Supremo suspende determinação constitucional que limitava vencimentos de magistrados. Servidores ficam de fora

Uma decisão polêmica e quase unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) vai permitir que desembargadores e juízes nos estados possam ganhar supersalários de até R$ 24,5 mil, o teto do funcionalismo federal. Na contramão da polêmica dos altos salários no Poder Judiciário, os ministros do Supremo suspenderam ontem, por liminar, o dispositivo constitucional que limitava os vencimentos dos magistrados nos estados em R$ 22,1 mil. No entendimento da Corte, não se pode dar “tratamento discriminatório” entre juízes estaduais e federais e, por isso, todos têm o direito ao mesmo teto.

A decisão de ontem, cujo placar foi de 10 a1, só será aplicada aos magistrados e não aos servidores da Justiça Estadual. Em dezembro, o STF deu uma interpretação contraditória ao considerar inconstitucional a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que elevou o teto salarial para procuradores e promotores nos estados também para R$ 24,5 mil, remuneração paga a ministros do Supremo. A justificativa do STF é de que as regras são diferentes para os juízes.

Segundo o ministro Cezar Peluso, relator do processo, o Ministério Público não é uma instituição unitária de caráter nacional, como é o Judiciário, e obedece regras diferentes em cada estado. “Juiz é uma coisa, Ministério Público é outra”, afirmou. “O Poder Judiciário não é nem estadual nem federal, é nacional.”

Ainda de acordo com Peluso, a decisão do Supremo estabeleceu que o teto de remuneração não pode ser diferente nas esferas estaduais e federais, e nãopara aumentar os vencimentos dos desembargadores e juízes. Só se tiverem direito a gratificações — por exemplo, por exercício de cargos de direção em tribunais ou exercícios em comarcas —, eles poderão ganhar até R$ 24,5 mil. Em tese, não haveria efeito cascata nos salários da categoria. O entendimento abre brecha, porém, para que os juízes ganhem como o ministro do STF acumulando “penduricalhos”. A estimativa é que existam 10 mil magistrados estaduais no país.

O julgamento foi comemorado pelos juízes presentes no tribunal. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Rodrigo Collaço, ressaltou que o Supremo reconheceu o caráter nacional da Justiça. “Agora, existe um teto único para a magistratura”, afirmou. A entidade foi a autora da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) julgada ontem.

O pedido da AMB era para suspender uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle externo do Judiciário, que no início do ano concluiu que os juízes estaduais deveriam ganhar no máximo R$ 22,1 mil. Desde então, os presidentes dos tribunais de Justiça não pararam de pressionar pelo julgamento da Adin para tentar pôr fim à discussão.

Corte em vão

A decisão do STF imprimiu uma derrota ao CNJ, que tentava acabar com a farra dos supersalários do Judiciário. O órgão recentemente exigiu que fossem cortados os contracheques de servidores e juízes nos tribunais de Justiça que recebiam acima do teto de R$ 22,1 mil. Num levantamento feito no ano passado, o Conselho diagnosticou que existem três mil casos de pessoas nos estados que se enquadram nesse caso. Chegou, inclusive, a mandar cortar os vencimentos de juízes e servidores em situação irregular em sete tribunais. As cortes atingidas foram as do Amapá, Acre, Mato Grosso, Maranhão, Minas, Paraíba e Rio Grande do Norte.

Ao todo, 15 estados mantinham salários irregulares e apresentaram justificativas ao CNJ para extrapolar o teto. Agora, com o novo limite estabelecido, a instituição terá de refazer as contas e arquivar algumas determinações. Na avaliação do conselheiro do órgão Alexandre de Moraes, o efeito da decisão nos cortes feitos pelo CNJ até agora será apenas nos salários de presidente, vice-presidente e corregedor dos tribunais de Justiça, que recebem gratificação temporária por prerrogativa de função. Eles devem passar a receber R$ 24,5 mil.

O número

R$ 22,1 mil. Era o limite salarial que um desembargador estadual poderia receber

O número

R$ 24,5 mil. É até quanto um magistrado estadual pode ganhar a partir de agora

Memória

Novela do ano passado

Há meses, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenta pôr fim à farra salarial no Judiciário, e ainda não conseguiu. A novela se arrasta e chegou a abrir uma crise no poder. Começou em março do ano passado, quando o órgão estipulou, por meio de resolução, o corte dos contracheques dos servidores, magistrados e pensionistas dos estados que ganhavam acima do teto de R$ 22,1 mil.

O CNJ deu um prazo de três meses para o cumprimento da exigência. Em novembro, porém, um estudo do órgão revelou que ainda três mil pessoas estavam em situação irregular em 20 tribunais estaduais. Na ocasião, os chefes dos tribunais de Justiça se rebelaram e pediram um prazo maior para analisar a situação de cada servidor antes de cumprir a determinação.

O Conselho deu o limite de até o dia 20 de janeiro. E mesmo assim apenas cinco deles cumpriram a determinação de adequar seus contracheques. Depois disso, uma investigação foi aberta pelo órgão para apurar irregularidades em cada um deles.

A situação dos irregulares está sendo julgada caso a caso pelo CNJ. E até agora os conselheiros exigiram o corte dos salários em apenas sete tribunais. O julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) adiou a avaliação das outras oito cortes restantes.

Agora, com o entendimento do Supremo de igualar o teto salarial dos juízes estaduais com os federais, o conselho terá de refazer o levantamento e reavaliar as decisões anteriores.

Fernanda Guzzo

Correio Braziliense 

1/3/2007