No primeiro dia de julgamento, Daniel Cravinhos inocenta o irmão Cristian, afirma ter atacado sozinho o casal Manfred e Marísia, mas acusa a ex-namorada Suzane de ser a mentora do assassinato dos pais
São Paulo — O primeiro dia do julgamento dos acusados pela morte do casal Richthofen foi marcado por contradições. Em mais de três horas de interrogatório, Daniel Cravinhos, o ex-namorado da menina rica e loira que decidiu matar os pais, mudou a versão do crime e inocentou o irmão Cristian, dizendo que ele não chegou a participar do ataque contra o casal, pois teria passado mal.
No seu depoimento, o primeiro da sessão, ele procurou incriminar Suzane, a quem acusou de ter planejado a morte dos pais. Segundo o ex-namorado, ela teria péssimas relações com Manfred e Marísia von Richthofen. O depoimento de Daniel foi seguido do irmão Cristian, que confirmou a versão, mas entrou em contradição nos detalhes.
Às 19h50, Suzane iniciou o interrogatório e deu troco. Repetiu, exaustivamente, que Daniel a induziu ao uso de drogas e que ela o mantinha financeiramente. Pagava academia de ginástica, som do carro e viagem para o Nordeste. Acusou Daniel de incentivar que ela brigasse com os pais. “Ele (Daniel) foi quem me falou que meu pai tinha uma amante. Ele queria destruir a imagem do meu pai, queria que eu me inspirasse nele (Daniel)”, disse na sessão.
No interrogatório, a ex-estudante também negou qualquer briga com os pais. Mas admitiu que foi espancada, uma vez, por Manfred. “Foi no Dia das Mães, em 2002. Falei que queria fugir, que não queria mais ficar em casa”, contou Suzane. Os três acusados pelo crime sentaram-se lado a lado, mas evitaram se olhar durante a sessão. Ao final da exposição de Suzane, a defesa dos Cravinhos decidiu pedir uma acareação entre a acusada, Daniel e Cristian.
Em um relato detalhado, Daniel quis desfazer a imagem de vítima e de menina de “família” que a defesa da ré estava tentando construir nos últimos meses. O ex-namorado negou que Suzane tenha perdido a virgindade com ele e que a teria induzido a fumar maconha. A defesa da estudante rebateu o depoimento e sustentou que ela era virgem quando conheceu Daniel.
Segundo o rapaz, Suzane já havia tido relações sexuais com um ex-namorado, aos 14 anos. Ele afirmou que começou a fumar cigarro e maconha depois que a conheceu e que brigava com a ex-estudante de Direito por ela abusar dessa droga. “Toda a vez que ela chegava da faculdade chegava com cheiro (de maconha)”, declarou.
A estratégia dos irmãos Cravinhos é desmontar a tese da defesa de Suzane de que ela teria sido induzida pelo namorado a praticar o crime, porque seria dependente dele psicologicamente e sexualmente, além do jovem tê-la iniciado no mundo das drogas.
Segundo o advogado de Suzane, Mauro Otávio Nacif, ela amava Daniel e, por isso, não teria condições de resistir. Seria vítima de “coação moral irresistível”. Mas, para o ex-namorado, a estudante era fria e calculista. A caminho da casa dos pais, segundo Daniel, Suzane “ouvia Bob Marley e fumava cigarro de cravo como se estivesse indo para o Hopi Hari”. “Ela sempre planejou a morte dos pais, dizia isso para todos os amigos. Mas qualquer adolescente fala esse tipo de coisa, eu só não achava que ela seria capaz de levar o plano adiante”, disse Daniel.
Cena do crime
No depoimento, Daniel disse que uma jarra de água e toalhas que foram colocadas no rosto do casal, após o crimes, teriam sido levadas por Suzane. Mas, no depoimento de Cristian, a contradição ficou evidente. Ele disse que a ex-estudante só foi ao quarto dos pais antes do crime para se certificar de que eles estavam dormindo. Cristian disse que, no primeiro depoimento, assumiu ter participado do crime para proteger o irmão.
