Leia as íntegras das notas da revista “Veja”, do delegado Moysés Ferreira e da PF.
Nota da revista “Veja” A pretexto de obter informações para investigação interna da corregedoria sobre delitos funcionais de seus agentes e delegados, a Polícia Federal intimou cinco jornalistas de “Veja” a prestar depoimentos.
Eles foram os profissionais responsáveis pela apuração de reportagens que relataram o envolvimento de policiais em atos descritos pela revista como “uma operação abafa” destinada a afastar Freud Godoy, assessor da Presidência da República, da tentativa de compra do dossiê falso que seria usado para incriminar políticos adversários do governo.
Três dos cinco jornalistas intimados Júlia Duailibi, Camila Pereira e Marcelo Carneiro foram ouvidos na tarde de terça pelo delegado Moysés Eduardo Ferreira.
Para surpresa dos repórteres, sua inquirição se deu não na qualidade de testemunhas, mas de suspeitos. As perguntas giraram em torno da própria revista que, por sua vez, pareceu aos repórteres ser ela, sim, o objeto da investigação policial. Não houve violência física. O relato dos repórteres e da advogada que os acompanhou deixa claro, no entanto, que foram cometidos abusos, constrangimentos e ameaças em um claro e inaceitável ataque à liberdade de expressão garantida na Constituição.
Ao tomar o depoimento da repórter Julia Duailibi, o delegado Moysés Eduardo Ferreira indagou os motivos pelos quais ela escrevera “essa falácia”. A repórter de “Veja”, então, perguntou ao delegado Moysés qual era o sentido de seu depoimento, uma vez que ele já chegara à conclusão antecipada de que as informações publicadas pela revista eram “falácias”. Ao ditar esse trecho do depoimento para o escrivão, o delegado atribuiu a palavra à repórter, no que foi logo advertido pela representante do Ministério Público Federal, a procuradora Elizabeth Kobayashi. A procuradora pediu ao delegado que retirasse tal palavra do depoimento porque tratava-se de um juízo de valor dele próprio e que a repórter nunca admitira que escrevera falácias.
Embora a jornalista de “Veja” estivesse depondo na condição de testemunha num inquérito sem nenhuma relação com a divulgação das fotos do dinheiro do dossiê, o delegado Moysés Eduardo Ferreira a questionou sobre reportagem anterior, assinada por ela, que tratava do tema. O delegado exigiu, então, da repórter que revelasse quem lhe dera um CD com as fotos. A repórter se recusou a revelar sua fonte.
Durante todo o depoimento da repórter Julia Duailibi, o delegado Moysés Eduardo Ferreira a questionou a sobre o que ele dizia ser uma operação de “Veja” para “fabricar” notícias contra a Polícia Federal. Disse que a matéria fora pré-concebida pelos editores da revista e quis saber quem fora o editor responsável pela expressão “operação abafa”. O delegado disse que as acusações contra o diretor-executivo da Superintendência da PF, Severino Alexandre, eram muito graves. E perguntou: “Foi você quem as fez? Como vieram parar aqui?” Referindo-se à duração do depoimento, o delegado Moysés Eduardo Ferreira disse: “Se você ficou duas horas, seu chefe vai ficar quatro”.
Indagada sobre sua participação na matéria, a repórter Camila Pereira disse ter-se limitado a redigir uma arte explicativa, a partir de entrevistas com advogados, sobre como a revelação da origem do dinheiro poderia ameaçar a candidatura e/ou um eventual segundo mandato do presidente Lula. O delegado perguntou quais advogados foram ouvidos. A repórter respondeu que seus nomes haviam sido publicados no próprio quadro. O delegado, então, perguntou se “Veja” pagara pela colaboração dos advogados. Diante da resposta negativa, o delegado ditou para o escrevente que a repórter respondera que “normalmente a revista não paga por esse tipo de colaboração”. A repórter, então, o corrigiu, dizendo que a revista nunca paga para fontes.
Embora os repórteres de “Veja” tenham sido convocados como testemunhas, o delegado Moysés Eduardo Ferreira impediu que eles se consultassem com a advogada que os acompanhava, Ana Dutra. Todo e qualquer aparte de Ana Dutra era considerado pelo delegado Ferreira como uma intervenção indevida. Em determinado momento, Ferreira ameaçou transformar a advogada em depoente. Ele também negou aos jornalistas de “Veja” o direito a cópias de suas próprias declarações, alegando que tais depoimentos eram sigilosos. A repórter Júlia Duailibi foi impedida de conversar com o repórter Marcelo Carneiro.
