Dos 67 deputados acusados de envolvimento com a máfia das ambulâncias, só 11 serão julgados. Os demais 56 terão o processo arquivado, o que permite a manutenção dos direitos políticos

Acusada de receber R$ 50 mil da máfia das ambulâncias, Celcita Pinheiro deve ser absolvida em votação no Conselho de Ética da Câmara. Mais cinco processos devem ser julgados ainda este ano

Passados quatro meses de a CPI dos Sanguessugas acusar 67 deputados de envolvimento com as máfia das ambulâncias, o Conselho de Ética da Câmara começará a votar processos por quebra de decoro parlamentar. O primeiro da fila, relatado pela deputada Ann Pontes (PDMB-PA) e previsto para entrar na pauta do próximo dia 6, recomendará a absolvição de Celcita Pinheiro (PFL-MT). Além do caso da peefelista, estimam técnicos do conselho, somente mais cinco processos devem ser analisados até o fim da atual legislatura, em 1º de fevereiro, e outros cinco reabertos na próxima, referentes a deputados reeleitos. O restante, no total de 56, deverá ir para o arquivo — o que beneficiará os processados, que manterão os direitos políticos e possibilidade de disputar novas eleições em 2008 e 2010.

A CPI apontou Celcita Pinheiro como suposta beneficiária de R$ 50 mil que teriam sido repassados a ela por Luiz Antônio Trevisan Vedoin, em troca de emendas ao Orçamento que pudessem beneficiar a Planam, empresa da qual é sócio, no fornecimento de ambulâncias superfaturadas para prefeituras. Segundo o empresário, o acordo entre eles foi fechado em 2002, quando Celcita concorria a uma vaga na Câmara dos Deputados. Os recursos, acusou o dono da Planam, foram transferidos a título de adiantamento para que Celcita, se eleita, fizesse a compensação com as emendas.

Ann Pontes, relatora do processo da colega do Mato Grosso, concluiu que não há comprovação do pagamento de propina. No relatório, em que pedirá a absolvição da deputada do Mato Grosso, ela argumentará que os dois cheques recebidos na Planam, no valor de R$ 25 mil cada, que teriam sido repassados por Luiz Antônio não tinham fundos, como o próprio empresário declarou posteriormente ao Conselho de Ética, recuando da primeira acusação feita à Justiça Federal. A relatora analisou o sigilo bancário de Celcita e chegou à conclusão de que não houve qualquer pagamento por parte da família Vedoin ao longo do mandato da parlamentar. “Não ficou comprovada ajuda nem antes nem depois do mandato”, disse Ann Pontes a assessores. Procurada pelo Correio, a relatora não quis comentar o teor do parecer. Mas para a CPI, Celcita quebrou o decoro parlamentar ao receber os cheques.

Dificuldades

Integrantes do Conselho de Ética, incluindo o presidente Ricardo Izar (PTB-SP), têm reclamado de dificuldades na busca de provas contra os parlamentares acusados de participar do esquema de corrupção pela quadrilha do Mato Grosso. A exemplo do que fez em relação a Celcita Pinheiro, Luiz Antônio inocentou outros três deputados: Pedro Henry (PP-MT), João Batista (PP-SP) e Erico Ribeiro (PP-RS), negando que tenha repassado “comissão” também para eles.

No total, a CPI acusou 69 deputados e três senadores — Serys Slhessarenko (PT-MT), Magno Malta (PL-ES) e Ney Suassuna (PMDB-PB). Na Câmara, os peemedebistas Coriolano Sales (BA) e Marcelino Fraga (ES) renunciaram. Dos 67 que restaram, apenas cinco conseguiram se reeleger em outubro: Wellington Fagundes (PL-MT), Wellington Roberto (PL-PB), Carlos Dunga (PTB-PB), João Magalhães (PMDB-MG) e Marcondes Gadelha (PSB-PB). No caso deles, os processos por quebra de decoro poderão ser retomados ano que vem, a partir de fevereiro de 2007, por decisão do novo presidente do Conselho de Ética, da Mesa Diretora ou por iniciativa de partidos políticos.

Depoimentos

A CPI dos Sanguessugas ouve amanhã mais dois envolvidos no escândalo do dossiê contra tucanos. A comissão interrogará Gedimar Passos, advogado preso em São Paulo pela Polícia Federal com R$ 1,75 milhão que seriam usados na compra do material, e Hamilton Lacerda, apontado pela PF como o “homem da mala”. Lacerda trabalhou como assessor da campanha ao governo de São Paulo do senador Aloizio Mercadante (PT). A polícia suspeita que ele tenha levado o dinheiro para Gedimar e a Valdebran Padilha, que estava em companhia do advogado quando ocorreu a prisão.  

