Jato deveria mudar altitude em Brasília; Aeronáutica nega que tenha autorizado aviões a alterarem plano de vôo
O jato Legacy estava na altitude errada quando bateu no Boeing 737-800 da Gol na sexta-feira. Isso porque o piloto do avião disse à polícia que voava a 37 mil pés de altitude. Ele viajava nessa altitude no eixo São José dos Campos-São Paulo-Brasília. O destino era Manaus (AM). O problema é que o jato devia mudar para 36 mil pés ao passar por Brasília. O choque das aeronaves derrubou o Boeing e causou o pior acidente da história do País, com 155 mortos.
A razão pela qual o Legacy não podia estar a 37 mil pés é a organização do espaço aéreo brasileiro. Dependendo do sentido em que trafega o avião, ele deve usar níveis de altitude pares ou ímpares. No caso do jato, vendido pela Embraer para a empresa americana ExcelAire, a viagem até Brasília era feita em uma altitude ímpar (37 mil). Entretanto, ao passar pela capital, essa direção mudou. Assim, a aeronave devia seguir por uma altitude par (36 mil).
Mas o piloto Joseph Lepore e o co-piloto Jean Paul Palladino, que comandavam o Legacy, disseram à polícia de Mato Grosso que tinham autorização da torre de Brasília para efetuar o plano de vôo a 37 mil pés (11 mil metros) de São José dos Campos (SP) até Manaus, onde fariam escala antes de seguir para os Estados Unidos. Os depoimentos foram prestados no domingo, em Cuiabá, ao delegado Anderson Garcia, que trabalha no inquérito sobre o acidente.
O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno, afirmou ontem que nenhum dos dois aviões envolvidos no acidente de sexta-feira havia solicitado ou recebido autorização para mudar a altura do vôo. “Alguém deve ter saído do plano (original) de vôo”, disse o brigadeiro.
Silva confirmou que o plano do avião da Gol previa vôo a 37 mil pés, e o do Legacy, a 36 mil pés. Bueno disse que não sabia em qual altura ocorreu o acidente, tampouco qual avião se desviou do curso. “Esse é o dado principal da investigação.” Suspeita-se, na Aeronáutica, que o choque ocorreu a 37 mil pés.
Antes da declaração do comandante da Força Aérea, oficiais da Aeronáutica ouvidos pelo Estado já haviam confirmado que não houve autorização para que o Legacy fizesse toda a viagem a 37 mil pés.
Eles afirmam que é impossível que isso tenha ocorrido, pois seria como autorizar alguém a trafegar na contramão. “A partir de Brasília, há mudança de proa (a direção do avião)”, disse um deles. A proa do Boeing indicava que ele devia voar em altitudes ímpares e a do Legacy, em pares.
Os oficiais chamaram a atenção para outro fato: de São José dos Campos, de onde partiu o Legacy, para Brasília, a proa é de altitude ímpar. Isso explica o fato de o jato da ExcelAire ter recebido em sua carta de vôo a instrução para trafegar a 37 mil pés no trecho inicial. Mas essa altitude deveria mudar em Brasília. Em outras palavras, era o Legacy, e não o Boeing, que devia alterar a rota. Os dados do plano de vôo devem ser registrados pelo piloto no computador da aeronave, antes da decolagem, para o piloto automático funcionar corretamente.
Segundo os oficiais, o Legacy foi alertado pelos controladores de vôo do Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta-1), com sede em Brasília, de que estava na rota errada, mas não respondeu. Enquanto isso, o Boeing da Gol era controlado pelos operadores do Cindacta-4, com sede em Manaus.
No momento da colisão, o Boeing estava a cerca de 200 quilômetros do trecho onde passaria a ser monitorado pelo Cindacta-1. Só a partir desse ponto é que os controladores dos Cindactas se comunicariam para que um entregasse o vôo ao outro. O mesmo ocorria com o Legacy. Ambas as aeronaves estavam na área de interseção dos dois centros, mas não haviam chegado ao momento de troca.
A grande dúvida entre oficiais é saber por que o sistema anticolisão, o TCAS, não funcionou. Os dois aviões tinham esse sistema, que acusa a aproximação de outra aeronave. Ele é acoplado ao transponder, que emite sinais para que os radares controlem a posição de cada avião, identificando-os no espaço aéreo.
À polícia, os pilotos afirmaram que o equipamento anticolisão da aeronave estava ligado e não emitiu nenhum alerta sobre a aproximação do Boeing.
“Os pilotos alegaram que seguiram a rota do plano de vôo e não viram o avião da Gol. Só após pousarem na Base Aérea do Cachimbo é que ficaram sabendo do desaparecimento do Boeing.”
Bruno Tavares, Marcelo Godoy
O Estado de S. Paulo
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