A estranheza dos fatos é potencializada pela crescente hostilidade ideológica aos meios de comunicação independentes, pelas agressões de militantes pagos pelo governo contra jornalistas em exercício de suas funções e, em especial, pela leniência com que esses fatos foram tratados pelas autoridades. Quando a imprensa torna-se alvo de uma força política no exercício do poder deve-se acender o sinal de alerta de modo que a faísca seja apagada antes que se torne um incêndio. Nunca é demais lembrar: “Pior do que estar submetido à ditadura de uma minoria é estar submetido a uma ditadura da maioria”.
Nota do delegado Moysés Ferreira “Senhor delegado chefe,
Com a finalidade de instruir os autos do IPL (inquérito policial) acima referenciado, informo a Vossa Senhoria que iniciei os trabalhos de oitivas de repórteres da revista “Veja” no dia de hoje, na sala 906, do 9º andar, no prédio da SR/DPF/ SP, por volta das 10h, tendo procedido à oitiva em declarações dos repórteres Júlia Duailibi de Mello Santos e Camila Cardoso Pereira, acompanhadas das dras. Ana Rita de Elizabeth Mitiko Kobayshi, procuradora da República, e quando iniciava a oitiva em declarações do repórter Marcelo Theodoro Carneiro, também acompanhado da advogada e da procuradora acima mencionadas, fui procurado nesta sala por Vossa Senhoria, que indagou se havia acontecido algum problema com alguma das repórteres ouvidas, tendo em vista que havia notícias em Brasília de que esta autoridade havia tratado com grosseria a repórter.
No que esta autoridade tem a informar que os três repórteres ouvidos nesta manhã foram tratados com toda a cortesia e urbanidade possíveis sendo indagados somente sobre suas participações na reportagem da revista “Veja”, edição nº 1.978, ano 39, nº 41, de 18/10/ 2006, páginas 44 a 51, tendo cada um dos ouvidos declarado o trabalho realizado na reportagem mencionada. Inclusive esta autoridade, quando retornou para a sala indagou à advogada drª Ana Rita e à Procuradora da República drª Elizabeth se havia acontecido algo estranho, as mesmas responderam que não, e que todo o trabalho estava transcorrendo dentro da normalidade, tendo esta autoridade dado seqüência aos seus trabalhos.
Acrescento ainda que estavam presentes na sala de audiência os escrivães que auxiliam esta autoridade, Carlos Henrique Santos Rosa, mat. 2.431-065, e Ralph Gomes, mat. 10.102, que também assinam a presente informação.
Nota da Polícia Federal Em virtude de notícias veiculadas a partir de discurso proferido na tribuna do Senado Federal, o Departamento de Polícia Federal informa:
1. Com o objetivo de investigar possíveis crimes praticados no âmbito da Superintendência Regional da Polícia Federal em São Paulo, denunciados pela revista “Veja” na edição nº 1.978, ano 39, nº 41, a Polícia Federal instaurou o inquérito nº 2-4672-Delefaz/SR/DPF/SP e ouviu hoje, 31 de outubro, em São Paulo, os jornalistas Marcelo Theodoro Carneiro, Julia Dualibi de Mello Santos e Camila Cardoso Pereira;
2. Os depoimentos foram tomados com o acompanhamento da procuradora da República Elizabeth Mitiko Kobayshi e da advogada da revista “Veja”, Ana Rita de Souza Dutra. Estavam presentes ainda o delegado de Polícia Federal que preside o inquérito e dois escrivães de Polícia Federal;
3. Os questionamentos às testemunhas foram feitos normalmente pelo delegado e em seguida pela procuradora da República e versaram exclusivamente sobre os fatos constantes da matéria da “Veja”, como seria cabível em semelhante apuração;
4. Em nenhum momento os repórteres, ou sua advogada, manifestaram às referidas autoridades contrariedade ou discordância com a condução do depoimento, causando surpresa a este órgão a conotação de suposta arbitrariedade que vem sendo dada ao procedimento em questão;
5. É objetivo do Departamento de PF o rápido e total esclarecimento dos fatos relacionados à operação sanguessuga e seus desdobramentos;
6. A PF aguarda manifestação formal dos jornalistas para tomar as providências apuratórias cabíveis.
Folha de S. Paulo
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