Ministro diz que emendas que beneficiam servidores são inconstitucionais; já líderes dos partidos se dividem

O governo considera inconstitucionais as medidas do chamado “trem da alegria” do funcionalismo que tramitam na Câmara e que beneficiariam, se aprovadas, cerca de 310 mil servidores não-concursados, trabalhadores temporários no serviço público e funcionários requisitados de outros órgãos. Sem disfarçar a surpresa e o desconforto com a emenda constitucional número 54, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, manifestou ontem preocupação com o projeto, pregou o bom senso e admitiu que não tem “a menor idéia” do tamanho do rombo que ela poderá provocar nas contas do governo.

Paulo Bernardo alertou ainda para a brecha que a emenda poderia abrir, possibilitando que outros servidores também reivindiquem uma vaga no “trem da alegria”.

O governo teme, por exemplo, que os funcionários terceirizados, e que deveriam ser substituídos até 2010 por concursados, possam ser beneficiados pela emenda, que prevê a efetivação, como servidor público, de funcionários temporários. Só na esfera do governo federal são 26.700 servidores terceirizados, que serão substituídos por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) nos próximos anos.

– Essa proposta abre um hiperprecedente, porque estamos falando de 260 mil servidores ou muito mais, pois ninguém sabe onde estão essas pessoas. Manifesto minha preocupação com as conseqüências dessa emenda, que passa ao largo de dispositivos que regulamentam a contratação dos servidores por concurso público – disse o ministro.

Ministro: opinião pública vai pressionar contra

Na prática, o governo nunca acreditou que a emenda 54 pudesse chegar a ser votada em plenário, por considerar que a proposta era política e economicamente impraticável. Surpreendido pela decisão do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), de colocá-la em discussão, Bernardo sugeriu que a emenda poderá ser descartada naturalmente pela pressão contrária da opinião pública:

– É uma questão de bom senso e, com certeza, na hora de deliberar, os parlamentares terão de perceber que precisam ter respostas a todas essas questões.

Além do impacto potencial na folha de pagamento da União, que já custa, por ano, R$115 bilhões ao contribuinte e vem crescendo continuamente nos últimos anos, o governo alerta para os efeitos indiretos da medida nas contas públicas.

Uma nota distribuída pelo Ministério do Planejamento lembra que os funcionários abrangidos pelas emendas que tramitam na Câmara contribuem atualmente para para o Regime Geral de Previdência – exigência comum a todos os trabalhadores – e se forem efetivados “passariam a ter direito à aposentadoria do setor público que tem regras e alíquotas diferentes dos trabalhadores regidos pela CLT”. A emenda, portanto, tende a aumentar ainda mais o rombo da previdência pública.

Associação promete protestos em Brasília

O presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), Carlos Eduardo Guerra, calcula em um milhão o número de terceirizados na União, governos estaduais e municípios. Até agora, a Anpac recolheu dez mil assinaturas contra a aprovação do projeto e promete fazer manifestações em Brasília durante a votação da PEC.

– Somos radicalmente contra. É uma porta para o retrocesso – disse Carlos Eduardo.

Na Câmara, os líderes partidários estão divididos. Chinaglia disse ontem que não há prazo para a inclusão da emenda em plenário, mas que, se continuar tendo o apoio dos líderes, ela será pautada para votação.

Ontem, após contestar a mídia por dar destaque à sua decisão de botar a emenda na pauta de votações, Chinaglia fez críticas indiretas às três emendas que tratam do tema e disse achar muito difícil que elas sejam aprovadas. O líder do governo, José Múcio Monteiro (PTB-PE), disse que o governo é contra e tentará derrubar as emendas.

O líder do PSDB, Antonio Carlos Pannunzio (SP), disse que o partido é favorável apenas à PEC 54, que beneficiaria hoje, com a estabilidade, cerca de 60 mil servidores contratados entre 1983 e 1988. Pannunzio afirmou, no entanto, que a bancada é contrária à emenda, defendida pelo tucano e líder da minoria, Zenaldo Coutinho (PA), de beneficiar os trabalhadores com contratos temporários.

O líder do PT, Luiz Sérgio (RJ), defende um debate sobre a emenda de Zenaldo.

– A Constituição de 88 já foi flexível e não vamos aceitar nova flexibilização. O vagão do trem dos requisitados é inaceitável. Mas precisamos encontrar uma alternativa para os temporários.

Gustavo Paul e Isabel Braga

O Globo

15/8/2007