Operação Bola de Fogo desfaz esquema de venda ilegal de cigarros e prende 97 pessoas
A Polícia Federal desmantelou ontem o maior esquema de contrabando e comercialização ilegal de cigarros do país. Até o fim da tarde, 97 pessoas tinham sido presas pela operação Bola de Fogo, que mobilizou 750 policiais federais em 11 estados (Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Maranhão, Rio Grande do Norte, Ceará e Pará). Ao todo, foram expedidos 116 mandados de prisão e 135 de busca e apreensão.
Entre os detidos está o empresário sul-matogrossense Hyran Georges Delgado Garcete, cujo patrimônio é estimado pela PF em US$100 milhões e que seria um dos líderes da quadrilha. Segundo o coordenador da operação, delegado Alexandre Custódio, da PF de Campo Grande, durante todo o dia foram recolhidos carros – a maioria importados e de luxo -, documentos e armas. Em imóveis de propriedade de Garcete foram apreendidas pistolas, silenciadores, espingardas e até um fuzil AR-15.
Segundo Custódio, Garcete usava “laranjas” para movimentar o dinheiro obtido com a venda de cigarros contrabandeados. Entre os “laranjas”, estaria o advogado Félix Nunes da Cunha, em cuja conta bancária teriam sido movimentados cerca de R$2 milhões nos últimos cinco meses. PF pede quebra de sigilo bancário
Segundo a PF, o esquema comandado por Garcete envolvia várias empresas, sendo a principal a Sudamax, uma fábrica de cigarros em Cajamar, na Região Metropolitana de São Paulo. A Sudamax pertence aos irmãos Eder, David e Daniel Young. Daniel foi preso em São Paulo, mas seus irmãos estão foragidos. Como eles são americanos e também donos da United Mind Inc., com sede em Nova York, a PF pediu ajuda à Interpol para capturá-los.
Em São Paulo, onde 24 pessoas foram presas, a PF apreendeu R$200 mil e US$700 mil em dinheiro – US$500 mil somente na casa de José Leandro Vilaça da Conceição, auditor fiscal da Receita e suposto integrante do esquema criminoso. A PF não impediu que o pacote de dinheiro apreendido fosse fotografado nas mãos dos agentes, como fez antes e depois do escândalo da apreensão de R$1,7 milhão com integrantes do PT, que seria usado para a compra de um dossiê contra candidatos tucanos.
Fundada há 93 anos, a Sudamax estaria envolvida no esquema criminoso há cinco anos. Ela é dona das marcas US, U5, Dollar, Campeão, Vanguard e Dunas, vendidas no mercado nacional. Mas produz também as marcas Mack e Red Fox, para exportação. Segundo a PF, a Sudamax possui ainda uma fábrica-espelho no Paraguai, a Tabacalera Sudan SRL, que produz os cigarros US Mild, de grande aceitação no Brasil.
As investigações revelaram que essa marca também é feita em Cajamar. Em maio deste ano, a PF apreendeu 8.200 caixas de US Mild na fábrica paulista da Sudamax. Em nota distribuída ontem, a empresa diz que a operação não constatou qualquer ilícito, por isso recorreu à Justiça para reaver a mercadoria apreendida.
“O lote era destinado à exportação e possuía selo tipo stamp, criado pela própria empresa para vendas externas”, diz a nota, acrescentando que a empresa tinha “autorização judicial para exportar sem o selo de controle exigido pela Receita”.
Segundo as investigações, além do problema dos selos, a Sudamax estaria fabricando cigarros ilegais como se fossem contrabandeados. Eles trariam selos e embalagens em espanhol, mas seriam fabricados aqui. Com isso, em caso de apreensão, pareceria que a empresa estava sendo vítima de pirataria do Paraguai.
Na outra ponta, segundo a PF, operava a Distribuidora de Alimentos e Produtos de Consumo Dunas, com sede em Natal (RN), responsável pela distribuição dos cigarros. O dinheiro obtido com o esquema era aplicado em outras empresas do grupo e em firmas sediadas no Uruguai. Por isso, os envolvidos também responderão por crime de lavagem de dinheiro. A PF pediu a quebra do sigilo fiscal e bancário de todas as empresas e pessoas da quadrilha, que tinha uma rede de proteção formada por funcionários da Receita e policiais. No RS, 14 cargas apreendidas
No Rio Grande do Sul foram presas 33 pessoas, principalmente em Uruguaiana, na fronteira com a Argentina, incluindo um policial civil e um técnico da Receita. Embora sem articulação direta com as quadrilhas dos demais estados, o grupo tinha os mesmos fornecedores no Paraguai. As investigações já duravam um ano.
– Tiramos de circulação os maiores contrabandistas do Rio Grande do Sul – disse o superintendente da PF, delegado José Francisco Mallmann.
A operação mobilizou 215 policiais federais e 14 funcionários da Receita. Foi pedido à Interpol que prenda alguns envolvidos no Paraguai. Os cigarros falsificados, usando marcas nacionais, entravam em fundos falsos de caminhões e ônibus, pelas cidades de Uruguaiana e Cerro Largo. A distribuição seria feita pela Denkin Tobaccos, com sede em Candelária, no Rio Grande do Sul. Durante as investigações foram apreendidas 14 cargas de cigarros falsificados, avaliadas pela Receita em mais de R$1,5 milhão. De cada três maços no país, um é ilegal
O mercado ilegal de cigarros representa cerca de um terço dos maços que circulam anualmente no Brasil. Segundo dados da Receita Federal, enquanto 4,5 bilhões de maços são produzidos legalmente no país, outros 800 milhões são fabricados clandestinamente, número reforçado por mais 1 bilhão que vêm do exterior a cada ano. O prejuízo aos cofres públicos é de R$1,3 bilhão. As apreensões de cigarros entre janeiro e setembro de 2006 chegam a R$51,7 milhões. Em todo o ano passado, esse valor foi de R$71,5 milhões.
O Paraguai é o principal fornecedor de cigarros contrabandeados para o Brasil. As principais portas de entrada desses produtos são os estados do Paraná, pelos municípios de Foz do Iguaçu e Guaíra, e de Mato Grosso do Sul, por Ponta Porã e Mundo Novo. Somente entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, no Paraguai, existe uma fronteira seca de 600 quilômetros de extensão, o que dificulta a fiscalização.
Do R$1,3 bilhão em prejuízo anual aos cofres públicos, R$600 milhões são decorrentes da sonegação de tributos por empresas instaladas no país, especialmente do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Essa sonegação chega a ser de R$1,6 milhão por dia, enquanto o faturamento das fábricas é de R$2,5 milhões.
Segundo o Fisco, o Brasil tem 16 fábricas de cigarros, nove delas funcionando por meio de liminares. Apenas duas empresas, que têm 84% do mercado, são responsáveis por 99,7% da arrecadação do setor. Isso significa que as outras 14 são donas de 16% do mercado, mas recolhem apenas 0,3% dos impostos. Segundo técnicos da Receita, essas empresas têm uma dívida acumulada de R$4 bilhões em tributos.
Para tentar conter a sonegação, a Receita já tem preparado um mecanismo de rastreamento da produção por meio de um selo especial – uma espécie de chip – que será colocado nas carteiras de cigarros e permitirá aos fiscais saber onde, quando e por quem elas foram produzidas. Além disso, a idéia é instalar nas fábricas contadores de produção, do mesmo tipo utilizados hoje no setor de bebidas. Essas máquinas monitoram a produção e transmitem os dados para a Receita em tempo real.
O Globo
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