O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vive o dilema de vetar ou sancionar o projeto que torna obrigatório o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para empregados domésticos. Mas especialistas sugerem que, apesar da dificuldade política, o governo tem ótima oportunidade para rediscutir a regulação das relações de trabalho e, principalmente, a real utilidade do FGTS e a alta rotatividade da mão-de-obra. Assim, argumentam, há mais possibilidades a serem consideradas do que apenas escolher entre irritar a classe média ou frustrar quase 6 milhões de trabalhadores.
Representantes do governo, de empregadores e empregados domésticos voltam a se encontrar hoje para tentar chegar ao consenso. O Executivo acenava, desde quinta-feira, com uma solução que mantenha os recolhimentos do FGTS, mas evite a multa de 40% nas rescisões de contratos.
O professor do Instituto de Economia da Unicamp, Marcio Pochmann, afirma que a classe média brasileira gasta mais com serviços telefônicos do que com empregado doméstico. Portanto, acha difícil avaliar se a obrigatoriedade do FGTS para esses trabalhadores vai provocar mais informalidade ou desemprego.
“Tornar obrigatório o FGTS para os trabalhadores domésticos vai aumentar a burocracia para quem precisa dessa mão-de-obra. Politicamente, vetaria a medida. Mas é urgente discutir o regime do FGTS. Ele nunca serviu para reduzir a alta rotatividade”, defende o economista.
Na análise de Pochmann, a liberdade de demitir desqualifica a mão-de-obra, prejudica o planejamento das empresas e reduz a produtividade. “Defendo mais compromisso nas relações de trabalho”, afirma.
Em 2004, o Brasil tinha cerca de 6 milhões de empregados domésticos, sendo que apenas 30% deles tinham registro em carteira. O emprego formal aumentou 10% entre 2002 e 2005, mas a massa salarial cresceu apenas 1% nesse período.
Na prática, Pochmann diz que o FGTS acabou liberando a alta rotatividade no emprego. No Brasil, segundo ele, a rotatividade é de 42%, taxa duas vezes maior que a dos EUA, um dos mercados de trabalho mais liberais do mundo.
A relação de trabalho dos domésticos, na análise de Pochmann, é “estruturalmente informal”. O professor diz que ela não se encaixa no conceito de emprego capitalista e os países mais desenvolvidos não têm tanto espaço para esse segmento. Nessa interpretação, o trabalho doméstico não tem a racionalidade da empresa que decide contratar ou demitir em função da relação entre custos e ganhos. “O trabalho doméstico é conseqüência da falta de serviços públicos, principalmente creches, para atender às necessidades das famílias”, diz o professor da Unicamp.
O economista e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Pastore afirma que o FGTS causa mais problemas que soluções e ainda estimula a rotatividade da mão-de-obra. Essas normas, na sua opinião, fazem com que os trabalhadores esperem pela rescisão do contrato para poderem usar o dinheiro depositado, o que é “insólito”.
O custo do FGTS e da multa de 40% na rescisão sem justa causa é, na opinião de Pastore, quase insuportável para micro e pequenas empresas. O que acaba ocorrendo com o FGTS é um prêmio à informalidade e a redução da oferta de emprego. No caso dos empregados domésticos, a situação é ainda mais aguda.
“O mais equilibrado seria reduzir o custo do trabalho para os empregadores. O salário custa 103,46% do seu valor para o empregador. Se forem diminuídas as despesas de contratação e a alta rotatividade, os salários poderiam ser maiores”, propõe Pastore.
Ele defende três princípios básicos para uma reforma trabalhista no Brasil. O primeiro deles é o fim do FGTS, com a ampliação do seguro-desemprego. O segundo pilar é estimular as negociações entre capital e trabalho. Atualmente, representantes de empregados e empregadores somente podem negociar o valor dos salários e a participação nos lucros. Por fim, o professor considera indispensável obedecer à previsão constitucional de tratar de maneira diferente as micro e pequenas empresas. A lei trabalhista não pode ser única para todas as empresas.
O FGTS, na interpretação de Pochmann, é algo “mal resolvido”. Suas normas foram criadas em 1967, num momento de intenso ataque à estabilidade no emprego para os trabalhadores que tinham dez anos de contrato. No fim dos anos 60, uma série de fusões e aquisições movimentou as empresas e, consequentemente, os executivos preocupavam-se mais com os custos da mão-de-obra. Além disso, havia um terceiro fator. Algumas multinacionais estavam completando dez anos no Brasil e não queriam perpetuar o regime da estabilidade no emprego. Elas pressionaram e ganharam a briga contra a rigidez do trabalho.
A Justiça do Trabalho recebe, anualmente, 2,2 milhões de ações. Pochmann pergunta como o país deve enfrentar esse clima de insatisfação geral. Nas relações trabalhistas, empregados não confiam em seus empregadores e o mesmo ocorre com quem contrata.
Arnaldo Galvão
Valor Econômico
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