Familiares das vítimas e operadores de tráfego aéreo se mostram indignados com as declarações de Joseph Lepore e Jan Paul Paladino. Os dois juram que só seguiram as ordens da torre de controle Familiares das vítimas e operadores de tráfego aéreo se mostram indignados com as declarações de Joseph Lepore e Jan Paul Paladino. Os dois juram que só seguiram as ordens da torre de controle

Familiares das vítimas do acidente com o Boeing da Gol e controladores de vôo brasileiros ficaram indignados com as últimas declarações dos pilotos dos jato Legacy, Jan Paul Paladino e Joe Lepore. Os pilotos negaram em entrevista que o transponder — equipamento que dá as coordenadas da navegação da aeronave para o sistema de radares — estivesse desligado na hora do choque com o avião da Gol. E afirmam que só seguiram ordens recebidas dos operadores de tráfego aéreo, isentando-se de qualquer culpa na tragédia. Representantes das famílias das vítimas e dos operadores de tráfego aéreo consideraram mentirosas as afirmações dos pilotos americanos. Para especialistas em direito aeronáutico, o conteúdo das declarações dos pilotos é evasivo e não tem fins jurídicos, mas deve ser levado em conta nos futuros interrogatórios.

Depois de deixar o Brasil sem responder perguntas no depoimento prestado à Polícia Federal antes de voltar aos Estados Unidos, Lepore e Paladino deram entrevista à Folha de S.Paulo. Disseram que a comunicação do jato funcionava bem, apesar das dezenas de tentativas de contato com o Cindacta 1, em Brasília.

De acordo com os pilotos, o Legacy estava autorizado pela torre de controle de São José dos Campos (SP) a voar até Manaus (AM) na altitude de 37 mil pés. Sobre a existência ou não de buraco negro no espaço aéreo do Brasil, Lepor e Paladino limitaram-se a responder que o ponto cego “não deveria estar lá.” “É um problema do sistema, mas não está indicado em lugar nenhum”, disse Paladino. “Penso que o governo brasileiro deve saber dele. Algumas pessoas dizem que não há, mas todo mundo sabe e diz que há.”

O advogado Robert Torricella esteve presente à entrevista e teria orientado muitas das respostas dos pilotos, embora não as tenha respondido diretamente. Sobre o plano de vôo, Paladino chegou a chamá-lo de “pedaço de papel” ao destacar que o plano de vôo real “é a clearance (autorização)” que se recebe do controle.

Torricella contraria ainda a Polícia Federal, alegando que não procede a afirmação de que os pilotos do Legacy não tenham entendido as instruções finais da torre de São José. “Devemos deixar os investigadores aeronáuticos profissionais fazerem seu trabalho”, ressalta.

Reação

“Eles se esqueceram das 154 mortes que deixaram no Brasil”, disse, indignada a professora Luciana Siqueira, da Associação do Vôo 1907, que representa as famílias das vítimas. De acordo com um professor em direito aeronáutico e instrutor de controle de vôo de São Paulo, as respostas de Paladino e Lepore foram “evasivas”. Mas ele adverte os familiares das vítimas que não precisam se preocupar. “Todos os detalhes virão à tona”, opina. “Tem perito investigando se o transponder estava desligado. Em acidente aéreo, os fatos não têm como ser escondidos.” Para o especialista, as respostas dos pilotos americanos induzem “de forma indireta” a “jogar a culpa” nos controladores. Para Ulisses Fontenele, ex-presidente da Associação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo, as declarações dos pilotos demonstram que ambos desconheciam o plano de vôo. Segundo Fontenele, para o Legacy continuar a 37 mil pés até Manaus, o plano de vôo original, com a previsão de três alturas diferentes até a capital amazonense, teria que ser desautorizado. “Não foram os pilotos americanos que preencheram o plano de vôo. Foi um despachante da Embraer (fabricante do Legacy). A

impressão que passa é que os pilotos não leram o plano”, alfineta.

O representante no Distrito Federal do Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Proteção ao Vôo, Francisco Cardoso, diz que é na declaração de Lepore e Paladino sobre o código 7600 — com o registro no transponder da dificuldade de comunicação — que pode estar a indicação de “parcial responsabilidade” pelo incidente. “Não é verdade que este código deva ser usado quando há falha de equipamento. É para ser usado em caso de falha de comunicação, qualquer que seja o motivo da falha”, enfatiza.

Cardoso observa que quando os pilotos tentam contatar 19 ou 20 vezes sem sucesso, algo deve ser feito. “E nestes casos a tripulação deve seguir à risca o contido no plano de vôo. Isto não e opinião nossa (sindicato), é a regra, e, plagiando o comentarista de arbitragem, a regra é clara”, afirma.

Dinheiro para obras em aeroportosA Infraero foi autorizada ontem a investir R$ 243,2 milhões até o final deste mês. Desse valor, R$ 224,4 milhões serão usados na expansão dos aeroportos de Goiânia, Macapá, Santos Dumont (RJ) e Florianópolis. Os outros R$ 18,8 milhões vão para manutenção e compra de equipamentos de informática, informação e teleprocessamento. A autorização consta da Lei 11.405, publicada em edição extraordinária do Diário Oficial da União. Os R$ 34,9 milhões que estavam reservados para a expansão dos aeroportos de Natal, Maceió, Recife, Brasília, Fortaleza e João Pessoa foram cancelados. 

 Audiência nos EUA

Os advogados de um grupo de parentes de 10 vítimas do acidente com o Boeing da Gol, ocorrido em 29 de setembro, participam hoje da primeira audiência para julgar o pedido de indenização, em Nova York, nos Estados Unidos. A audiência foi marcada a pedido do escritório norte-americano Lieff Cabraser Heimann & Bernstein, que está processando a ExcelAire Service, proprietária do Legacy que colidiu com o avião comercial, resultando na morte de 154 pessoas. A outra empresa alvo das famílias, que exigem uma indenização, é a Honeywell, fabricante do transponder, equipamento que sinaliza rota de colisão entre aeronaves, que teria falhado durante o vôo do Legacy.

Na primeira audiência será definida a forma como o processo vai ser encaminhado. “Vamos fazer a apresentação do caso ao juiz, depois discutiremos o plano de provas e como será desenvolvido o processo”, explicou o advogado brasileiro Leonardo Amarante, sócio do escritório americano. As indenizações devem variar de acordo com o perfil de cada família de vítima.

Em novembro, outro escritório de advogados dos Estados Unidos, que representam 31 famílias de vítimas do acidente da Gol, entraram com ação na Corte de Chicago contra a ExcelAire, a Honeywell e a Boeing, fabricante do avião da Gol. Em um terceiro processo, os advogados do escritório Slack & Davis, sócio do escritório Freire Advogados & Associados, sediado em São Paulo e em Brasília, representam 12 famílias, mas a forma como a ação será montada ainda está em estudo. 

Hércules Barros / Correio Braziliense