O deslocamento de policiais federais dos grandes centros urbanos para áreas de fronteiras foi objeto de reportagem publicada ontem (10) pelo Portal G1. Originária da sucursal carioca do jornalístico, a matéria adota tom crítico em relação à cessão de profissionais da PF lotados no Rio de Janeiro — estado que passa por Intervenção Federal em virtude da escalada da violência praticada pelo crime organizado — para zonas fronteiriças.
Um dos trechos da reportagem destaca e-mail do Superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, encaminhado aos chefes das delegacias cariocas: “Sei da dificuldade de pessoal que todas as delegacias/setores estão passando, mas conto com a compreensão e colaboração de cada um de vocês”. Outro ponto salientado pelo G1 foi a determinação da Direção-Geral da PF para que cada superintendência colabore cedendo 8% do efetivo para o patrulhamento das fronteiras.
Ao ler uma reportagem como essa, a maioria dos cidadãos deverá chegar a uma conclusão simples: está faltando pessoal na Polícia Federal. A observação é precisa, porém, a carência mais grave não está onde a maior parte das pessoas costuma imaginar. Conforme o SinpecPF vem denunciando há anos, a escassez de policiais na fronteira está intimamente ligada à gestão ineficiente dos recursos humanos da PF, em especial no que diz respeito a sua atividade meio. Algo que vai muito além da questão fronteiriça.
Para que o trabalho dos policiais seja bem-sucedido, é necessário todo um suporte logístico, realizado pelos servidores administrativos do Plano Especial de Cargos da Polícia Federal (PECPF) — a atividade meio. Ocorre que esses profissionais há anos são menosprezados na instituição, sendo mal remunerados em vista das complexas atividades que desempenham, uma vez que executam funções sem par em outros órgãos públicos ou polícias de nosso país.
A situação tem motivado a saída de inúmeros profissionais dos quadros do PECPF, que deixam o órgão em busca de melhores empregos. Desde 2004, mais de 1.125 servidores administrativos abandonaram a PF, excluídas desse cálculo as vacâncias decorrentes de falecimentos, demissões e aposentadorias. A maioria desses, profissionais com qualificações superioras às requeridas nos concursos e que poderiam oxigenar o órgão e trazer inovações ao trabalho.
Estudos da própria PF estimam que o órgão necessite de aproximadamente 5 mil administrativos na ativa. O ritmo de reposição das perdas é insuficiente: até hoje, foram realizados apenas dois concursos específicos para a carreira: o primeiro em 2004, o segundo em 2014. Juntos, eles preencheram 2.610 vagas (computadas as nomeações de excedentes). Atualmente, existem 2.681 servidores administrativos na ativa, 25% desses em condições de se aposentar. O número representa 19,6% do efetivo da PF — em 1978, esse percentual chegava a 30,3%.
Mas por que a falta de servidores administrativos influencia na quantidade de policiais federais atuando nas fronteiras? O motivo é simples: sem contar com número suficiente de servidores administrativos para tocar as atividades de suporte, a PF acaba obrigada a deslocar policiais federais para tais postos, apesar do descompasso remuneratório entre as duas atividades, com policiais recebendo até cinco vezes mais para executar a mesma tarefa. Muitos dos policiais desviados de função são egressos de regiões fronteiriças, o que colabora para a precariedade da fiscalização nessas áreas. Em geral, policiais que atuam na fronteira veem o deslocamento como verdadeiro bônus, afinal, nada melhor que trocar as privações e dificuldades do trabalho policial naquelas regiões pelo trabalho burocrático dos grandes centros.
Uma forma de minimizar o problema é fortalecer a carreira administrativa, mediante valorização salarial, regulamentação das atribuições e a realização de novos concursos públicos. Ao contrário do que uma primeira impressão possa indicar, a medida seria benéfica aos cofres públicos, pois é muito mais caro seguir com os desvios de função de policiais — que resultam em duplo prejuízo, haja vista a falta que esses policiais fazem na linha de frente do combate ao crime. Não faz sentido manter delegados, peritos, agentes, escrivães e papiloscopistas atuando em setores de recursos humanos ou em áreas como licitações, transporte e contratos. É estarrecedor, mas os próprios diretores da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) estimam que até 50% do efetivo policial esteja atuando em atividades administrativas.
Também é passada a hora de atribuir formalmente aos administrativos funções que, historicamente, já são desempenhadas pela categoria, tais como passaporte, controle migratório, controle de produtos químicos no país e controle de empresas de segurança privada. Essas atividades são classificadas como de segurança pública, mas só ocasionalmente necessitam do uso de força policial. Para suprir tal necessidade, basta que o administrativo responsável acione áreas policiais como os Núcleos Operacionais, Plantões ou Serviços de Segurança aeroportuária. Tal medida possibilitaria a liberação de centenas de policiais para atuar em áreas estritamente policiais, atendendo o anseio da sociedade de ampliar a segurança em nossas cidades.
As Administrações recentes da PF têm dado alguns passos no empoderamento da carreira administrativa. Iniciativas como a regulamentação das funcionais e o estudo para criação dos uniformes são bem-vindas, porém seguem bastante tímidas em relação ao que realmente precisa ser feito. Em texto recente, o colega Paulo Murilo deixou clara a importância da valorização da categoria, em um relato prático dos problemas enfrentados pela classe.
Se quisermos proteger nossas fronteiras e combater a violência que cresce em todo o país — inclusive colocando freio às mortes por balas perdidas no Rio de Janeiro —, não bastará contratar mais policiais federais. Para cuidar adequadamente das fronteiras do país, é preciso cuidar também das fronteiras funcionais na PF, estabelecendo claramente o papel de cada cargo dentro da instituição, de modo a combater os desvios de função que desguarnecem a segurança nacional.
Texto produzido por sugestão do colega Paulo Murilo, de Brasília.
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