Relatório será divulgado amanhã; outro levantamento, no Executivo, mostra 129 salários acima do teto de R$ 24,5 mil

Oito anos depois de implantado pela reforma administrativa, o teto salarial do funcionalismo público continua sendo desrespeitado pelo País afora. Dados do governo federal obtidos pelo Estado mostram que ainda existem 129 servidores do Executivo federal ganhando acima dos R$ 24,5 mil – valor que recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal, tido como limite máximo legal de remuneração do serviço público. Ao longo desses anos, os reajustes aumentaram os valores em 222%.

Além disso, um levantamento que o Conselho Nacional de Justiça divulgará amanhã revela que, nos Estados, cerca de 200 desembargadores estariam recebendo contracheque acima daquele limite. Esses felizardos representam 20% do total – cerca de 1.000 magistrados lotados em diferentes funções, na ativa ou não, em todos os Estados.

Essa situação só se perpetua porque a maior parte desses marajás tem dinheiro para pagar bons advogados e consegue decisões na Justiça lhes garantindo o direito de receber os valores integrais, mesmo contra o que diz a Constituição. O mais alto salário do Executivo federal, por exemplo, é de um professor aposentado da Universidade Federal do Ceará (UFC), que em abril passado recebeu a bagatela de R$ 38.275,44.

Hoje esse valor já é mais alto, porque os docentes receberam um reajuste em junho que elevou seus salários entre 5% e 10%. Do supersalário desse aposentado, mais de dois terços se referem a sentenças judiciais. Entre elas, uma decisão que concedeu a reposição das perdas do Plano Collor, os famosos 84,32% – regalia que poucos brasileiros conquistaram na Justiça.

Os supersalários só são conhecidos porque o governo federal – ao contrário dos demais Poderes – publica periodicamente no Diário Oficial a lista da maior e da menor remuneração de cada órgão da administração federal. Um desses marajás vive sob as barbas do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, ganhando R$ 28.979,68 mensais.

HISTÓRIA ANTIGA

São raros os casos em que os advogados do governo estão conseguindo obter da Justiça o desconto do valor que excede os R$ 24,5 mil – o chamado abate teto. Isso ocorreu, por exemplo, com um funcionário do Ibama que tem salário de R$ 33.628,59 e, em abril, sofreu um corte de R$ 9.128,59.

A história das tentativas de impor uma limitação aos salários do funcionalismo público é antiga. Desde 1988 a Constituição federal já definia um limite, que na época era diferenciado entre os Poderes. No Executivo, o valor máximo permitido era o salário dos ministros, mas esse teto nunca funcionou. Hoje, passa de 55 mil o número de servidores federais que recebem mais do que R$ 8,5 mil mensais, valor aproximado do vencimento dos ministros e do próprio presidente da República.

Em 1998, na reforma administrativa, o governo tentou tornar o teto mais rígido, estabelecendo que nenhuma vantagem poderia ser paga além do subsídio dos ministros do STF, mas nem isso adiantou.

O teto já subiu de R$ 12.720 em 2000 para R$ 24.500 em 2006 e deve passar a R$ 25.725 em janeiro de 2007, se o Congresso aprovar o projeto do STF. Apesar desses generosos aumentos, nem esses limites são respeitados, pois os tribunais consideram que há outros princípios constitucionais que se sobrepõem ao teto, como a ‘irredutibilidade’, que proíbe um salário de ser reduzido. Outro ‘dogma’ que beneficia os marajás é o que considera as decisões judiciais imutáveis; ou seja, a sentença que concedeu ao professor do Ceará o direito aos 84,32% do Plano Collor não pode ser alterada, mesmo que ele esteja ganhando acima do teto constitucional.

Sérgio Gobetti, Mariângela Gallucci

O Estado de S. Paulo