Congresso decide reajustar em 92% rendimentos dos parlamentares a partir de 2007. Índice contrasta com o previsto para o salário mínimo dos trabalhadores no próximo ano, e terá impacto de R$ 173 milhões
No encerramento de uma legislatura marcada pelos escândalos do mensalão e dos sanguessugas, a cúpula do Congresso decidiu ontem premiar os parlamentares com a equiparação dos seus salários ao subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O aumento de R$ 12,7 mil para R$ 24,5 mil, a partir do próximo ano, representa um reajuste de 92%. O índice contrasta com o reajuste do salário mínimo nos últimos quatro anos: apenas 46%. O impacto anual na folha de pagamento dos parlamentares, aposentados e pensionistas ficará em cerca de R$ 173 milhões, mas muito maior será o efeito cascata dessa medida, com o conseqüente aumento dos salários dos deputados estaduais e vereadores. Apesar do desgaste da instituição, a medida fortalece as candidaturas de Aldo e Renan pela reeleição.
O aumento foi anunciado ontem pelos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), após reunião conjunta das mesas diretoras e dos líderes dos partidos nas duas Casas. O novo salário será fixado por um ato conjunto dos dois presidentes, sem passar pelo plenário das duas Casas, o que causaria um desgaste ainda maior diante da opinião pública. Aldo afirmou que “não haverá aumento de despesas”, porque só a Câmara vai promover cortes de R$ 150 milhões no seu orçamento. Mas ele citou apenas cortes em investimentos, como a construção do Anexo 5 (R$ 18 milhões em 2007) e a reforma dos apartamento funcionais (R$ 36,3 milhões), que visa apenas recuperar o patrimônio público degradado pelos parlamentares nos últimos 30 anos. A verba indenizatória — R$ 15 mil por parlamentar —, que cobre despesas do mandato, foi mantida intacta. Renan disse que a medida “não é aumento de salário, é determinação constitucional”.
A equiparação do salário dos parlamentares ao subsídio dos ministros do STF foi antecipada pelo Correio em 12 de outubro. A reportagem com o título “Plano para dobrar salários” revelou que havia uma articulação para elevar para R$ 24,5 mil os vencimentos dos parlamentares. O caminho foi aberto por um ato conjunto, assinado por Aldo e Renan, que criou uma comissão de servidores para estudar a aplicação do teto constitucional no Congresso, previsto pelo artigo 37 da Constituição. Na semana seguinte, os presidentes das duas Casas negaram existir qualquer articulação ou mesmo idéia de equiparação ao teto dos ministros do Supremo. A farsa durou dois meses.
Reação
A reação ao aumento começou na reunião da cúpula do Congresso. O deputado Chico Alencar (PSol-RJ) e a senador Heloísa Helena (PSol-AL) argumentaram que o reajuste seria ilegítimo e inoportuno no momento de crise moral vivido pela instituição. Outros deputados disseram que “não dá para viver” com o atual salário. Mas não houve muito debate. O presidente do Senado deixou claro que todos estavam ali para decidir se haveria ou não equiparação ao salário dos ministros do STF, o que seria uma forma de acabar com a polêmica nos reajustes do salário dos parlamentares. Os líderes dos grandes partidos deram o apoio esperado, levando os dois presidentes a bater o martelo no valor de R$ 24,5 mil.
Alencar afirmou que o aumento “tem aura de legalidade, mas não é legítimo”. Acrescentou que haverá um efeito cascata: “Estaremos dando um péssimo exemplo para as assembléias legislativas”. Ele defendia um reajuste equivalente à variação do IPC-A em quatro anos (28,4%), o que elevaria o salário para R$ 16,3 mil. Após a reunião, o deputado lembrou que, na opinião de muitas pessoas, “os deputados vivem da roubalheira”. E acrescentou: “Dar esse aumento é nos legitimar no imaginário popular como um bando de mercenários”.
O líder do PTB na Câmara, José Múcio Monteiro (PE), defendeu a medida, argumentando que um deputado não pode receber líquido R$ 8,5 mil. “É para não ter deputado negociando emenda, fazendo lobby. O que me preocupa é o desestímulo ao cara sério. Hoje, o deputado é a Geni desse processo.”
Lúcio Vaz
Correio Braziliense
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