Dobra nº de contribuintes autuados na malha fina; valor de notificações sobe 317%

Devassa prevê cruzamento de gastos no cartão com as declarações; meta é fechar ano com 300 mil autuados, contra 209 mil em 2006

A Receita Federal apertou a fiscalização sobre as declarações de renda das pessoas físicas, fazendo dobrar o número de contribuintes autuados na malha fina neste ano. De janeiro a julho, 208.471 pessoas que tiveram as declarações retidas foram notificadas a pagar R$ 1,339 bilhão ao fisco. O valor (imposto devido, multa e juros) é 317% superior ao registrado no mesmo período de 2006.

A devassa na vida dos contribuintes prevê o cruzamento da declaração de ajuste anual do Imposto de Renda com outros dados, como registros das operadoras de cartão de crédito, rendimentos de aluguel fornecidos por imobiliárias e relatórios da CPMF repassados pelos bancos. E não fica restrita a 2007. Os fiscais estão checando as informações dos últimos três anos.

“Fizemos uma revisão na metodologia da malha fina. Antes o tratamento era mais burocrático, e agora está mais simples. Estamos usando todos os parâmetros de malha para uma mesma pessoa física. Isso é feito em mais de um exercício. Pega a vida do contribuinte nos últimos dois a três anos”, afirmou o coordenador-geral de fiscalização da Receita, Marcelo Fisch.

As irregularidades mais freqüentes são omissão de renda, apresentação de despesas médicas indevidas e divergências nas informações sobre renda de aluguel.

Na fiscalização das pessoas físicas, o alvo preferencial neste ano têm sido os donos e dirigentes de empresas. Já foram autuados 1.230 pessoas em valores superiores a R$ 2 bilhões. No ano passado, as notificações não chegaram a R$ 325 milhões, atingindo 833 donos de empresas e executivos.

300 mil autuados

A previsão da Receita é fechar 2007 com a autuação de mais de 300 mil contribuintes. Em 2006, foram 209 mil notificações a partir da malha fina. Os créditos gerados no ano passado somaram R$ 720 milhões -quase metade do valor verificado só nos sete primeiros meses deste ano. “O leão está mais atento, e não mais guloso”, disse o secretário-adjunto da Receita Paulo Ricardo de Souza.

No total, a fiscalização da Receita Federal autuou 233.282 empresas e pessoas físicas de janeiro a julho deste ano. Entre impostos devidos, multas e juros, terão de ser pagos R$ 39,996 bilhões ao fisco. Na comparação com janeiro-julho de 2006, houve um crescimento de 66% no montante devido pelos sonegadores. O número de autuados no ano passado foi menor: 122.543 pessoas físicas e jurídicas.

No acumulado do ano, os brasileiros já pagaram R$ 282,433 bilhões em impostos e contribuições federais. A arrecadação é recorde para o período janeiro-julho e representa um aumento, acima da inflação, de 10% em relação aos sete primeiros meses de 2006.

Recurso

Embora os números sejam expressivos, a Receita tem dificuldades para cobrar os créditos gerados na autuações. Dos quase R$ 40 bilhões apurados neste ano, apenas 3% foram efetivamente pagos. Outros 18% foram parcelados e 11% estão em fase de cobrança administrativa. Já foram encaminhados 5% para inscrição em dívida ativa. O restante dos créditos foi parar na Justiça.

Entre as pessoas jurídicas, a indústria foi o setor campeão nas autuações: R$ 11,130 bilhões, referentes a 2.908 empresas. Os subsetores que mais apresentaram problemas foram metal-mecânica, autopeças, alimentos (incluindo bebidas e até cigarros) e têxteis. No ano passado, a indústria já havia se destacado por causa do elevado valor das autuações, de R$ 5,099 bilhões.

Segundo Souza, as principais irregularidades detectadas são pagamento indevido de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e compensações tributárias feitas pelas empresas de forma irregular.

No ranking da Receita dos maiores sonegadores, o setor financeiro -bancos, seguradoras, cooperativas de crédito, entidades de previdência privada, corretoras de títulos e valores- aparece em segundo lugar. Neste ano, em impostos, multa e juros, essas instituições devem R$ 9,447 bilhões ao fisco. O valor é 229% superior ao de janeiro a julho de 2006.

Consultores recomendam retificar erros Os contribuintes que suspeitam terem caído na malha fina da Receita Federal devem se antecipar ao fisco e apresentar uma declaração retificadora caso constatem pendências em sua declaração, dizem consultores.

“Não dá mais para brincar com a Receita. Está sendo muito simples para o leão cruzar todas as informações. Faça espontaneamente a sua declaração retificadora, sem custo algum”, afirma o consultor financeiro Reinaldo Domingos, da Confirp Consultoria. “Se houver imposto a pagar na retificadora, parcele”, acrescenta.

É possível verificar pendências acessando o site www.receita.fazenda.gov.br e buscando seu extrato simplificado de declaração. Para isso, precisará do número do recibo da entrega da declaração. “O contribuinte também pode checar seus documentos, fazer uma revisão técnica do que declarou, olhar recibos médicos, a declaração da fonte pagadora”, afirma Domingos.

Ao se antecipar e retificar a declaração, o contribuinte está livre de pagamento de multas se realmente houver um problema de renda não declarada em sua declaração.

“Após ser intimado pela Receita, fica bloqueada a possibilidade de fazer uma retificadora e ainda tem a multa”, diz o presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), Gilberto do Amaral.

Os dois especialistas são unânimes ao dizer que a eficiência da Receita Federal no cruzamento de dados não permite mais pequenos erros por parte do contribuinte. “Às vezes, é um número invertido. Ou um valor que tem uma pequena diferença. Basta isso para cair na malha fina”, cita Domingos.

“A Receita tem se equipado e melhorado muito o resultado da fiscalização, sem contar que esses cruzamentos estão cada vez mais velozes”, diz Amaral. E acrescenta que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional também tem se especializado cada vez mais, evitando manobras protelatórias por parte de empresas e contribuintes que procuram o Judiciário para escapar das autuações.

Domingos ainda recomenda que as pessoas físicas se organizem ao longo do ano para evitar a correria de última hora na declaração do exercício seguinte. “As pessoas já podem ir montando uma pasta para 2008 para juntar recibos, comprovantes de recebimento de aluguel e outros documentos. Isso ajuda a evitar os erros.”

Amaral avalia que os casos de autuações na malha fina envolvem não só contribuintes que erraram ao apresentar declaração mas também casos de sonegação. “Existe o descuido, o erro, mas existe a sonegação. No caso de erro, é fácil sanar o problema. Quando é sonegação, fica mais difícil resolver o problema, mas é importante de qualquer forma retificar a declaração”, disse Amaral.

Questionado se o aumento da carga tributária não seria um incentivo para a sonegação, o secretário-adjunto da Receita Paulo Ricardo de Souza, limitou-se a responder: “Eu não diria que isso pode ocorrer. Diria que estamos ampliando a identificação desses casos [de irregularidades]”.

JULIANNA SOFIA

Folha de S. Paulo

21/8/2007