Demora do governo em conceder aumentos prometidos para este ano provoca a insatisfação de diversas categorias. MP que beneficia 240 mil trabalhadores depende de parecer da AGU para se publicada
Vinte e três dias após conceder reajuste a 160 mil servidores do Executivo, o governo ainda não cumpriu a promessa de atender às outras cerca de 20 categorias que deverão ser contempladas em 2006 — metade dos trabalhadores federais, segundo números do Ministério do Planejamento. Na MP nº295, publicada no final de maio, apenas sete categorias foram beneficiadas (veja quadro). Mais de 800 mil ativos e aposentados ainda estão de fora, segundo acordos firmados desde o ano passado. O emperramento da publicação das outras cinco MPs prometidas foi agravado por uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tomada na noite de terça-feira. Analisando uma consulta feita por um deputado do Amazonas, o TSE entendeu que em anos eleitorais só podem ser concedidos aumentos salariais superiores à inflação prevista para o período antes de 180 dias do dia da votação. Desta forma, após 1º de abril os governos só poderiam reajustar os salários de seus trabalhadores com índices menores que a inflação prevista para o ano.
O entendimento assustou governo e servidores. Durante todo o dia, os funcionários buscaram informações para saber se haveria impacto sobre as seis medidas. Planejando publicar no Diário Oficial da União de hoje a segunda MP, com aumento para 240 mil trabalhadores, o governo cancelou seus planos. Mas a publicação foi apenas adiada. Oficialmente, o governo aguarda uma posição da Advocacia Geral da União sobre o assunto, mas internamente já entendeu que a lei vale apenas para reajustes lineares. E todos os aumentos pretendidos nas MPs são diferenciados. Os únicos dois aumentos lineares dados durante todo o governo Luiz Inácio Lula da Silva foram de 1% em 2003 e de 0,1% em 2005.
Reajustes diferentes poderão ocorrer até dentro de uma mesma categoria, como o previsto para o Plano de Classificação de Cargos (PCC). Segundo o projeto enviado pelo Planejamento à Casa Civil, os aumentos para o PCC deverão variar de 13% a 53%, dependendo da escolaridade. Os servidores do PCC esperavam que, além do reajuste, o governo aprovasse planos de carreira diferenciados para algumas categorias, como os funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Insatisfeitos — algumas áreas do PCC fazem greves há três meses —, ficaram apavorados durante todo o dia com a possibilidade de o governo não conceder nem o aumento prometido. Apenas no fim do dia, os analistas jurídicos começaram a interpretar a decisão de outra forma. A decisão do TSE, ao meu ver, não tem qualquer efeito, porque o governo não tem dado reajustes gerais. Essas medidas provisórias têm características de fazer reestruturações de carreiras específicas, analisa o Luís Fernando Silva, assessor jurídico da Confederação Nacional dos Servidores Públicos Federais (Condsef).
Interpretação
A mesma interpretação teve o presidente da Associação Nacional dos Advogados da União (Anauni), José Kozima. A categoria está em greve desde o dia 22 de maio, pedindo a equiparação com o Ministério Público — o salário inicial aumentaria de R$ 7,5 mil para R$ 19 mil até 2009. Somente neste ano, os salários aumentariam em média 30%. O governo reluta em dar o índice de reajuste acertado em fevereiro. Além dos auditores, ainda têm seus reajustes indefinidos a Polícia Federal — há dois dias paralisada —, toda a carreira da Advocacia Pública da União — em greve juntamente com os advogados da União —, auditores da Receita, da Previdência e do Trabalho. O Ministério do Planejamento ainda formula a sexta medida provisória que irá beneficiá-los. As outras quatro MPs já estão na Casa Civil.Ontem pela manhã, os auditores da Receita e da Previdência se juntaram a gestores, funcionários do Tesouro Nacional e da Controladoria-Geral da União em uma manifestação em frente ao Planejamento. Mais de 400 servidores protestaram. À tarde o gramado do Planejamento serviu de palco para a manifestação dos servidores do judiciário. Eles querem que o projeto de lei, que já está no Congresso Nacional e que trata da reestruturação das carreiras dos 105 mil funcionários, seja encaminhado ao Senado sem passar pelo plenário da Câmara.
