Apesar do desgaste, governo decide vetar reajuste de 16,67% aprovado pelo Senado para aposentados que ganham acima do mínimo. MP das Domésticas também pode sofrer vetos do presidente Lula
O Senado impôs ontem mais uma derrota ao governo Lula, ao aprovar a Medida Provisória (MP) 288, que concedeu reajuste de 16,67% ao salário mínimo e, por meio de uma emenda incluída quando o texto tramitou na Câmara, estendeu o aumento a todos os aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Como o impacto adicional de R$ 7 bilhões não está previsto no Orçamento da União, o governo vetará a aplicação do índice aos 8 milhões de aposentados que recebem acima de um salário mínimo e ficará com o ônus de tomar uma medida impopular em ano de eleição. O veto, confirmado ontem à noite por fontes do Planalto, não afeta o reajuste do salário mínimo, que continua em R$ 350.
Mas a queda-de-braço travada no Congresso entre governo e oposição ainda pode acabar resultando em prejuízo para os aposentados. A MP 291, que trata exclusivamente do reajuste dos aposentados que ganham mais do que um mínimo, também pode ser alterada na Câmara, onde é a primeira na fila de votações. Várias emendas ao texto original enviado pelo Executivo alteram o reajuste dos 5% acordados entre o governo e as centrais sindicais no início do ano para os mesmos 16,67% concedidos ao salário mínimo.
O problema é que, caso passe pela Câmara e pelo Senado com essa modificação, a MP 291 também será vetada pelo Planalto, segundo confirmaram ontem os ministros Nelson Machado (Previdência) e Luiz Marinho (Trabalho). Caso isso ocorra, os 8 milhões de aposentados perderiam o ganho real embutido no reajuste (1,86%), que voltaria a ser de apenas 3,14%, referentes à inflação acumulada entre maio de 2005 e março de 2006. Os valores recebidos a mais desde 1º de abril também teriam que ser descontados das aposentadorias.
Para evitar o desastre, governo e aposentados traçaram ontem uma estratégia. Durante a sessão da Câmara, o vice-líder do governo, Beto Albuquerque (PT-RS), apresentou requerimento solicitando a retirada da MP 291 da pauta de votações. O objetivo foi o de adiar a votação da medida até que o Planalto vete a MP 288, que trata do salário mínimo. Com isso, o governo já passaria pelo desgaste político e tentaria convencer a oposição a desistir de alterar a 291, para evitar o futuro veto.
Decidimos suspender porque, como o Senado aprovou a MP do salário mínimo com uma correção de 16% também para os aposentados, achamos melhor esperar a posição do presidente Lula. Nessa MP (291), não dá para fazer brincadeira, senão os aposentados vão acabar sem os 5% de reajuste, justificou o deputado petista. A decisão de vetar já foi tomada porque os R$ 7 bilhões necessários para custear o aumento de 16,67% a todos os aposentados agravaria ainda mais o já bilionário déficit da Previdência Social, que deve atingir R$ 45 bilhões este ano e com a medida passaria da casa dos R$ 50 bilhões.
Pela manhã, representantes das centrais sindicais se reuniram com os ministros da Previdência e do Trabalho para discutir o assunto. Receberam a orientação de pressionar os parlamentares para que a MP 291 fosse aprovada apenas com os 5% de aumento, caso contrário a medida será mesmo vetada. “Se a Câmara aprovar emendas de forma que fique inviável o governo manter o acordo, o risco que nós corremos é que, sendo obrigados a vetar, a gente fique sem nenhuma legislação atualizada e tenhamos que voltar ao patamar anterior”, afirmou Nelson Machado. “Não restará outra alternativa se não o veto, porque não há garantias orçamentárias para esse reajuste”, reforçou Luiz Marinho.
Riscos
Mas o risco dos aposentados não está apenas na briga entre governo e oposição. O prazo para votação da MP 291 termina no dia 13. Caso a proposta não seja apreciada até lá, a MP perde a validade e o reajuste dos 8 milhões de aposentados que recebem acima de um salário mínimo cai para 3,14%. O governo já deixou claro que vai vetar os 16,6% para todos os aposentados. Os 5% são pouco, mas queremos garantir isso porque é melhor do que 3,14%, afirmou o vice-presidente da Força Sindical, Heleno Bezerra. Para o representante da Social Democracia Sindical, Manuel Nunes dos Santos Neto, os aposentados estão ficando reféns da disputa política no Congresso. O veto é um ônus para o governo. Mas queremos avisar aos congressistas que a alteração da MP também será um ônus para os aposentados, afirmou.
