A criação do regime de previdência complementar do serviço público, uma das medidas do Programa de Aceleração Econômica (PAC), deve demorar para sair da lista das intenções. O Executivo gostaria de criar um fundo único, para todos os servidores e com apenas uma entidade gestora. Mas a idéia não tem apoio no Legislativo nem no Judiciário. “Não há hipótese de aceitarmos a tutela do Executivo. Não confiamos no governo para administrar a nossa poupança”, diz Ezequiel Nascimento, presidente do Sindilegis, que representa servidores da Câmara e do Senado.
Entre os servidores do Judiciário, a pressão vem dos tribunais e das entidades de classe. A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) já firmou posição contrária ao fundo comum, informa o presidente em exercício da entidade, Jurandir Borges Pinheiro. O que o Executivo quer, supõe o magistrado, é ter acesso às informações sobre a composição da folha salarial do Legislativo e do Judiciário. Por causa da independência entre os Poderes, o Executivo não pode saber, por exemplo, quanto ganha cada servidor. A respeito da folha dos outros dois poderes, recebe apenas informações consolidadas.
Numericamente inferiores, os servidores do Legislativo e do Judiciário não querem se misturar aos do Executivo. Admitem apenas estudar a formação de um fundo com os dois Poderes, sem o Executivo. Eles temem não ter influência na gestão do novo regime. O Executivo tem 865 mil servidores civis em atividade, o Judiciário, 90 mil e o Legislativo, 27 mil.
Para facilitar a tramitação do projeto de lei, o governo não descarta a possibilidade de abrir mão de suas convicções técnicas e enviar um projeto que permita a constituição de um fundo para cada um dos Poderes da União.
Ganho da União com previdência complementar será no longo prazo
A instituição de um regime de previdência complementar para os funcionários federais só representará ganho fiscal para a União no longo prazo, quando começarem a se aposentar os que entrarem no serviço público após a criação do fundo que administrará os respectivos planos de aposentadoria. No início, o impacto fiscal será negativo, pois, além de perda de receita, a União terá aumento de despesa.
O novo regime será bom para os cofres públicos depois de muitos anos, porque desobrigará a União de pagar aposentadorias superiores ao teto da Previdência Social, atualmente de R$ 2.801, aos futuros servidores. Os que tiverem salário maior do que isso e quiserem se aposentar com vencimento igual ou próximo ao da ativa terão que formar uma reserva própria, contribuindo mensalmente para um fundo de previdência complementar, com o qual a União também vai contribuir.
É daí que vai sair o complemento à aposentadoria paga pela União (aquela sujeita ao teto). Para evitar risco de rombo, a parte já aprovada da legislação sobre o tema permite que esse fundo administre somente planos do tipo contribuição definida (CD). Isso significa que não haverá garantia de que o benefício atingirá determinado patamar. O valor da aposentadoria será consequência do que for poupado e do rendimento da aplicação dos recursos.
O impacto negativo no curto prazo – a cifra total o governo não divulgou – tem a ver com a parcela de contribuição do empregador, ou seja, da União, para o novo regime e a transição em relação ao modelo atual. No atual regime, os servidores contribuem com 11% sobre o salário e a União, com 22%. Mas como o regime é de caixa (não há acumulação de reserva), na prática, a União não desembolsa a sua parte. Tanto a parte do servidor ativo quanto a da União vão imediatamente para o pagamento das aposentadorias já concedidas. Ainda assim, o regime em vigor é deficitário, pois a despesa com aposentadorias supera a receita de contribuições. Para 2007, esse déficit é estimado em R$ 24,27 bilhões.
No novo regime, os salários superiores ao teto da Previdência serão divididos em dois para efeitos de contribuição. Até R$ 2,8 mil, nada muda. Sobre essa parcela o servidor continuará recolhendo 11% para a União e ajudando, portanto, a bancar o benefício de quem já está aposentado.
A diferença refere-se à parcela excedente. A União perde receita, porque a contribuição paga pelo servidor ativo sobre essa outra parte do salário irá para o fundo de previdência complementar, numa conta individualizada, para formar a respectiva reserva. Ou seja, não poderá mais ser usada pelo governo para pagar os atuais inativos.
A contribuição da União sobre essa mesma parcela do salário, que na prática não era desembolsada como tal, também terá que ir para a conta individualizada do servidor ativo no novo fundo, igualmente deixando de custear as aposentadorias atuais. Na prática, isso equivale a elevação de despesa.
Quanto maior a alíquota, maior será esse gasto. Por isso, a contribuição da União para o regime complementar será limitada a um percentual inferior a 11%. O Ministério do Planejamento propôs 7,5%. Mas, justamente por causa da preocupação com o impacto fiscal de curto prazo, essa é outra questão ainda indefinida no projeto, que está sob análise da Casa Civil da Presidência da República.
Com essa alíquota, só a contribuição da União para os novos servidores geraria gasto adicional de R$ 20 milhões no primeiro ano, valor que subiria nos anos seguintes, chegando a R$ 133 milhões no quarto ano, pelo ingresso de pessoal novo. Não está nessa conta a parte do servidor, aquela que equivalerá a perda de receita e cuja estimativa não foi divulgada.
O impacto referente aos funcionários novos, no entanto, responderá possivelmente por uma pequena parte da custo fiscal de transição para o novo regime, que vai depender principalmente do grau de adesão dos servidores atuais. Os que já estão ou entrarem no serviço federal antes do novo regime não estarão sujeitos ao teto de aposentadoria. Por isso, a maioria não deverá aderir. Para os mais recentes, porém, poderá valer a pena, dependendo da alíquota.
No caso dos servidores atuais, há um terceiro aspecto a ser considerado no custo fiscal, além do destino das futuras contribuições de ambos os lados. Trata-se da contribuição do tempo passado de serviço, que também terá que ir para a reserva individual no novo fundo. Essa deverá ser a parte mais pesada da conta da transição e, por isso, possivelmente será paga em títulos públicos, e aos poucos.
Mônica Izaguirrre
Valor Econômico
29/1/2007
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