Segundo a PF, esquema subfaturava itens trazidos por escritório de comércio exterior para clientes no país, entre eles grandes empresas

Pela primeira vez, Polícia e Receita conseguiram enviar equipe para fazer diligências e prisões em Miami, nos Estados Unidos

A Polícia Federal prendeu 95 pessoas em oito Estados acusadas de fazer parte do que ela classificou de o “maior esquema” de fraudes em importações já descoberto no Brasil.

O esquema era dirigido, segundo a PF, pelo empresário Marco Antonio Mansur, preso ontem de manhã com o filho, Marco Antonio Mansur Filho, em seu apartamento dúplex no Paraíso, na zona sul de São Paulo. A PF apreendeu US$ 250 mil em um escritório do empresário em São Paulo.

O grupo MAM, batizado com as iniciais de Mansur, é acusado de ter sonegado R$ 500 milhões em cinco anos.

A PF e a Receita Federal chegaram a esse valor a partir das importações feitas pelo grupo MAM nesse período, de R$ 1,1 bilhão. Como o subfaturamento era em média de 50%, chega-se aos R$ 500 milhões.

Empresas globalizadas, como a Sharp (distribuída no Brasil pela empresa Plena) e a Maxwell, são investigadas pela PF sob a suspeita de utilizarem os serviços do grupo MAM. Responsáveis pela importação de produtos da Sharp e da Maxwell foram apanhados em conversas telefônicas com integrantes do esquema.

A Daslu, a Shoptime, que tem um canal de vendas por TV e internet, e a rede de lojas de roupas Via Veneto recorriam a Mansur para intermediar suas importações, de acordo com os policiais. Law Kin Chong, empresário preso sob acusação de contrabando, também era freguês de Mansur, diz a PF.

Outras investigadas pela PF são Elgin, Britania, Gráfica Cinco Irmãos, Cil e H.Stern.

Batizada de Dilúvio, a operação da PF em conjunto com a Receita Federal foi a maior já realizada pelas duas instituições no país. Foram mobilizados 950 policiais e 350 servidores da Receita.

Pela primeira vez, a PF e a Receita conseguiram enviar delegado, agente e auditor fiscal para fazer diligências em Miami, no sul dos Estados Unidos. A ação nos EUA foi feita em conjunto com o DHS (Departamento de Segurança Interna, em inglês), com autorização da Justiça daquele país.

Dois brasileiros foram presos em Miami: Adilson Tadeu Soares e Márcio Campos Gonçalves. Eles dirigiam as empresas Feca e All Trade em Miami, usadas pelo MAM para cometer as supostas fraudes. A PF informou que os dois estavam em avião para o Brasil ontem.

O próprio Mansur controlava o braço dos negócios em Miami, de acordo com a PF. Ele importava computadores, carros, material cirúrgico, equipamentos gráficos e CDs por preços subfaturados. As empresas que intermediavam as compras nos EUA, a All Trade e a Feca, e remetiam o material para o Brasil eram teleguiadas pelo empresário, diz a PF.

“Há provas documentais de que o grupo MAM controlava essas duas empresas nos EUA”, disse o delegado da PF Paulo Vibrio Jr., que iniciou as investigações sobre Mansur em Paranaguá (PR) há dois anos. Havia uma terceira empresa nos EUA que maquiava os preços, chamada System Trade Corp.

Num exemplo hipotético, a Feca adquiria um computador por US$ 1.000 em Miami e o enviava para o Brasil como se tivesse pago US$ 500 por ele. A diferença era enviada aos EUA por doleiro ou conta CC5 (usada para fazer remessas legais).

As notas de importação com os valores subfaturados eram falsificadas no Brasil.

As empresas de Mansur já haviam sido apanhadas em outras três operações da PF, entre as quais a Narciso, que resultou na prisão de Eliana Tranchesi, dona da Daslu. Ele morou no Paraguai e foi casado com uma filha do ditador Alfredo Stroessner, que morreu ontem.

Prisões na Receita Nove funcionários da Receita e um do Ministério do Desenvolvimento foram presos, sob acusação de facilitar as fraudes.

Em Santa Catarina, a PF prendeu o consultor técnico Aldo Hey Neto, criador de um programa de incentivo a exportações. A PF diz ter provas de que o consultor vendia ilegalmente esse benefício -uma empresa pagou R$ 100 mil ao funcionário público. Os policiais apreenderam R$ 649 mil e US$ 50 mil com Hey Neto.

