A disputa eleitoral fez o governo Lula adiar, para um possível segundo mandato, a regulamentação da reforma constitucional que alterou as regras de aposentadoria do funcionalismo público. Na prática, da reforma aprovada no primeiro ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apenas a contribuição dos inativos para o regime de previdência dos servidores está em vigor. O adiamento diminuiu os efeitos positivos que a reforma teria sobre a redução do déficit público.
As novidades da reforma – o fim da aposentadoria com salário integral, a eliminação da paridade (correção dos benefícios dos inativos equivalente a dos funcionários da ativa), a equiparação dos aposentados do serviço público aos do setor privado e a criação de fundos de pensão para complementar aposentadorias acima de R$ 2.801,56 – não foram inteiramente efetivadas. Para vigorar, dependem do envio, pelo governo, de projeto instituindo um regime de previdência complementar para funcionários da União
.Técnicos do Ministério do Planejamento calculam ainda que, se o fundo de pensão dos servidores da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) já estivesse funcionando, estaria arrecadando, no mínimo, R$ 9 bilhões por ano, que seriam aplicados no mercado financeiro e em projetos do setor produtivo. Essa estimativa considera apenas as contribuições da União e dos novos funcionários federais, ou seja, daqueles que ingressaram no serviço público após a promulgação da reforma.
Em março do ano passado, o governo tinha pronto, no âmbito da Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência, o esboço de um projeto de lei propondo a regulamentação do fundo de pensão da União. A crise política, deflagrada dois meses depois pelo escândalo de corrupção dos Correios, paralisou a discussão da proposta. Recentemente, um grupo de trabalho, com representantes de quatro ministérios (Planejamento, Previdência, Fazenda e Casa Civil), concluiu uma nova proposta. Um dos ministros envolvidos na elaboração do projeto informou ao Valor que o governo decidiu segurar o projeto por causa do ano eleitoral.
O funcionalismo integra, desde a fundação do PT, a chamada “base social” do partido. O temor governista é que a regulamentação tire votos de Lula num momento de relações pacificadas com o funcionalismo.
Lula tinha apenas quatro meses de mandato quando enviou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional 40 (PEC 40), sugerindo mudanças radicais nas regras de aposentadoria dos servidores. A decisão foi muito mal recebida pelos sindicatos dos funcionários, a maioria deles filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Apesar disso, Lula insistiu com a reforma, que, além de instituir cobrança dos inativos, tornou as regras de aposentadoria dos funcionários parecidas com as dos segurados pelo Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS).
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seus oito anos de gestão, tentou criar a contribuição dos inativos em duas ocasiões. Nas duas, sofreu cerrada oposição do PT e dos sindicatos de servidores ligados ao partido. A reforma original de Lula foi mais ambiciosa que a de FHC, o que acabou provocando o rompimento de alguns sindicatos com o PT e a CUT.
Nos últimos dois anos, Lula procurou se reaproximar do funcionalismo. Primeiro, instituiu, no Planejamento, uma mesa permanente de negociação salarial com servidores. Depois, criou 82 mil novos cargos na administração pública federal, um incremento de 15,6% em quatro anos. Além disso, reajustou os vencimentos de praticamente todas as categorias. Por fim, concedeu aumentos salariais generalizados a três meses da eleição, decisão criticada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio Mello.
O esforço não impediu que o Sindicato dos Servidores Públicos Federais, numa carta aberta, lembrasse os compromissos assumidos na eleição de 2002 e cobrasse a revogação das “contra-reformas da Previdência”.
Durante a tramitação da reforma previdenciária proposta pelo governo Lula, os sindicatos dos funcionários públicos pressionaram o Legislativo e o Judiciário, conseguindo que alterações importantes fossem feitas no texto original (ver quadro). A proposta de Lula, segundo especialistas, tornaria o sistema, para os funcionários que ingressassem após a promulgação da emenda constitucional, próximo do equilíbrio, o que eliminaria, pelo menos nos próximos anos, a necessidade de uma nova reforma do regime previdenciário dos servidores públicos.
Em estudo publicado na última edição da revista Pesquisa e Planejamento Econômico, do IPEA, quatro professores da USP e da FGV de São Paulo – André Portela Souza, Hélio Zylberstajn, Luís Eduardo Afonso e Priscilla Matias Flori – calcularam os impactos fiscais da reforma. “As novas regras para o funcionalismo público aplicadas aos futuros entrantes no sistema criarão um regime mais equilibrado. As contribuições esperadas dos novos funcionários parecem suficientes para cobrir os benefícios esperados”, diz o estudo. “É um passo importante em direção ao equilíbrio previdenciário.”
Num trabalho minucioso, os autores constataram que as alterações feitas pela Câmara, pelo Senado e pelo Supremo Tribunal Federal reduziram de forma sensível os ganhos fiscais pretendidos pela proposta original. Considerando os resultados da Pesquisa Nacional Domiciliar de 2001 (PNAD), os pesquisadores definiram o que seria a “dívida implícita” do sistema – o resultado da diferença entre a soma dos valores presentes dos benefícios dos ativos e inativos e a soma dos valores presentes das contribuições de todos os ativos e dos inativos.
Valor Econômico
ÚLTIMOS COMENTÁRIOS