PF quer mais prazo para investigar

 

A Polícia Federal reuniu indícios que, tecnicamente, comprometeriam mais o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) do que o deputado Ricardo Berzoini, afastado da presidência nacional do partido, no escândalo do dossiê contra tucanos. A informação mais contundente do inquérito sobre a origem dos R$ 1,75 milhão que seriam usados na compra do dossiê ainda é o conjunto de imagens do Hotel Íbis em São Paulo, onde Gedimar Passos e Valdebran Padilha foram presos. A partir dessas gravações, a PF concluiu que Hamilton Lacerda, ex-assessor de comunicação na campanha de Mercadante ao governo de São Paulo, foi o responsável por entregar os recursos à dupla.

Em relatório parcial da apuração, que pretende remeter hoje à Justiça Federal no Mato Grosso, o delegado Diógenes Curado argumentará que precisa de mais prazo para aprofundar as investigações. A polícia persegue pistas sobre lugares freqüentados por Hamilton na semana da apreensão do dinheiro, ocorrida na sexta-feira 15 de setembro. O circuito de vídeo do hotel flagrou o ex-assessor de Mercadante duas vezes no estabelecimento, onde se encontrou com Gedimar. Nas idas ao local, na manhã do dia 13 e na madrugada do dia 15, ele chegou com bolsas e saiu de lá sem elas.

Apesar disso, a polícia ainda não conseguiu encontrar provas ou confissão que incrimine Mercadante ou Berzoini, como foi noticiado ontem pela imprensa. O direito brasileiro não prevê a figura da responsabilidade objetiva, pela qual o dirigente de uma entidade responda criminalmente pelos atos de seus subordinados. “As investigações até agora realizadas não nos permitem concluir quem é o mandante”, afirmou o superintendente da PF em Cuiabá, Daniel Lorenz.

Crime eleitoral

Em mais de 70 dias de apuração, a polícia não tem dúvidas, porém, de que a trama partiu de um grupo influente de dirigentes do PT nacional e de São Paulo e trabalha com a hipótese do crime eleitoral. Os investigadores estão convencidos que o conteúdo do dossiê, embora seu potencial seja questionável, prejudicaria mais o governador eleito de São Paulo José Serra (PSDB) — outro elemento em desfavor de Mercadante, que nega qualquer participação no episódio.

Berzoini negou ontem, em São Paulo, ter sido o responsável pela compra do dossiê.

Segundo ele, seu advogado, Fernando Tibúrcio, entrou em contato com o delegado da Polícia Federal em Cuiabá Diógenes Curado Filho, que teria negado a ele a informação divulgada pela imprensa de que a PF aponta o parlamentar como o mandante da compra do dossiê.

“É uma matéria que não cita fontes nem tem aspas. Pressupõe que quem tem de mostrar se isso é verdade ou não é a Polícia Federal, ou o jornal. Eu estou absolutamente tranqüilo em relação a esse episódio”, garantiu. “Desde o começo, declaro com total tranqüilidade a minha isenção em relação a isso e quero aguardar também com tranqüilidade o encaminhamento da apuração”. Berzoini disse que irá analisar com cuidado se há “condições jurídicas” de processar o jornal. O presidente interino do PT, Marco Aurélio Garcia, tentou desqualificar as denúncias contra Berzoini. De forma irônica, Garcia chamou a matéria de uma “obra de ficção”.

 entenda o caso

Dossiê contra tucanos

No dia 15 de setembro, a Polícia Federal apreendeu vídeo, DVD e fotos que mostram o então candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra, na entrega de ambulâncias superfaturadas pela máfia. O material contra o tucano seria oferecido pelo empresário Luiz Antônio Vedoin, chefe dos sanguessugas e sócio da Planam, ao advogado Gedimar Passos e a Valdebran Padilha, ex-filiado ao PT do Mato Grosso, presos naquele dia com R$ 1,75 milhão num hotel de São Paulo.

Gedimar disse à PF que foi contratado pela Executiva Nacional do PT, comandada pelo presidente da legenda, Ricardo Berzoini, então coordenador da campanha à reeleição de Lula, para negociar com a família Vedoin a compra do dossiê. Afirmou também que seu contato no PT era alguém de nome “Froud ou Freud”. Após a denúncia, o assessor pessoal e amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Freud Godoy, pediu afastamento do cargo. Negou qualquer ligação com os envolvidos.

Outros nomes ligados ao PT foram relacionados ao escândalo. De acordo com as investigações, Osvaldo Bargas, ex-secretário no Ministério do Trabalho e então coordenador de programa de governo da campanha, e Jorge Lorenzetti, o analista de mídia e risco do PT, procuraram a revista Época para oferecer as informações do material, mas a negociação não vingou. Lorenzetti foi afastado do cargo e Berzoini deixou a coordenação da campanha de Lula e a presidência do partido.

O ex-diretor do Banco do Brasil Expedito Veloso também foi afastado da instituição, após denúncia sobre seu suposto envolvimento. Em São Paulo, o então candidato ao governo Aloizio Mercadante (PT) afastou o coordenador de comunicação da campanha Hamilton Lacerda, que teria levado os R$ 1,75 milhão ao hotel para entregar a Gedimar e Valdebran. 

Marcelo Rocha

Correio Braziliense