Governo x governo

Executivo leva disputas administrativas entre seus órgãos às últimas instâncias da Justiça

Acusados de abarrotar a Justiça de ações, órgãos do governo federal também recorrem ao Poder Judiciário para resolver problemas entre eles, que poderiam ser solucionados na esfera administrativa. Um levantamento parcial da Advocacia Geral da União (AGU) indica que somente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) há pelos menos 400 processos em que o governo federal briga contra o próprio governo federal.

Até bem pouco tempo, outros cem processos tramitavam no Supremo Tribunal Federal (STF), mas já foram julgados e o litígio está resolvido.

– Isso acontece porque a gente vive na cultura do conflito e, para os gestores, é mais cômodo jogar para o Judiciário do que resolver na esfera administrativa – afirmou o ministro José Antônio Tóffoli, da Advocacia Geral da União.

As ações envolvem os mais diversos órgãos, e os motivos são igualmente variados. Há desde cobranças de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não depositados até ações de despejo ou disputa de propriedade de prédios e terras. Muitas ações começam nos estados e se arrastam por anos a fio na Justiça, chegando ao Supremo ou ao STJ.

Incra levou ao STF processo de 12 anos

A Procuradoria da Fazenda Nacional e o Incra levaram até o Supremo Tribunal Federal uma controvérsia sobre a competência na cobrança de dívidas do Imposto Territorial Rural (ITR), que começou na Justiça Federal do Rio Grande do Sul. Depois de quase 12 anos de recursos apresentados pelos dois lados, o Supremo decidiu, em 2005, que a Procuradoria da Fazenda Nacional tem competência de delegar ao Incra a cobrança da dívida.

Uma disputa entre o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (Dnit) pôs em risco uma obra incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Os dois órgãos não se entendiam por causa das obras de restauração e pavimentação da BR-319, que liga Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia.

O Ibama cobrava a realização de estudos ambientais para liberar a obra, mas o Dnit argumentava que a estrada já existia e não haveria necessidade de fazer o relatório ambiental. Os dois órgãos só chegaram a um entendimento na câmara de conciliação da Advocacia Geral da União este ano.

A briga chegou à Justiça Federal, mas acabou sendo resolvida com a intermediação da Câmara de Conciliação e Arbitragem da AGU. A ação na Justiça foi extinta diante do acordo firmado entre as partes, no qual o Dnit se comprometia a fazer os estudos ambientais no trecho novo da rodovia.

“É preciso criar a cultura do diálogo”

A Câmara de Conciliação e Arbitragem foi instituída em 2004, exatamente para evitar que os órgãos federais levem seus problemas para a Justiça resolver. São conhecidos também os casos de divergências públicas e ações judiciais entre o Ibama e o Incra, ou entre o Incra e a Funai, por causa de assentamentos de trabalhadores rurais em áreas de preservação ambiental e áreas indígenas.

Há muitos casos em que os assentados foram acusados de provocar desmatamento ilegal. Num dos casos, a disputa entre a Funai e o Ibama começou em 1998 e envolveu a exploração de madeira em terras indígenas em Rondônia. Chegou ao Supremo mas foi devolvido à 2ª Vara da Justiça Federal de Rondônia, onde ainda tramita.

– Não há no Poder Executivo uma cultura de que ele também pode exercer o arbitramento e a conciliação. É preciso criar a cultura do diálogo interno. O Judiciário deve ser o árbitro somente na exceção – defendeu Tóffoli.

Desde 2004, foram criadas 107 câmaras de negociação entre as partes, sendo que 21 já foram concluídas com acordo entre os órgãos. Outras 34 aguardam providências das partes para serem encerradas. Mais 24 câmaras estão em andamento e 19 ainda estão em fase inicial. As câmaras tratam de processos que envolvem disputas no valor de R$498 milhões, sendo que as já concluídas totalizam R$195 milhões. Das 107 criadas até agora, 42 não têm valor especificado.

Segundo o ministro Tóffoli, a Advocacia Geral da União não tinha estrutura para fazer a conciliação entre os órgãos federais, mas agora está, inclusive, descentralizando as câmaras, permitindo a criação dessas instâncias nas representações estaduais.

A tendência, afirmou Tóffoli, é reduzir cada vez mais os conflitos entre órgãos federais e, conseqüentemente, a necessidade desses órgãos recorrerem ao Poder Judiciário.

– Se há um conflito de interesse entre dois órgãos, a AGU pode decidir quem tem razão e chegar a um acordo entre as partes. Por que a destinação de um prédio público tem de parar na Justiça? – argumentou.

Luiza Damé

O Globo

10/9/2007