Como será o aumento
O governo promete editar seis medidas provisórias (MPs)*
1ª MP
A Medida Provisória(MP) 295 foi publicada no Diário Oficial da União no dia 30 de maio. Ela prevê reajustes salariais diferenciados para sete categorias do Executivo , beneficiando 160 mil servidores. Os aumentos variam de 10% a 20% sobre a remuneração total. O impacto no orçamento deste ano é de R$ 1,3 bilhão e R$ 1,6 bilhão em 2007. A maior parte dos atingidos são os funcionários do Banco Central, os professores de universidades federais e de escolas de 1º e 2º graus.2ª MP
Sete categorias deverão ser contempladas, num total de 240 mil servidores. No grupo estão os funcionários da Seguridade Social (Ministério da Saúde, do Trabalho e da Previdência Social, Fundação Nacional de Saúde e Delegacias Regionais do Trabalho), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do Instituto Nacional de Metrologia, do Hospital das Forças Armadas, da Fundação Oswaldo Cruz, da Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo, e de Tecnologia Militar. Os aumentos variam com os acordos fechados. O custo previsto é de R$ 421 milhões.3ª MP
A promessa do governo é de que essa medida beneficie os 290 mil servidores do Plano de Classificação de Cargos (PCC). A recomposição salarial será sobre a gratificação de desempenho que substituirá a Gratificação de Desempenho de Atividade Administrativa (GDATA). Os índices vão variar de 13% a 53% sobre a remuneração básica — nível superior (vai de 40% a 53%), nível intermediário (de 38% a 43,57%) e auxiliar (de 13% a 23%). Deve consumir R$ 477 milhões neste ano e R$ 1,3 bilhão em 2007.4ª MP
Vai contemplar o acordo firmado com os militares em 2005. No ano passado foram 13%, neste ano deverá ser dado mais 10%. Há uma discordância, no entanto, quanto ao entendimento do acordo. O governo diz que ele previa 23% no total, os 10%, no entanto, deveriam ser sobre os 13% e virariam menos de 9% neste ano. Os militares cobram 10%. O impacto deverá ser de R$ 1,2 bilhão.5ª MP
Deverá garantir o pagamento dos servidores das áreas de segurança pública do Distrito Federal. Serão contemplados os praças da polícia militar e corpo de bombeiros (31%), oficiais das duas corporações e agentes e delegados da polícia civil (18%). O impacto previsto é de R$ 195 milhões.**6ª MP
Está sendo formulada pelo Ministério do Planejamento e deve conceder aumentos diferenciados para policiais federais, advogados públicos da União e auditores da Receita, da Previdência e do Trabalho. O governo possui mais R$ 1,5 bilhão previsto no Orçamento para dividir entre essas duas categorias e o judiciário, que possui um projeto de reajuste em votação no orçamento.
**Posição dos servidores, o governo não confirma.
Fontes: Diário Oficial da União, Ministério do Planejamento e entidades representativas dos servidores.
TSE faz alertaLuciano Pires
Da equipe do Correio
Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tomada na noite de terça-feira, deixou ontem apreensivos servidores federais que vivem a expectativa de receber aumentos. Ratificando um trecho da Lei das eleições (9.504/97), os ministros entenderam que é irregular conceder reajustes gerais, além da recomposição do poder aquisitivo, até 180 dias antes do pleito.
Pela manhã, técnicos do Ministério do Planejamento e da Advocacia-Geral da União (AGU) tentaram entender as conseqüências da medida e, no fim do dia, chegaram à conclusão de que a decisão do TSE em nada muda a estratégia do governo. “O que está sendo feito é reestruturação de carreiras, de forma segmentada, não reajustes lineares”, explicou um articulador do governo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de se reunir com assessores, afirmou não haver motivo para preocupações. “Temos uma situação em que muitas categorias estavam na época de reajuste e o orçamento só foi aprovado em abril, portanto é o momento de fazer reajustes. Acho que não houve mudança e vamos continuar cumprindo o ritual normal de atendimento dessas categorias. “Não há nenhuma razão para preocupação ou nervosismo”, disse o presidente. Lula foi irônico ao afirmar que “se começarem a dizer que não pode dar aumento, a Fazenda vai até gostar”. Já o ministro da Defesa, Waldir Pires, tranqüilizou os militares e disse que a segunda parcela (10%) do aumento de 23% autorizado em 2005 está garantida.
O presidente do TSE, Marco Aurélio de Mello, advertiu que em anos eleitorais “as bondades dos governos ficam maiores” e disse que se a Justiça for provocada por algum partido de oposição irá se pronunciar sobre a política de aumentos salariais no Executivo. “Ao menos que se coloque em segundo plano a ordem jurídica”, Mello chegou a dizer que os funcionários que já receberam aumentos poderão ter de devolver dinheiro ao Estado “se o ato for dito como ilícito”.
Mariana Flores do Correio Braziliense
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