Funcionários públicos acusam empresas de acessarem, irregularmente, o Sistema de Administração de Recursos Humanos para conceder crédito

E mpresas que oferecem crédito consignado aos servidores públicos federais podem estar se beneficiando das informações sigilosas desses tomadores para alongar, de forma irregular, prazos de empréstimos. Funcionários que recorreram ao desconto em folha nos últimos meses desconfiam que o Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape) seja a porta de entrada para a coleta de dados financeiros.

Sua utilização deveria ser individual e intransferível, mas há quem duvide disso. “É um absurdo o que estão fazendo. Entram para espionar a vida da gente e o próprio servidor, às vezes, fica impedido de acessar o Siape”, acusa um funcionário do Ministério da Justiça, cedido para um alto órgão da administração direta. Assim como ele, outros servidores do Executivo se queixam do mesmo problema. “Não dá para confiar. Eu não acredito que sou o único a ver meu contracheque”, diz um técnico da Controladoria-Geral da União (CGU).

O suposto invasor não precisa de muito esforço para alterar as condições de ingresso do servidor ao site do Siape. Quando assina o termo de adesão ao empréstimo consignado, o tomador repassa cópias da identidade e do contracheque. Esses documentos trazem todas as informações que o sistema exige para permitir a navegação. Com os dados necessários, uma pessoa estranha consegue criar um novo nome de usuário e senha. “Eles entram e ficam errando a senha da gente até cancelar ou bloquear. Se isso acontece, o computador pede a criação de uma nova e depois libera o acesso”, explica o servidor.

Para Carlos Pio, presidente da Federação dos Servidores Públicos de Brasília, entidade que representa funcionários do Governo do Distrito Federal (GDF) e da União, o Ministério do Planejamento precisa encontrar formas de proteger o servidor e dar maior segurança ao Siape. “Existe uma certa fragilidade do sistema. Não é possível que qualquer um, com o mínimo de informações, possa entrar e vasculhar a vida do servidor”, afirma.

Pio alerta que o funcionalismo precisa ficar atento a bisbilhotagem e aconselha que, ao menor sinal de violação de privacidade, o trabalhador deve procurar o órgão de origem e denunciar o mais rápido possível.

A supervisão e coordenação, além da manutenção do sistema, são de responsabilidade da Secretaria de Recursos Humanos (SRH), ligada ao Planejamento, que não atendeu ao pedido de entrevista do Correio sobre crédito consignado.

 

Marcação cerrada

Servidores que tiveram prazos de dívidas alongados afirmam que são as maiores vítimas dessa prática. Com a autorização dos titulares, o Correio analisou 10 contracheques. Em alguns deles as prestações consignadas foram diluídas em mais vezes do que o combinado inicialmente entre os servidores e as empresas de crédito. Coincidência ou não, os mesmos trabalhadores tiveram acessos bloqueados ao Siape e foram obrigados a refazer senhas para conseguir conferir dados funcionais.

A repactuação ocorre porque, em geral, não há mais margem consignável que comporte a prestação do valor do empréstimo — por decreto, o desconto em folha só pode comprometer até 30% do salário. A inclusão de uma pensão alimentícia ou o aumento dos gastos com co-participação em plano de saúde, por exemplo, “come” a margem consignável do servidor antes que a prestação do empréstimo seja debitada. Dessa forma, o valor da parcela precisa necessariamente cair e o tempo de pagamento, aumentar.

Mas não é só isso. Servidores de alguns órgãos denunciam ainda que, conforme o pagamento do consignado vai terminando, as empresas de crédito oferecem novos empréstimos. “Isso acontece porque eles (as empresas) acompanham a nossa margem consignável mês a mês. Se aparece uma folga no contracheque, eles telefonam ou mandam cartas para a casa das pessoas”, reforça um servidor do Ministério da Fazenda.

Luciano Pires  – Correio Braziliense 

6/8/2007