Entre a cruz e a caldeira
Além da dor de cabeça em que se transformou o reajuste dos aposentados, o presidente Lula terá mais um abacaxi para descascar na próxima semana. Decidir se veta ou não a Medida Provisória (MP) 248, aprovada pelo Congresso e que torna obrigatório o recolhimento mensal do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para os trabalhadores domésticos, a uma alíquota de 8%, além de impor o pagamento da multa de 40% em caso de demissão sem justa causa.
Para tomar a decisão, que vai desagradar às domésticas ou à classe média, o governo decidiu ouvir as entidades representativas de patrões e empregados domésticos para decidir se vetará ou não a MP. “Precisamos dialogar com as entidades representativas para saber o que elas desejam”, afirmou o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. As negociações contarão com a participação dos ministérios do Trabalho e da Previdência e também da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda tem 20 dias para decidir se veta ou não a MP. “Por enquanto, não temos recomendação (ao presidente)”, afirmou Marinho.
No entanto, o governo teme o efeito de qualquer que seja a decisão. Se sancionar a MP, o presidente Lula poderá desagradar a classe média, que arcará com os custos adicionais. Se vetar, deixa descontentes os trabalhadores domésticos. Apesar de ainda não ter decidido, o governo acredita que a obrigatoriedade do FGTS vai incentivar a informalidade no setor. “A nossa avaliação técnica é de que haverá redução da formalidade”, reconheceu Luiz Marinho. Fontes do governo sustentam ainda que o pior não é a alíquota de 8% do FGTS, mas a multa de 40% em caso de demissão sem justa causa. “Seria como tratar uma pessoa como se fosse uma empresa”, justifica a fonte.
Dos 6,8 milhões de trabalhadores domésticos do país, apenas 1,8 milhão têm a carteira assinada. O pagamento de FGTS, que é opcional, é feito por apenas 60 mil patrões. O professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marcio Pochmann, especialista em mercado de trabalho, defende a obrigatoriedade do FGTS para as domésticas. “Se é trabalho dentro ou fora de casa não importa, é trabalho. A lei vale para todos”, defende.
Segundo ele, a contratação de uma doméstica é decidida com base na capacidade de pagamento que uma família tem. De acordo com cálculos do economista, a família brasileira gasta em média 2,2% de seu orçamento com o pagamento de serviços domésticos. As despesas com telefonia (incluindo os telefones fixos e celulares) chega a 3,04%. “Basta a família economizar um pouco em outras coisas que conseguiria pagar o FGTS sem grandes impactos em seu orçamento”, defende.
Para o economista Marcelo de Ávila, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é impossível medir o impacto da medida no mercado de trabalho. “Acredito que haveria uma acomodação, mas só será possível saber isso dentro de um ano”, afirma. “Mas acho que poderá haver um viés para a informalidade.”
O presidente do Sindicato dos Empregados Domésticos do Distrito Federal, Antonio Barros, defende a sanção da MP 284. “Os domésticos são uma classe trabalhadora, que deve ter os mesmos direitos. Nada mais justo do que os domésticos terem acesso ao FGTS”, defende. Segundo ele, dos 95,9 mil trabalhadores domésticos do DF, 60 mil, o equivalente a 62%, não têm carteira assinada.
Marcelo Tokarski do Correio Braziliense
Texto
A MP 284 foi feita pelo governo para permitir que o contribuinte possa deduzir, na declaração anual do Imposto de Renda (IR), os gastos com a contribuição previdenciária de um empregado doméstico. A alíquota patronal é de 12%. De acordo com o texto original da MP, a dedução poderia ser feita a partir de abril. As mudanças feitas na Câmara mudaram a retroatividade para janeiro e incluíram a obrigatoriedade do recolhimento de 8% de FGTS e do pagamento da multa de 40% em caso de demissão sem justa causa. Os domésticos também passariam a ter acesso ao seguro-desemprego. O governo esperava induzir a contratação de 1,1 milhão de trabalhadores domésticos com carteira assinada.
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