Em nota contraditória, instituição informa que só cabe ao Supremo Tribunal Federal investigar o deputado do PT
Três dias depois de confirmar a quebra do sigilo telefônico do deputado Ricardo Berzoini, que foi afastado da presidência do PT em meio ao escândalo do dossiê Vedoin, a Polícia Federal recuou e divulgou nota ontem assegurando que não pediu acesso aos dados confidenciais do ex-coordenador da campanha de Lula à reeleição.
Sob forte pressão do governo, a PF adotou uma nova versão para o caso e passou a sustentar o óbvio – que deputado tem prerrogativa de foro e não é de sua alçada vasculhar dados confidenciais de parlamentares. Cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF), e apenas à máxima corte, esse tipo de ação. A explicação da PF, no entanto, é contraditória, pois confirma a investigação.
“A PF reafirma que trabalha no estrito cumprimento de sua missão institucional, investigando a todos de acordo com a lei e com a finalidade de assegurar que ninguém tenha suas garantias legais feridas”, informa o texto da nota. A PF omitiu, porém, que no supercruzamento de mais de mil linhas telefônicas fixas e móveis relacionadas à trama do dossiê Vedoin bateu em pelo menos quatro números de uso e de propriedade de Berzoini.
Pode ter sido uma descoberta ocasional, mas ela ocorreu e com autorização judicial, que permitiu o levantamento do cadastro relativo àquelas linhas.
Agora, por meio da nota distribuída em Brasília, a PF alega que foi o próprio Berzoini quem ofereceu seus números telefônicos, quatro ao todo, para incluir na pesquisa.
“Mesmo sem ter obtido autorização da Justiça sobre dados telefônicos do deputado Ricardo Berzoini, a PF trabalha cruzando os quatro números telefônicos fornecidos pelo próprio deputado”, afirma o texto. Berzoini teria cedido os números ao depor no dia 17.
Os federais constataram que para os números do presidente afastado do PT teriam sido realizadas chamadas de integrantes da organização formada por quadros históricos do PT envolvidos na trama do dossiê contra políticos tucanos.
A informação é da PF em Mato Grosso: entre os que ligaram para Berzoini estaria Hamilton Lacerda, ex-coordenador da campanha do senador Aloizio Mercadante (PT) ao governo de São Paulo. Lacerda é suspeito de ter levado ao Hotel Ibis Congonhas a bolada para a compra do dossiê – US$ 248,8 mil e R$ 1,16 milhão que foram apreendidos na madrugada de 15 de setembro.
PÂNICO
A revelação sobre dados telefônicos de Berzoini levou o governo ao pânico. Foi um fim de semana tenso, marcado por sucessivas trocas de telefonemas entre Brasília e Cuiabá para ajustar uma versão convincente.
A ordem do comando policial era esvaziar o quanto antes o impacto causado pela notícia sobre essa parte da investigação. Oficialmente, a PF não requereu à Justiça a quebra do sigilo de Berzoini. Não fez isso porque legalmente não pode e também porque não tem independência para vasculhar a vida de alguém tão próximo a Lula.
A PF ficou sabendo de quem o deputado petista recebeu ligações e para onde ele ligou em seguida, especialmente no período de uma semana antes da prisão de Gedimar Passos e Valdebran Padilha de posse do dinheiro do dossiê.
Na sexta-feira, às 20h20, a Polícia Federal divulgou que tinha dados telefônicos do ex-coordenador da campanha de Lula. A informação foi dada em caráter oficial e reiterada 10 minutos depois. No domingo à tarde, a PF confirmou que o cruzamento das linhas identificou números de Berzoini.
Ontem cedo, por quase duas horas, o superintendente-regional da Polícia Federal em Mato Grosso, delegado Daniel Lorenz, recebeu em seu gabinete o advogado Rodrigo Marra, defensor de Ricardo Berzoini.
A conversa entre o delegado e o advogado transcorreu a portas fechadas. Não pôde ser registrada pela imprensa.
Fausto Macedo, Sonia Filgueiras
O Estado de S. Paulo
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