Os bancos não têm mais como fugir do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por nove votos a dois, que as instituições financeiras terão de se submeter a essa legislação. Caso um cliente se sinta lesado com uma cobrança indevida ou mau atendimento, por exemplo, e faça uma reclamação, os bancos poderão sofrer sanções com base no CDC. Para os órgãos de defesa do consumidor, a medida é um importante passo na consolidação das leis e concretiza um direito constitucional.
— Na prática, o CDC já vinha sendo usado em algumas decisões judiciais envolvendo serviços bancários, mas havia questionamentos contrários dos bancos. A decisão do STF tira o argumento usado pelos bancos — afirmou o presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Roberto Pfeiffer.
O STF julgou a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (Consif) que contestava a validade do parágrafo 2, do artigo 3, do CDC, que inclui as atividades bancárias, de crédito, financeiras e securitárias no conceito de relações de consumo. Os ministros do STF entenderam que o direito à defesa do consumidor está na Constituição de 1988 e deve ser tomado de maneira universal.
— O CDC representa o maior avanço na disciplina das relações de consumo — defendeu ontem o ministro Celso de Mello, ao proferir o seu voto.
Ação tramita desde 2001 no Supremo
O CDC está em vigor há mais de 15 anos e busca regular as relações entre os consumidores finais e as empresas que vendem produtos ou serviços. O Código prevê a adoção de penalidades caso haja, entre outros, descumprimento de acordos firmados. Com a decisão de ontem, o STF pôs fim a um impasse que durou mais de quatro anos. A Adin foi proposta em 27 de dezembro de 2001 e o primeiro julgamento da ação foi em abril de 2002.
Na ocasião, houve uma grande mobilização de diversas entidades civis. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), de São Paulo, chegou a promover uma campanha pedindo aos consumidores que enviassem e-mails ao então presidente do STF, Marco Aurélio Mello, repudiando a ação dos bancos. A campanha foi tão bem-sucedida que o correio eletrônico do ministro ficou congestionado.
— Foi uma vitória inquestionável de todos os consumidores. Os bancos aproveitaram o apagar das luzes do ano de 2001 para propor a Adin. Mas a opinião pública estava atenta e o tiro saiu pela culatra. Os ministros do STF deixaram claro não só para os bancos mas para todos os setores a importância da aplicação do Código nas relações de consumo. Foi um recado de que o CDC tem que ser respeitado — afirmou Marcos Diegues, gerente jurídico do Idec.
O coordenador-geral de assuntos jurídicos do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, Cláudio Peret, não acredita que haverá mais consumidores reclamando dos bancos por causa da decisão do STF. Ele lembrou que o Código já vinha sendo utilizado em diversas esferas judiciais, mas comemorou o fim do julgamento:
— O CDC é um instrumento de cidadania dentro de uma sociedade de consumo, como a nossa.
A decisão do STF indicou que o CDC não se aplica à condução da política monetária ou da fiscalização ou regulação das atividades financeiras. Essas tarefas são do Banco Central (BC) e do Conselho Monetário Nacional (CMN), que cuidam da saúde do Sistema Financeiro Nacional (SFN).
Para o ministro Eros Grau, que será o relator do acórdão do julgamento de ontem, a resolução deixa “clara a atribuição de cada um”. Segundo ele, a medida é importante para evitar, por exemplo, questionamentos judiciais sobre a adoção da taxa básica de juros (Selic), hoje em 15,25% ao ano e um dos mais fortes instrumentos da política econômica do país. No entanto, sobre as taxas de juros efetivamente cobradas pelos bancos ou financeiras, acrescentou o ministro, os consumidores que se sentirem lesados podem lançar mão do CDC para impedir abusos.
O BC não quis comentar a resolução do STF, informando apenas que aguardará a publicação oficial da decisão, a qual “cumprirá integralmente”.
Febraban prevê corrida à Justiça
O diretor jurídico da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Johan Albino Ribeiro, disse ontem que, embora o setor financeiro nacional funcione desde 1990 sob as regras do CDC, a repercussão da decisão do STF pode levar a uma enxurrada de ações contra os bancos. Exceto por essa possibilidade, segundo Ribeiro, em essência a decisão não deve trazer mudanças ao funcionamento dos bancos.
Marli Aparecida Sampaio, diretora executiva do Procon de São Paulo, espera o contrário:
— Agora os bancos podem oferecer menor resistência à aplicação do Código e, com isso, diminuir as demandas na Justiça.
Segundo Marli, as queixas contra instituições financeiras representam cerca de 25% dos atendimentos registrados no Procon-SP.
— Nunca houve dúvida da aplicação do Código aos contratos bancários. Já existe, inclusive, uma súmula do Superior Tribunal de Justiça com entendimento nesse sentido — lembrou Marli.
Saiba como ficam os seus direitos
COBRANÇA: Em caso de cobrança indevida, o consumidor tem direito à devolução em dobro dos valores cobrados irregularmente.
FALHA ELETRÔNICA: Nas transações eletrônicas ou pela internet, o banco responde pelo erro, independentemente da existência de culpa.
CLÁUSULA ABUSIVA: As cláusulas contratuais abusivas são proibidas e passíveis de nulidade.
PRODUTO NÃO PEDIDO: O envio de produto, por exemplo, cartão de crédito, sem prévia solicitação é proibido.
CONTRATO: A não-entrega do contrato é proibida. Se não tiver acesso ao contrato previamente, o consumidor não é obrigado a cumpri-lo. Em caso de dúvida, as cláusulas contratuais serão interpretadas da maneira mais favorável ao cliente.
LIQUIDAÇÃO: O desconto proporcional dos juros e demais acréscimos na liquidação antecipada de financiamento ou empréstimo é obrigatório.
MULTA: A multa por inadimplência está limitada a 2%.
HONORÁRIOS: A cobrança de honorários advocatícios é proibida.
JUROS: Juros abusivos, acima dos praticados pelo mercado, são proibidos.
ÔNUS DA PROVA: Em caso de problemas, o cliente pode pedir a inversão do ônus da prova, ou seja, o banco terá que comprovar que a falha não foi causada por ele.
Patrícia Duarte e Ana Cecília Santos – O Globo
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