Após cerca de dois anos de investigações, a Polícia Federal e a Receita Federal deflagraram hoje operação contra o que consideram “o maior esquema já constatado de fraudes no comércio exterior” brasileiro. A sonegação de impostos aduaneiros chegaria a pelo menos R$ 500 milhões.
Batizada de “Operação Dilúvio”, a operação envolve 950 policiais federais e 350 servidores da Receita que executam mandados de prisão e busca e apreensão em oito Estados (Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Espírito Santo).
Entre os presos estão diretores e sócios de grandes distribuidoras de produtos importados que são clientes do esquema fraudulento de importação, reais beneficiários da “economia” irregular de tributos, servidores públicos federais e estaduais, entre outros.
O esquema seria comandado por um grupo empresarial em São Paulo e teria ramificações até nos Estados Unidos. Os mandados de busca, expedidos pela Justiça Federal de Paranaguá (PR) e Itajaí (SC), incluem 200 endereços, incluindo residências dos envolvidos, empresas, principais clientes, depósitos de mercadorias, escritórios de advocacia, despachantes e colaboradores.
Os envolvidos são suspeitos de fraudes no comércio exterior, interposição fraudulenta, sonegação, falsidade ideológica e documental, evasão de divisas, cooptação de servidores públicos.
Com a colaboração do Departamento de Segurança Interna dos EUA, uma equipe de policiais federais também faz buscas na cidade de Miami (EUA), sob autorização da justiça americana, em empresas controladas pelo grupo empresarial brasileiro. Segundo a PF, trata-se de um fato inédito na história que dá a essa operação um caráter transnacional.
O principal líder do grupo é um empresário paulista que morou no Paraguai e constituiu elevado patrimônio. Nos últimos dez anos, o grupo registrou dezenas de empresas importadoras, conhecidas como “tradings”, além de diversas “distribuidoras” que intermediavam as operações de forma a ocultar e a “blindar” o real importador (cliente do grupo), e realizar uma expressiva redução fraudulenta de tributos.
Uma das “tradings”, criada no inicio do grupo, foi citada no relatório final da CPI da Pirataria do Congresso por envolvimento na rede de abastecimento para o esquema de Law Kim Chong.
O esquema permitiu a importação de aparelhos eletrônicos, equipamentos de informática e telecomunicações, pneus, equipamentos de ortopedia e luvas cirúrgicas, frutas, embalagens plásticas, tecidos e vestuários, pilhas e baterias, carros e motos, vitaminas e complementos alimentares, produtos de perfumaria, entre outros. Os principais clientes estão localizados nos Estados do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco.
As investigações mostram que as empresas do grupo importaram mais de R$ 1,1 bilhão nos últimos quatro anos. Considerando que os valores declarados provêm de um subfaturamento em média de 50%, pode-se estimar uma sonegação de tributos federais aduaneiros em mais de R$ 500 milhões, sem levar em conta outros tributos como ICMS, IPI, PIS, Cofins e Imposto de Renda.
Estudo realizado pelo Ministério do Desenvolvimento demonstra que para cada R$ 1 bilhão em exportações há a necessidade da criação de 40 mil empregos. Inversamente, tendo em conta que a sonegação da organização criminosa foi de R$ 500 milhões, indiretamente deixaram de ser criados cerca de 20 mil empregos no Brasil.
Na maioria dos casos, as empresas importadoras promovem uma simulação fraudulenta, registrando operações como se as importações tivessem sido realizadas por conta própria ou com registro na modalidade “Por Conta e Ordem”. Nesse caso eram indicadas como compradoras empresas de fachada controladas pelo próprio grupo, acobertando o real cliente.
Os reais importadores muitas vezes tinham conhecimento e até participavam das irregularidades, principalmente declarando preços subfaturados. O esquema permitiu expressiva redução de seus custos operacionais. Esta vantagem vinha basicamente do subfaturamento dos preços declarados nas importações pela quebra da cadeia do IPI, pela utilização indevida de incentivos de ICMS incidentes sobre importações implantados principalmente nos Estados do Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Bahia.
As investigações apuraram que enquanto as empresas importadoras (tradings) e distribuidoras do grupo atuavam diretamente nas operações de comércio exterior e circulação no mercado interno, o grupo constituiu diversas empresas para promover uma “blindagem patrimonial”. Isso era feito com o uso de empresas “offshore” do Uruguai, Panamá, Ilhas Virgens Britânicas ou Estados Unidos (Estado de Delaware).
Os importadores de fachada também não são empresas efetivas. O quadro societário destas empresas é constituído por pessoas sem aparente capacidade econômico-financeira (“laranjas”), vinculadas ao grupo. Também ficou demonstrado que o grupo tinha estrutura para atender a um variado perfil de clientes, desde aqueles de menor expressão econômica a grandes distribuidores de marcas conhecidas no mercado.
A Receita Federal já havia agido contra o esquema ilegal em 2002 na chamada “Operação São Paulo” e o grupo também já foi alvo da “Operação Daslu”. A Polícia Federal, através da delegacia em Paranaguá (PR), também já havia esbarrado com a organização criminosa em 2005, na “Operação Carga Pesada”, com a prisão de auditor fiscal da Receita Federal, empresários e despachantes de Paranaguá. Foi a partir daquela operação que se estruturou a “Operação Dilúvio”, deflagrada hoje.
Desde 2002, a Polícia Federal e a Receita Federal já realizaram 45 operações conjuntas.
No final da manhã de hoje, haverá uma entrevista sobre a “Operação Dilúvio” na sede da Polícia Federal em Brasília.
da Folha Online
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