Presidente abre o jogo e diz que não se pode “brincar com a democracia”, mas quer eleger seu sucessor em 2010

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva jurou ontem que não pensa em mudar a Constituição para garantir um terceiro mandato. “Isso é inexeqüível e a gente não pode brincar com a democracia”, disse em um encontro com jornalistas no Palácio do Planalto. “Quero eleger um companheiro”, declarou o presidente. “Nada é pior para um político que acabar o mandato sem que o seu candidato o queira no palanque.” E brincou: “Quero terminar o governo tão bem que eu possa recusar convites para subir nos palanques.”

Nas últimas semanas, surgiram em setores do PT propostas que poderiam aumentar a permanência de Lula e do partido no poder. Uma delas foi a possibilidade de o presidente convocar plebiscitos sem precisar de aprovação do Congresso, o que abriria espaço para uma eventual consulta popular que autorizasse o presidente a tentar uma segunda reeleição. A segunda seria a adoção do parlamentarismo, o que permitiria a ele continuar no poder como primeiro-ministro. Mas o presidente garante que não vai incluir nenhum artifício continuista na discussão da reforma política. “O Congresso pode discutir o que quiser na reforma. O presidente da República não vai se meter”.

Lula aproveitou a conversa em tom mais descontraído para reconhecer o radicalismo dos primeiros tempos do PT. “Nós chegamos na Constituinte com 16 dos 500 deputados e tínhamos um projeto fechado de Constituição”, lembra. “Se a gente tivesse aprovado aquela Constituição, hoje eu estaria reclamando dela”. Quando um repórter perguntou o que teria acontecido se ele tivesse sido eleito presidente em 1989 no auge do radicalismo, o presidente disse: “Acho que teríamos feito melhor do que o que fizeram (o governo Collor). Mas dou graças a Deus pelos 12 anos (entre a derrota de 1989 e a eleição em 2002). Foram a minha universidade. Cheguei ao poder mais preparado que em 89”.

Ministério

O presidente voltou a dizer que não tem pressa em fazer a reforma ministerial. “Vocês (jornalistas) escrevem todos os dias que algum ministério não está funcionando porque o ministro não sabe se vai ficar”, disse. “Ano passado, durante a campanha, quando eu não sabia se ia continuar, foi que eu mais trabalhei”. Ele se recusa até mesmo a confirmar a permanência de ministros que receberam encargos importantes, como Fernando Haddad, que está finalizando um pacote de medidas na área da educação. “Se algum ministro novo entrar, vai se adequar ao programa do governo e dar continuidade ao que está sendo feito”, afirma.

Apesar do nervosismo dos partidos aliados, que esperam por cargos na reforma ministerial, Lula jura que não está se sentindo pressionado. “Nunca tive uma situação tão favorável para formar um ministério como agora”, diz. “Todos sabem que eu tenho de contemplar os partidos, mas os partidos sabem que podem pedir tudo, mas a última palavra é a do presidente da República”.

Por enquanto, Lula continua a avaliar a força de cada um dos aliados. “Todos os dias leio na imprensa que algum deputado trocou de partido. Preciso esperar isso acabar. Não dá para fazer um acordo com um partido que tem tantos deputados e depois de nomear o ministro ver que o partido ficou com uma bancada menor”.   

Emoção com A marcha dos pingüins

O presidente Lula chorou ao assistir o filme A marcha dos pingüins. Essa foi uma das confidências que ele fez no café da manhã com os jornalistas. “É muito difícil ser pingüim”, concluiu depois de ver o documentário. Brincando, disse que vai dar um beijo no diretor Luc Jacquet, vencedor do Oscar de 2006. Em tom entusiasmado, contou aos repórteres a odisséia dos animais pela sobrevivência. “O macho passa um tempão com o ovo em cima dos pés, para proteger. Quando finalmente nasce o filhote, vem os outros animais para comer”. A lembrança sobre os pingüins não veio do nada. Fez parte de um raciocínio mais longo do presidente sobre a desagregação da família, que para ele é o grande problema da sociedade brasileira hoje. O filme apareceu não só como um exemplo de animais que fazem tudo pelos filhotes, mas também como um raro exemplo de programação educativa dentro da indústria cultural. “Os meninos passam o dia na internet ou assistindo televisão”, disse. “O que eles aprendem de bom? Não há nada de educativo”.

Livre da pressão de uma entrevista formal, o presidente soltou-se mais. Contou aos jornalistas que quer reformar o Palácio do Planalto. “Se a gente passa dois dias fora, um fim se semana que seja, quando volta tem alguma torneira que não funciona”. Destacou que está procurando por um local para instalar os ministros e assessores palacianos enquanto a reforma durar, mas não resistiu a fazer duas brincadeiras.

Buriti

Na primeira, disse que “o problema, depois da reforma, é que não vai ter gabinete para todo mundo voltar. Vai ter gente que vai ficar sem sala”. Quando um jornalista sugeriu que ele ocupasse o Palácio do Buriti, já que o governador José Roberto Arruda transferiu a administração do Distrito Federal para Taguatinga, o presidente brincou: “É melhor não. Podem fazer uma manifestação lá na frente, achando que é o Arruda quem está lá”.

Depois dos meses tensos do final de 2005 e da campanha de 2006, o presidente está de bem com a vida. Ancorado em bons índices de popularidade e embalado pela reeleição, decidiu melhorar as relações com a imprensa. Dessa vez, reclamou pouco das notícias publicadas nos jornais. Mas não deixou de fazer sua provocação. “O que me impressiona quando alguém fala com o presidente é a criatividade das pessoas”, contou. Ele disse que ao ler relatos sobre conversas dele com interlocutores na imprensa lembra de um curso de psicodrama que fez quando era sindicalista em São Bernardo do Campo (SP). “Num dos exercícios, em uma mesa redonda, cada um passava uma frase para o vizinho. Quando retornava ao primeiro, a frase era completamente diferente”. 

Gustavo Krieger

Correio Braziliense

2/3/2007