Reconhecer e valorizar o servidor administrativo da PF como estratégia de orientação do trabalho policial. À primeira vista, algumas pessoas podem não enxergar sentido na frase, achando que não há relação entre o tratamento dispensado ao servidor administrativo e o desejo de solucionar crimes que todo policial deve ter. Ledo engano. Em uma PF onde reina o desvio de função, é cada vez maior o número de policiais que se sentem mais à vontade em atividade administrativas do que em investigações policiais, algo que precisa mudar.
Convidado pelo deputado Otoniel Lima (PRB/SP) para palestrar sobre a dificuldade de fixação de efetivo policial – palestra essa realizada durante o “1º Seminário da Frente Parlamentar de Apoio à Reestruturação da Polícia Federal”, em dezembro do ano passado –, o colega técnico em assuntos educacionais Eduardo Schneider conhece bem os problemas ocasionados pelo desvio de função na PF. Trabalhando há quase oito anos na Academia Nacional de Polícia (ANP), ele já perdeu a conta de quantos policiais ajudou a formar e capacitar. Durante esse tempo, percebeu que muitos deles não tinham em mente trabalhar em operações e investigações policiais quando saíssem da ANP, desejando exercer dentro da corporação a profissão para qual se formaram na universidade.
Não é o que deveria acontecer. Ao longo dos quatro meses e meio de curso de formação na ANP, os futuros policiais federais passam por mais de 800 horas de treinamento voltado não para o exercício das especialidades para qual obtiveram diploma, mas sim para o exercício da atividade policial. “Em que pese a exigência de diploma de nível superior para ser policial federal, todos prestaram concurso para atuar como policiais e foram preparados para isso. É contraditório que eles deixem a ANP querendo trabalhar como engenheiros ou administradores”, pontua Schneider.
Motivos – O problema é de fácil explicação. Pouco valorizados dentro do órgão, não raro os servidores administrativos da PF buscam outros cargos na Administração Pública ou empregos na iniciativa privada. Como a carreira administrativa é pouco atrativa, a PF não têm condições de colocar em prática uma política efetiva de reposição dessa mão de obra. Cheia de lacunas para preencher, a instituição recorre ao desvio de função de policiais, prática imoral que não apenas diminui o efetivo policial (prejudicando a segurança pública), como tem provocado alterações na cultura organizacional que aos poucos estão destruindo a vocação policial, comprometendo inclusive a gestão do conhecimento.
A questão também está intimamente ligada à dificuldade de fixação de efetivo, tema estudado por Schneider para a apresentação do seminário. Entre os diversos problemas que motivam o êxodo de policiais, está a frustração de alguns deles por não terem conseguido atuar na vaga administrativa que almejavam. É quando acontece um “choque de realidade”, com o policial percebendo não ter vocação para a profissão para qual prestou concurso.
Soluções – A mudança do quadro passa, primeiramente, pela valorização do servidor administrativo. A partir do momento que a categoria for corretamente valorizada, o êxodo de profissionais diminuirá e não haverá mais justificativa para os desvios de função. Com isso, os policiais poderão centrar suas atenções para a atividade policial.
O segundo ponto a ser alterado é exatamente a gestão do conhecimento policial. Schneider entende que o conteúdo programático dos cursos da ANP – tanto de formação quanto de especialização –, deve ser cada vez mais voltado para o aprendizado e aprimoramento das técnicas de investigação. “Gestão de conhecimento policial é isso!”, ratifica. “Não tem nada a ver com gerir o efetivo de acordo com as áreas de formação universitária de cada um. Isso é gestão de pessoas”, completa.
Das duas primeiras alterações decorre uma terceira: a mudança nos critérios de recrutamento e na formação policial. Hoje, infelizmente é comum encontrar “concurseiros” que almejam a categoria policial (devido ao aspecto salarial) para atuar como administrativos. Se não houver essa possibilidade, ficará mais fácil selecionar pessoas que realmente têm vocação para a atividade policial, bem como detectar aquelas que não a possuem durante o curso de formação. “A preparação precisa estar cada vez mais próxima da prática, até para que o futuro policial não cultive dentro da Academia uma imagem errada da profissão”, arremata Schneider.
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