Por Rodrigo Haidar
No que depender da disposição do ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça, os dias de quem costuma usar o Judiciário para adiar o pagamento de dívidas ou o cumprimento de obrigações estão contados. Em atitude rara nos julgamentos, o ministro multou a União nos primeiros Embargos de Declaração opostos contra o pagamento de uma indenização.
Mauro Campbell entendeu que ficou claro que o objetivo do recurso não era o de esclarecer qualquer ponto da decisão, mas apenas adiar o pagamento da indenização. “A União, em diversas oportunidades, vem opondo embargos de declaração com claro intuito protelatório”, disse.
O fato de aplicar multa no primeiro embargo gerou até comentários em tom de brincadeira dos demais ministros da 2ª Turma: “O ministro está bravo hoje”, comentou um colega. Isso porque, via de regra, as multas são aplicadas depois dos embargos dos embargos, do agravo, do recurso, e assim por diante. Mas, ainda assim, os ministros deram razão a Mauro Campbell e acompanharam seu voto por unanimidade. A decisão foi tomada há 20 dias.
Para o ministro, pouco ou nada adianta mudar a legislação para dar agilidade ao processo se não houver “uma revolução” na maneira de encarar a missão dos tribunais superiores e do Supremo Tribunal Federal. “Enquanto reinar a crença de que esses Tribunais podem ser acionados para funcionarem como obstáculos dos quais as partes lançam mão para prejudicar o andamento dos feitos, será constante, no dia-a-dia, o desrespeito à Constituição.”
Mauro Campbell observou, ainda, que “aos olhos do povo”, essa desobediência às decisões é fomentada pelo Judiciário: “aos olhos do cidadão, os juízes passam a ser inimigos, e não engrenagens de uma máquina construída unicamente para servi-los”.
Leia a ementa da decisão e o voto do ministro Mauro Campbell Marques
EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 949.166 – RS (2007/0102626-0)
RELATOR: MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
EMBARGANTE: UNIÃO
EMBARGADO: JOSÉ PAULO STRADA FERREIRA
ADVOGADO: CLÁUDIO TAURINO DE ANDRADE GRACIA E OUTRO
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Tratam-se de embargos de declaração com manifesto propósito infringente opostos contra acórdão de fl. 380 assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. JUROS DE MORA. NATUREZA ALIMENTAR. AÇÃO PROPOSTA CONTRA A UNIÃO. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97.
1. Nas ações em que se discute valores relativos a débitos de natureza alimentar, devem incidir juros à taxa de 1% ao mês.
2. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, que fixa taxa de juros para a Fazenda Pública, alcança somente as ações propostas apos a edição da Medida Provisória nº 2.180-35/2001.
3. Recurso Especial a que se NEGA PROVIMENTO.
Sustenta a embargante que a decisão colegiada afronta o princípio da isonomia, na forma como decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE n. 453.740/RJ (fls. 386/393).
É o relatório.
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM CARÁTER INFRINGENTE. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS A SEREM SANADOS. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECER A INFRINGÊNCIA. NÍTIDO CARÁTER PROTELATÓRIO. APLICAÇÃO DO ART. 538, P. ÚN., DO CPC.
1. Não há vícios a serem sanados no acórdão combatido pelos embargos de declaração.
2. O caráter infringente dos embargos de declaração só é admitido quando, por ocasião do saneamento da omissão, obscuridade ou contradição de que padece a decisão atacada, há modificação do resultado do julgamento. Nota-se, assim, que não compete à parte atribuir efeitos infringentes à peça recursal; é atribuição do Tribunal reconhecer ou não a infringência, em atenção à situação descrita anteriormente.
3. A União, em diversas oportunidades, vem opondo embargos de declaração com claro intuito protelatório. Um inconformismo dessa espécie acaba tornando-se incompatível com a persecução do interesse público, o qual ensejou a criação da Advocacia-Geral da União — na forma dos arts. 131 e ss. da Constituição Federal de 1988.
4. A Constituição Federal vigente preconiza de forma muito veemente a necessidade de resolver de forma célere as questões submetidas ao Poder Público (arts. 5º, inc. LXXVIII, e 37, caput), posto que essas demandas dizem com as vidas das pessoas, com seus problemas, suas angústias e suas necessidades. A seu turno, a legislação infraconstitucional, condensando os valores e princípios da Lei Maior, é pensada para melhor resguardar direitos, e não para servir de mecanismo subversivo contra eles.
5. Em tempos de severas críticas ao Código de Processo Civil brasileiro, é preciso pontuar que pouco ou nada adiantará qualquer mudança legislativa destinada a dar agilidade na apreciação dos processos se não houver uma revolução na maneira de encarar a missão dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal Federal.
