Agentes da Polícia Federal ganham hoje, no início da carreira, cerca de R$ 5 mil por mês. Fizeram ontem greve de advertência para reivindicar 60% de reajuste, sob o argumento de que outros setores do funcionalismo, como colegas da Fazenda, receberam vantagem semelhante. Se conseguirem, os policiais (mais escrivães e papiloscopistas) chegarão a R$ 8 mil, que seria praticamente igual ao salário inicial de auditores da Receita Federal (R$ 7.500). Mas estes, que estão em greve há quase dois meses, reclamam reajuste de 57% para o piso, de modo a elevá-lo para R$ 11,8 mil, e assim recuperar perdas que alegam ter sofrido desde 1995. Depois disso, os auditores pleiteiam um novo plano de carreira, pelo qual o piso subiria a R$ 16,3 mil e o vencimento de final de carreira a R$ 20,4 mil — desta vez sob o argumento de equiparação com outras carreiras, como de promotores e procuradores.
São reivindicações justas?
O argumento interno é correto. Sempre há alguma categoria com nível e funções de importância semelhantes ganhando mais que outra. Em conseqüência, forma-se aí uma ciranda da equiparação, que vai puxando os salários para cima. Mas não são todos que conseguem.
Conforme o último Boletim de Pessoal do Ministério do Planejamento, cerca de 40% dos funcionários do Executivo ganham entre R$ 1.500 e R$ 2.500 — isso em dezembro do ano passado, último dado divulgado pelo governo. Mas há um grupo expressivo acima dos R$ 4.500 — são 17% dos funcionários. Na parte mais alta da pirâmide, são 7% os que ganham acima de R$ 7.500, sempre considerando salário bruto, sem as chamadas vantagens pessoais, que podem ser um bom complemento.
De todo modo, os funcionários mais ativos em suas reivindicações neste momento são aqueles do topo da categoria. No âmbito do Ministério da Educação, por exemplo, professor universitário ganha de R$ 1.400, na entrada, até pouco menos de R$ 5 mil no final da carreira — menos do que um policial federal iniciante. No quadro da Saúde, um médico, com 40 horas semanais, começa com R$ 2.100 e pode chegar a R$ 3.800.
Sempre que colocados diante destes dados, os mais bem remunerados alegam que não se pode nivelar por baixo. Faz sentido. Mas, numa situação dessas, e considerando que não está sobrando dinheiro no setor público, o mais razoável seria “puxar” os vencimentos mais baixos, mantendo congelados os mais altos. Mesmo porque as categorias mais próximas dos centros de decisão são as que conseguem salários e reajustes melhores.
Mas, além dessa comparação interna, pode-se colocar os vencimentos do funcionalismo na realidade brasileira. Pelos dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD 2004), a renda média real do trabalho principal era de R$ 634 (a valores de 2004, de modo que se conseguiria uma aproximação para hoje se acrescentando uns 10% por conta da inflação). Mas a renda média do trabalhador do setor público era de R$ 1.200, quase o dobro da média nacional.
Mais ainda. Pela mesma pesquisa, uma renda domiciliar per capita de R$ 3.600 coloca a pessoa no restrito grupo dos 1% de brasileiros mais bem remunerados. Ou seja, o policial federal, mesmo sem o reajuste pleiteado, já está na ponta da pirâmide. O auditor da Receita Federal já ganha mais de duas vezes o, digamos, piso dos 1% mais ricos.
Mais ainda. Pela mesma pesquisa, a renda real média do trabalho principal dos 10% mais ricos era de R$ 2.763 nas principais regiões metropolitanas. Mas com uma distribuição bastante desigual. Em Belém, por exemplo, essa renda era de R$ 1.718, a mais baixa do país. A mais alta? Adivinhou: em Brasília, R$ 4.185.
Em Belém, os 10% mais ricos se apropriam de 44% da renda total. Em Brasília, de 49%.
Portanto, é falso dizer que o funcionalismo ganha mal. É verdadeiro dizer que muitos servidores ganham mal, inclusive aqueles que prestam serviços diretamente à população, como médicos e professores. É verdadeiro também que um quinto dos funcionários federais do Executivo, recebendo mais de R$ 4.500 por mês, ganha o dobro da renda média dos 10% mais ricos no Brasil. Isso sem contar os funcionários do Legislativo (média salarial de R$ 8.730) e Judiciário (R$ 8.961), que também estão arrancando reajustes.
O pessoal precisa ganhar bem. Mas assim?
Artigo – Carlos Alberto Sardenberg / O Globo
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