em arrematar a Varig por meio de um consórcio internacional. As empresas estariam dispostas a bancar operacional e financeiramente a companhia brasileira, caso fosse decretada a falência continuada — o que não inviabiliza a manutenção das operações. A falência continuada, porém, está condicionada à homologação ou rejeição da proposta feita pela TGV. Bottini, da Varig, confirmou o interesse dos investidores estrangeiros.

Enquanto as negociações para a compra da Varig não se concretizam, nos bastidores, a companhia se organiza para evitar prejuízos ainda maiores se tiver mesmo de encerrar suas atividades esta semana. Segundo o site abcpolitiko, a diretoria da empresa já teria comunicado às autoridades federais como se dará a paralisação das operações: as aeronaves abastecem hoje, cumprem as rotas nacionais e internacionais, trazem ao Brasil 740 tripulantes que estão no exterior e param de voar amanhã.

DIREITOS DO CONSUMIDOR

Para efetuar a transferência de bilhete para outra companhia, o consumidor deve procurar com antecedência a Varig (cinco a sete dias) para fazer a mudança. Os custos da transferência serão arcados pelo consumidor.

Se a Varig deixar de operar, o consumidor que tem bilhete emitido deve procurar um agente de viagem para tentar trocar por um bilhete de outra companhia. Outra opção é recorrer à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Se a Varig deixar de operar, os brasileiros que estão na Alemanha acompanhando a Copa do Mundo devem procurar as agências de viagens onde compraram o pacote ou ainda ir ao consulado. A Anac deve ter um plano para atender esses brasileiros que estão no exterior.

Se o consumidor tiver milhas acumuladas, a recomendação é que emita o bilhete apenas se tiver certeza de que vai

viajar no período de 12 meses. Caso contrário, o consumidor deve guardar todos os extratos de milhagens. Esses podem ser usados para pleitear na Justiça a garantia do direito de viajar.

Fonte: Procon-SP

Um risco de US$ 1,5 bilhão

O grupo TGV, formado pelos empregados da Varig, dificilmente conseguirá obter os US$ 449 milhões necessários para honrar a proposta de compra da empresa aérea feita à Justiça na semana passada. A maior parte dos possíveis parceiros do grupo constatou que, mesmo livre de dívidas, a parcela boa da Varig que está sendo negociada só se tornará viável se houver uma grande injeção de capital no negócio — algo como US$ 1,5 bilhão. “Infelizmente, a Varig está em situação terminal. Já teve morte cerebral e está apenas com o coração batendo. Seu enterro está praticamente planejado. Por isso, não vemos a possibilidade de ninguém assumir um risco tão grande”, disse um integrante do governo.

A torcida no Palácio do Planalto é para que a Varig consiga resistir pelo menos até o final da Copa do Mundo, para evitar transtornos aos cerca de 30 mil brasileiros que viajaram para a Alemanha em aviões da empresa. Apesar de a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estar se movimentando para criar um plano de contingência que minimize ao máximo os estragos causados pela falência da companhia, o governo tem certeza de que os problemas serão muitos. “O vácuo deixado pela Varig será enorme”, assinalou um assessor muito próximo do ministro da Defesa, Waldir Pires.

Aventureiros

A esperança do governo era de que a Varig conseguisse sobreviver até depois das eleições presidenciais de outubro, para que sua quebra não respingasse na campanha da reeleição do presidente Lula. Mas com o cancelamento de quase 120 vôos desde a última sexta-feira e o fato de a empresa vir reduzindo aceleradamente sua participação no mercado doméstico — acredita-se que fechará junho com apenas 10% dos passageiros —, passou-se a esperar pelo pior a qualquer momento. Em 2004, tinha 31% do mercado.

O desânimo se instalou por completo no governo, diante dos vários aventureiros que surgiram nos últimos dias como possíveis salvadores da Varig. Anteontem, o ex-presidente do Correios e da VarigLog José Carlos da Rocha Lima assegurou ter fechado acordo com o fundo de investimento americano Carlyle para se associar ao TGV. Mas o porta-voz do Carlyle, Christopher Ullman, disse que o fundo desconhece Rocha Lima e que não tem nenhum interesse em investir na empresa brasileira. 

Luciano Pires do Correio Braziliense