O grupo MAM também usufruía de benefícios do ICMS em Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo. Segundo o delegado Vibrio Jr., Mansur usava firmas de fachada para usufruir dos benefícios, que sumiam no momento de recolher o ICMS.

Marcas negam esquema ou não comentamAs empresas envolvidas na ação da Polícia Federal foram procuradas ontem pela Folha para se posicionar sobre as acusações de crime fiscal. A maior parte delas disse ainda estar prestando esclarecimentos às autoridades ou não quis se manifestar. Outras empresas negam.

As companhias procuradas tiveram o nome citado pela PF na lista de investigados ou estão envolvidas no caso, apurou a Folha. Procurada pela reportagem, a Shoptime -empresa da Lojas Americanas- informa que “tomou conhecimento do envolvimento de sua marca pela imprensa e que desconhece a informação de que algum de seus fornecedores esteja envolvido em atividade ilícita”.

A Daslu informou que “nunca fez negócios com a Opus Trading”, importadora que integrava um esquema de sonegação desbaratado ontem na operação Dilúvio. A trading teria sido utilizada pela butique até meados de 2005.

“A Daslu trabalha hoje com mais de 300 fornecedores e nenhuma dessas empresas é objeto de investigação da operação Dilúvio”, informou a butique. A PF também informou que o esquema de sonegação teria sido utilizado por fornecedores do empresário Law Kin Chong, apontado como o principal contrabandista do Brasil. O advogado de Law, Aldo Bonametti, disse que não tinha conhecimento da operação ou do envolvimento de Law.

A Folha não conseguiu localizar o advogado de Marco Antonio Mansur, que supostamente atuava como chefe do esquema em São Paulo. Numa das empresas dele, a Opus Trading, um funcionário disse não saber quem defendia Mansur.

Também procurada, a Elgin não respondeu ao questionamento até o fechamento desta edição. A Britânia disse que não iria se manifestar oficialmente. A Maxwell e a Gráfica Cinco Irmãos não foram localizadas. A Plena Comercial Atacadista, que distribui as mercadorias importadas da Sharp, foi procurada em seu escritório, em São Paulo. Mas os responsáveis não foram encontrados.

A Cil Comércio de Informática informou que se pronunciaria ontem, mas isso não aconteceu. O grupo Via Veneto, dona das marcas Brooksfield, Via Veneto e Harry’s, informa que “não tem nada a declarar sobre o assunto neste momento” e que a área jurídica está estuda a questão. A joalheria H. Stern não localizou a direção para comentar o caso.

Bastos nega que PF tenha antecipado cronograma de ações para ajudar LulaO ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, negou ontem que o governo tenha orientado a Polícia Federal a antecipar o seu cronograma de operações para ajudar no discurso eleitoral de que o governo Lula foi o que mais combateu a corrupção.

“De jeito nenhum. Tenho certeza de que não houve [tal orientação do governo]. Essas operações não podem ser improvisadas. Vão amadurecendo e, quando chegam perto da maturidade, são desencadeadas”, afirmou Bastos.

Em 2006, a PF desencadeou 71 operações, sendo 11 delas concentradas nas três últimas semanas. Além da Operação Dilúvio, deflagrada ontem, ganharam expressivo espaço na mídia as operações Saúva, que teve como alvo quadrilha que fraudava licitações no Amazonas, e a Dominó, que flagrou o envolvimento de autoridades dos três poderes de Rondônia em supostas ações criminosas de desvio de dinheiro público.

Ao anunciar os primeiros resultados da operação Dilúvio, em entrevista na sede da PF, em Brasília, Bastos elogiou a parceria da PF com a Receita Federal na condução do trabalho que culminou com a maior operação da história para ambos os órgãos -350 servidores da Receita e outros 950 da PF.

Também na linha de enfatizar o trabalho de cooperação, o diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, disse que o entrosamento da equipe superou as dificuldades que os órgãos públicos geralmente encontram para trabalhar juntos, seja “pela cultura de cada um ou até por um certo espírito competitivo”.

Presente à entrevista, o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, disse que “a sociedade” ganhará com a operação, por ela ser uma forte investida contra “importações fraudulentas, subfaturadas, o que gera desemprego e tem efeitos danosos na economia”.

“Esse trabalho reflete em resultados para o Tesouro Nacional”, afirmou o secretário da Receita, ao lembrar que a frustração de arrecadação produzida pelo esquema, nos últimos quatro anos, foi de no mínimo R$ 500 milhões, considerandoe apenas o Imposto de Importação sonegado.

MARIO CESAR CARVALHO e ANDRÉA MICHAEL

Folha de S. Paulo