A Justiça Federal no Mato Grosso decretou 70 quebras de sigilos telefônicos na investigação que tenta desvendar a origem dos R$ 1,7 milhão que seriam usados para a compra do dossiê contra os tucanos. É da análise dessas informações que a Polícia Federal espera identificar quem sacou os dólares encontrados em poder dos petistas Valdebran Padilha e Gedimar Passos. Empresas e pessoas que trocaram ligações com os seis envolvidos no caso serão identificadas nessa pesquisa.
Os responsáveis pelo inquérito investigam seis corretoras de valores e pelo menos 20 clientes delas, entre casas de câmbio e agências de turismo. A PF chegou a elas a partir da informações enviada pelas autoridades norte-americanas sobre a procedência de US$ 110 mil do total de dólares (US$ 248,8 mil) que estava com Valdebran e Gedimar. Eles chegaram ao país por intermédio do banco Sofisa, de São Paulo, e foram distribuídos em seguida. O problema é conseguir refazer esse caminho já que não há um controle da numeração das cédulas depois que elas deixaram o Sofisa.
No sigilo telefônico, os policiais têm esperança de encontrar alguma pista que leve ao comprador dos dólares. Há interesse especial pelos números que aparecem nos extratos telefônicos de Hamilton Lacerda, o ex-coordenador de comunicação da campanha de Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo. Ele foi flagrado pelas imagens do circuito interno do hotel onde ocorreu a apreensão do dinheiro chegando ao local, em companhia de Gedimar, com um mala preta. Apesar de Lacerda negar que ela tenha sido usada para carregar os valores, mas material do PT, Valdebran reconheceu, em depoimento em Cuiabá, que uma mala similar foi usada para acondicionar os U$ 248,8 mil e os R$ 1,1 milhão.
Os investigadores encarregados do caso já sabem que foram intensas as conversas entre os principais suspeitos durante a semana que terminou com a apreensão do dinheiro, no dia 15 de setembro. Nos dois dias em que ficaram hospedados no hotel em São Paulo, Gedimar e Valdebran fizeram e receberam dezenas de ligações de seus celulares e do próprio estabelecimento. Além de Lacerda, Valdebran e Gedimar, tiveram os sigilos telefônicos quebrados Freud Godoy, ex-segurança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e apontado por Gedimar como a pessoa que o mandou pagar pelo dossiê, e os ex-integrantes do comitê de campanha do presidente Jorge Lorenzetti, Expedito Veloso e Osvaldo Bargas.
Além de rastrear ligações telefônicas, a PF também persegue o caminho do dinheiro a partir da quebra do sigilo bancário do envolvidos e de instituições financeiras que teriam movimentado os recursos. São analisadas as operações do banco Sofisa, no caso dos US$ 248,8 mil, e dos bancos Safra, Bradesco, Banco do Brasil e BankBoston, em relação aos R$ 1,1 milhão.
Solução
Apesar das duas linhas de investigação, alguns dos investigadores encarregados do inquérito têm ressaltado a dificuldade de chegar a um desfecho do caso antes do dia 29, data do segundo turno das eleições, como quer o presidente Lula. Candidato à reeleição, o petista tem pressa numa solução para o escândalo para evitar mais desgaste político. Para isso, comentam os policiais, os envolvidos terão que dar alguma pista mais consistente sobre a procedência do dinheiro, o que ainda não surgiu em 20 dias de apuração.
A PF enfrenta dificuldades para dar ao presidente uma resposta na velocidade que ele tanto deseja. Os investigadores acreditavam que a informação vinda dos Estados Unidos sobre US$ 110 mil do total de dólares apreendidos (US$ 248,8 mil) afunilaria a apuração. Ocorreu o contrário. A polícia chegou a cinco corretoras de valores e pelo menos 15 clientes dessas empresas, entre casas de câmbios, agências de turismo e doleiros. Mas ainda não foi possível descobrir qual delas movimentou as cédulas encontradas em poder dos petistas Valdebran Padilha e Gedimar Passos no dia 15 de setembro, num hotel de São Paulo. O universo de operações analisadas supera as 500.
Entenda o caso
Negociação desastrada
No último dia 15 de setembro, a Polícia Federal apreendeu vídeo, DVD e fotos que mostram o governador eleitode São Paulo (PSDB), José Serra, na entrega de ambulâncias superfaturadas pela máfia. O material contra o tucano seria entregue pelo empresário Luiz Antônio Vedoin, chefe dos sanguessugas e sócio da Planam, a Gedimar Pereira Passos, advogado e ex-policial federal, e Valdebran Padilha da Silva, filiado ao PT do Mato Grosso.
Gedimar e Valdebran foram presos, em São Paulo, com R$ 1,7 milhão (em dólares e reais). Eles aguardavam num hotel em São Paulo por um emissário de Luiz Antônio, que levaria o dossiê contra o candidato tucano. O emissário seria o tio do empresário, Paulo Roberto Dalcol Trevisan. A pedido de Luiz Antônio, o tio entregaria em São Paulo o documento a Valdebran e Gedimar.
Os quatro envolvidos foram presos pela Polícia Federal. Em depoimento à PF, Gedimar disse que foi contratado pela Executiva Nacional do PT, comandada pelo presidente da legenda, Ricardo Berzoini, então ex-coordenador da campanha à reeleição de Lula, para negociar com a família Vedoin a compra de um dossiê contra os tucanos, e que do pacote fazia parte uma entrevista acusando Serra de envolvimento na máfia.
Ele disse ainda que seu contato no PT era alguém de nome “Froud ou Freud”. Após a denúncia, o assessor pessoal e amigo de muitos anos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Freud Godoy, pediu afastamento do cargo. Ele nega as acusações ou qualquer ligação com os envolvidos.
Após o episódio, outros nomes ligados ao PT começaram a ser relacionados ao dossiê. Esse é o caso de Berzoini. Oswaldo Bargas, ex-secretário no Ministério do Trabalho e então coordenador de programa de governo da campanha, e Jorge Lorenzetti, o analista de mídia e risco do PT , procuraram a revista Época para oferecer o dossiê.
Lorenzetti foi afastado do cargo e Berzoini deixou a coordenação da campanha de Lula, mas, por enquanto, permanece na presidência do partido.
O ex-diretor do Banco do Brasil Expedito Afonso Veloso também
foi afastado da instituição, após denúncia sobre seu suposto envolvimento com o dossiê. Valdebran disse que recebeu parte do dinheiro de uma pessoa chamada “Expedito”. Ele teria participado da operação de montagem e divulgação do documento.
Na tentativa de se desvencilhar do escândalo, Lula jogou pesado na segunda-feira passada: “Eu quero saber não apenas de onde veio o dinheiro. Eu quero saber quem foi que montou a engenharia política para essa barbárie que foi feita. Se um bando de aloprados resolveu comprar um dossiê, é porque alguém disse para eles que esse dossiê deve ter coisas de arco da velha.”
Marcelo Rocha
Correio Braziliense
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