Conforme Daniel, essas toalhas foram molhadas e usadas para limpar o rosto de Manfred. Nesse momento, ele garante ter “caído em si” e rezado e ajoelhado. “Não acreditava que tinha feito aquilo”, insistiu.
Daniel, no início, falava muito baixo. Só passou a falar com mais clareza depois de um pedido do juiz e dos advogados de defesa. Em vários momentos, repetiu que a decisão de matar Manfred e Marísia foi tomada pela própria Suzane, revoltada por sofrer diversas agressões do casal.
A jovem, segundo ele, chegou a comentar que anos antes sofrera uma tentativa de estupro do pai. Manfred a espancaria e, nesses momentos, teria o hábito de passar as mãos “nas partes íntimas de Suzane.”
O irmão Andreas saberia disso e, às vezes, dormia no quarto para que o pai não entrasse. “Ela (Suzane) falou que tinha sido fortemente agredida pelos pais e que planejou matá-los com uma arma que tinha”, contou.
Inicialmente, Suzane pretenderia matar os pais usando pás, segundo o ex-namorado. No dia do crime, ele disse que, quando “deu por si”, já estava na casa. “Ela me deu a luva, pediu para eu colocar a meia-calça para não deixar vestígios na casa”, contou.
O advogado de defesa de Suzane, Mauro Nacif, mais uma vez esforçou-se para dar o seu “show” particular no julgamento. Ele discordou todo o tempo dos encaminhamentos do juiz Alberto Anderson Filho e irritou a platéia.
Antes de iniciar o julgamento, Nacif prometeu que apresentará uma “verdadeira bomba” nos oito minutos finais da sessão. Não revelou detalhes, mas garantiu que fará uma argumentação “surpreendente”.
Ela (Suzane) sempre planejou a morte dos pais. Só não achava que ela seria capaz de levar o plano adiante
Daniel Cravinhos
Ele queria destruir a imagem do meu pai, queria que eu me inspirasse nele (Daniel)
Suzane Richthofen
Sentença em quatro dias
O julgamento de Suzane von Richthofen e dos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos deverá demorar pelo menos quatro dias, segundo estimativa do juiz Alberto Anderson Filho. Os três receberão o veredito de um corpo de sete jurados (quatro homens e três mulheres). Antes, no início do julgamento, o advogado Mauro Nacif afirmou que Suzane faria um desabafo sobre sua vida durante o julgamento e que iria apresentar um “argumento-bomba”, que não é uma foto ou documento, mas uma argumentação. O advogado dos Cravinhos, Geraldo Jabur, foi irônico. “Espero que essa bomba não atinja ninguém no plenário”, disse.
Nenhum parente de Suzane estava ontem no Primeiro Tribunal do Júri do Fórum Criminal Ministro Mário Guimarães, na Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo. Além de 280 convidados, entre jornalistas e estudantes de Direito, compareceram ao julgamento os pais dos irmãos Cravinhos, Astrogildo e Nadja Cravinhos. Astrogildo acompanhou os depoimentos dos filhos. Ele só deixou a sala do Tribunal do Júri quando Suzane começou a falar.
Nenhum dos três réus confessos usava roupas de presidiários. Suzane chegou numa viatura policial por volta das 10h, vinda do Presídio Feminino de Rio Claro. Presos no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pinheiros, onde estão desde o começo do mês, os irmãos Cravinhos chegaram uma hora depois. Suzane usava uma calça bege com blusa azul da Adidas. Daniel e Cristian estavam de calças jeans e moletom. Na sala do júri, ela ficou sentada ao lado de Daniel, mas eles mal se olharam.
Convidados e sorteados para assistir ao julgamento lotaram o plenário do tribunal, onde se destacava a apresentadora Luciana Gimenez. A maioria dos que foram assistir ao julgamento espera que os três sejam considerados culpados e fiquem presos por longo tempo ao final do júri. “Eu espero que ela seja condenada, assim como os outros dois e que os promotores respondam aos desejos da sociedade. Que ela não fique impune. Já basta de impunidade no país”, disse o estudante de direito, Andrey Francisco Kamykovas Silva, de 21 anos.
Gilberto Nascimento
Correio Braziliense
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