6. Enquanto reinar a crença de que esses Tribunais podem ser acionados para funcionarem como obstáculos dos quais as partes lançam mão para prejudicar o andamento dos feitos, será constante, no dia-a-dia, o desrespeito à Constituição. Como se não bastasse, as conseqüências não param aí: aos olhos do povo, essa desobediência é fomentada pelo Judiciário, e não combatida por ele; aos olhos do cidadão, os juízes passam a ser inimigos, e não engrenagens de uma máquina construída unicamente para servi-los.
7. É por isso que na falta de modificação de comportamento dos advogados (público ou privados) — que seria, como já dito, o ideal —, torna-se indispensável que também os magistrados não fiquem inertes, que também eles, além dos legisladores, tomem providências, notadamente quando o próprio sistema já oferece arsenal para tanto. É o caso de aplicar o art. 538, p. ún., do Código de Processo Civil.
8. Embargos de declaração rejeitados com aplicação de multa pelo caráter protelatório na razão de 1% sobre o valor da causa.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator): Não há vícios a serem sanados no acórdão combatido pelos embargos de declaração.
O caráter infringente desse recurso só é admitido quando, por ocasião do saneamento de eventual omissão, obscuridade ou contradição de que padece a decisão atacada, há modificação do resultado do julgamento.
Nota-se, assim, que não compete à parte atribuir efeitos infringentes à peça recursal; é o Tribunal que, observando a situação descrita no parágrafo anterior, reconhece ou não a infringência
A União, em diversas oportunidades, vem opondo embargos de declaração com claro intuito protelatório. Observe-se, por exemplo, o iter processual percorrido nos presentes autos: a demanda foi ajuizada em 2000; o Tribunal a quo exarou o seu entendimento conforme a jurisprudência desta Corte Superior em 2005; a União opôs embargos de declaração, acolhidos apenas para fins de prequestionamento; ato contínuo, foi interposto recurso especial, repisando argumentos que já foram afastados pela instancia ordinária; o recurso especial foi julgado improcedente e, ainda não conformada, foram opostos embargos de declaração com caráter infringente… um inconformismo dessa espécie acaba tornando-se incompatível com a persecução do interesse público, o qual ensejou a criação da Advocacia-Geral da União — na forma dos arts. 131 e ss. da Constituição Federal de 1988.
Não há como negar, portanto, o caráter protelatório do recurso aclaratório; e, sobre isso, ainda é necessário lançar uma ordem de consideração, que tem a ver com o papel do Poder Judiciário e das partes na sistemática processual.
A Constituição Federal vigente preconiza de forma muito veemente a necessidade de resolver de forma célere as questões submetidas ao Poder Público (arts. 5º, inc. LXXVIII, e 37, caput), posto que essas demandas dizem com as vidas das pessoas, com seus problemas, suas angústias e suas necessidades. A seu turno, a legislação infraconstitucional, condensando os valores e princípios da Lei Maior, é pensada para melhor resguardar direitos, e não para servir de mecanismo subversivo contra eles.
Em tempos de severas críticas ao Código de Processo Civil brasileiro, é preciso pontuar que pouco ou nada adiantará qualquer mudança legislativa destinada a dar agilidade na apreciação dos processos se não houver uma revolução na maneira de encarar a missão dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal Federal.
Enquanto reinar a crença de que esses Tribunais podem ser acionados para funcionarem como obstáculos dos quais as partes lançam mão para prejudicar o andamento dos feitos, será constante, no dia-a-dia, o desrespeito à Constituição. Como se não bastasse, as conseqüências não param aí: aos olhos do povo, essa desobediência é fomentada pelo Judiciário, e não combatida por ele; aos olhos do cidadão, os juízes passam a ser inimigos, e não engrenagens de uma máquina construída unicamente para servi-los.
É por isso que, enfrentando situações como a presente, na falta de modificação de comportamento dos advogados (público ou privados) — que seria, como já dito, o ideal —, torna-se indispensável que também os magistrados não fiquem inertes, que também eles, além dos legisladores, tomem providências, notadamente quando o próprio sistema já oferece arsenal para tanto. Penso que é o caso de aplicar o art. 538, p. ún., do Código de Processo Civil.
Com essas considerações, voto por REJEITAR OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO e APLICAR MULTA DE 1% SOBRE O VALOR DA CAUSA, na forma prevista no art. 538, p. ún, do CPC.
(Fonte: Revista Consultor Jurídico, 25 de novembro de 2008)
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