O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), concedeu liminar determinando que o governo federal não efetue descontos salariais na folha de pagamento dos auditores fiscais da Receita Federal em razão da greve da categoria que persiste há cerca de um mês.

Para o ministro, é preciso observar o caráter alimentar dos vencimentos dos servidores. A liminar vale até que a Terceira Seção analise o mandado de segurança.

O ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão havia suspendido o pagamento dos vencimentos da categoria sob a alegação de que o prolongamento do estado de greve dos servidores fiscais “demanda a tomada de decisão por parte da Administração”, sem deixar de reconhecer o direito de greve garantido constitucionalmente.

Contra essa medida, a Unafisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal) ingressou com mandado de segurança no STJ. O ministro relator não acredita que os descontos possam conduzir à solução desejável do impasse, devendo essa iniciativa ser coibida pela atuação judicial, inclusive para se evitar que o conflito ultrapasse os limites jurídicos e possa, eventualmente, tornar-se confronto.

Em sua decisão, o ministro Napoleão destacou que é indesejável a paralisação das atividades administrativas públicas. No entanto, até agora, Administração e servidores não resolveram o problema que dá origem à greve. No entender do ministro, é fundamental que a situação seja resolvida, pois a tendência é a radicalização do comportamento das partes, com prejuízos sensíveis e enormes para todos, especialmente para a sociedade civil.

NOTAS DA REDAÇÃO

Primeiramente, cumpre-nos elaborar algumas observações sobre o direito de greve aos servidores públicos.

O artigo 37, o inciso VII, da Constituição Federal assegura o direito de greve que deverá ser “exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”. Assim, exige-se lei específica que a discipline e, já que a matéria concernente a servidor público não é privativa da União, a doutrina compreende que cada esfera de Governo deverá cuidar do que lhe compete por lei própria.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica

Ressalva deve ser feita ao militar, a quem está proibida a greve conforme o artigo 142, §3º, IV. Bem como aos empregados públicos das empresas públicas e sociedades de economia mista, vez que seu regime jurídico deve ser igual ao das empresas privadas como prenuncia o artigo 173, §1º, II. Vejamos os artigos citados:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições

IV – ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

Assim, a doutrina se divide entre o direito de greve, insculpido no artigo 37 da CR/88 ,ser uma norma de eficácia contida ou limitada.

Não se pode olvidar a doutrina minoritária que afirma que o direito de greve é uma norma de eficácia contida, o que significaria que ele pode ser exercido desde já, podendo a lei restringi-lo.

Mas a doutrina majoritária segue o STF que, no julgamento de alguns mandados de injunção, solidificou o entendimento de que o preceito constitucional sobre o direito de greve é norma de eficácia limitada, não podendo ser aplicada enquanto não houver lei que defina seus limites, como segue a ementa do MI nº20:

MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO – DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL – EVOLUÇÃO DESSE DIREITO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO – MODELOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPARADO – PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) – IMPOSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR – OMISSÃO LEGISLATIVA – HIPÓTESE DE SUA CONFIGURAÇÃO – RECONHECIMENTO DO ESTADO DE MORA DO CONGRESSO NACIONAL – IMPETRAÇÃO POR ENTIDADE DE CLASSE – ADMISSIBILIDADE – WRIT CONCEDIDO. DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de auto- aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição – para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida – que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público – constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa – não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora – vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários. MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição. Precedentes e doutrina.

Porém, vale ressaltar que em outros julgados, como o MI 670/ES, conforme Informativo nº485 do STF, o Supremo aceitou a possibilidade de regulação provisória do direito de greve pelo próprio Judiciário, aplicando a lei 7.783/89 aos servidores públicos até que a omissão seja suprida (Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008 p. 517).

Maria Sylvia alerta que a maior dificuldade em regulamentar a greve no serviço público não está, como se pensa, na continuidade do serviço público, que poderia ter a mesma solução dada pela lei 7.783/89, a qual trata dos serviços essenciais e cuidam da continuidade dos mesmos em períodos de greve. O efetivo problema está no fato de que o direito de greve, para os servidores públicos, não poderá culminar em negociações coletivas para aumento de remuneração, como ocorre com os demais trabalhadores. Apenas poderá funcionar como pressão sobre o Poder Público nesse aspecto (Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008 p. 517).

Isso acontece porque, segundo Maria Sylvia, “não poderia o servidor de uma categoria participar de negociação coletiva que lhe assegurasse vencimentos superiores aos definidos em lei e que ainda contrariasse as normas do artigo 37” da CR/88. A Súmula 679 do STF afirma que afirma: A fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva (Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008 p. 518).

Continuando na esteira da corrente majoritária, entende-se que o direito de greve seria ilegal. Assim, a jurisprudência dominante informa que, sendo ilegal, seria possível o desconto dos dias não trabalhados. Ou, ainda, possível porque culmina na suspensão do contrato de trabalho, o que significa a não prestação de serviços e ao não pagamento dos valores.

No entanto, o mesmo entendimento não se aplica à demissão, a qual não é possível vez que tem natureza de sanção por infração funcional, e a greve não é considerada falta grave pela lei 8.112/90.

O ministro Napoleão Nunes, em decisão contrária à doutrina e jurisprudência dominantes, concedeu a liminar que não permite descontos salariais na folha dos auditores. Afirmou que os vencimentos têm caráter alimentar e que esse tipo de medida (descontos) deve ser coibida. Disse, ainda, que não se pode permitir que esse tipo de conflito vire confronto, e que culminem em posição radicalizada de ambas as partes, prejudicando, verdadeiramente, os administrados. Asseverou, ainda, que o que precisa ser resolvido é o cerne do problema que desencadeou a greve.

(Fonte: A Decisão – STJ)