Polícia Federal muda estratégia e aperfeiçoa ação com prisões de impacto
A Polícia Federal tem hoje a cara da PF e não mais a dos delegados que conduzem as investigações. Ao contrário de um passado recente, os delegados e o próprio diretor-geral da PF não aparecem na mídia e são pouco conhecidos pela população. O atual diretor-geral da instituição, Paulo Lacerda, é avesso à mídia. Numa das raras vezes que concedeu entrevista, desde que assumiu em 2003, Lacerda disse ao Caderno Brasília que o órgão deixou de ser uma caixa-preta e mudou a relação com a mídia, mas evitando a superexposição dos delegados da PF.
Prova disso é que, ao contrário de alguns dos seus antecessores, Lacerda não tem ambições políticas. Romeu Tuma, por exemplo, que foi diretor-geral de 1985 a 1992, elegeu-se senador por São Paulo por causa da sua grande exposição na mídia durante sua gestão. Dois diretores no Governo Fernando Henrique Cardoso, Vicente Chelotti e Agílio Monteiro Filho, candidataram-se a deputado em 2002.
Lacerda garante ainda, que, apesar das críticas da oposição, não há mais espaço para interferências políticas na PF. Denúncias de uso político da PF são recorrentes. No Governo Itamar Franco, quando o diretor-geral do órgão era o coronel Wilson Romão, houve o caso da conta-fantasma aberta em nome de Hugo Tavares Freire Filho, no Citibank de Salvador, que movimentou cerca de US$ 4 milhões no período da eleição que levou Antonio Carlos Magalhães ao Governo da Bahia. A PF tinha informações que ligavam a conta à campanha do governador, mas não conseguia avançar na investigação.
Para comandar o inquérito, foi designado para Salvador o delegado Roberto das Chagas Monteiro, um dos mais qualificados da PF, que obteve a cópia do cheque que abriu a conta. Menos de 24 horas depois, Monteiro foi afastado do caso. Romão teria reagido a um ameaçador telefonema de ACM, exigindo o afastamento.
Em 1993, também no Governo Itamar, outro diretor-geral do órgão, Amaury Galdino, foi acusado de ter usado um dossiê contra o então ministro da Justiça, Maurício Corrêa, que teria recebido doação irregular de campanha da comunidade palestina de Brasília, quando era candidato ao Senado. Mas a Justiça acabou arquivando a denúncia.
No Governo FH, três casos de afastamento de delegados que investigavam casos rumorosos, Deuler Rocha (privatização da Telemar), Deuselino Valadares (Sudam) e José Francisco de Castilhos Leite (lavagem de dinheiro por meio de contas CC-5), foram apresentados como exemplos do uso político da PF. Na atual gestão, a oposição também fez esse tipo de acusação e até membros do Governo. Quando era ministro da Casa Civil, José Dirceu teria dito que a Polícia Federal era tucana. Na Operação Sentinela, em 2004, por exemplo, Dirceu, o então líder do Governo na Câmara, Professor Luizinho (PT-SP), e o então ministro da Comunicações, Eunício Oliveira, reclamaram da ação da PF. A investigação foi deflagrada para desarticular uma quadrilha que fraudava licitações realizadas pelo Tribunal de Contas da União e atingiu empresas de Eunício.
Por sua vez, o PSDB e o PFL acusaram a PF de querer prejudicar a oposição. Uma das reclamações mais recentes é em relação à Lista de Furnas, que comprovaria um suposto caixa 2 tucano na estatal. Outra crítica é a investigação sobre as denúncias contra Waldomiro Diniz, ex-assessor de Dirceu na Casa Civil, que até hoje não foi concluída. A Operação Narciso, para apurar crime de sonegação fiscal da Daslu, a butique mais chique do país, foi apontada pela oposição como uma forma de desviar a atenção das denúncias de corrupção no Governo, já que foi realizada no auge do escândalo do mensalão.
Gente graúda foi para a cadeia
Nos últimos 4 anos, a PF realizou 159 operações que resultaram na prisão de 2.663 pessoas. Entre elas estão juízes, ex-governadores, delegados, servidores públicos e empresários. O diretor-geral, Paulo Lacerda, destacou que, hoje, os “homens de sandália” não são os únicos a irem para a cadeia. Em 2003, a Operação Anaconda prendeu dois delegados, um agente da PF e quatro empresários. Eles atuavam na intermediação de sentenças judiciais favoráveis. No mesmo ano, 53 pessoas foram presas por desvio de dinheiro público com a Operação Praga do Egito. Entre eles, estava o ex-governador de Roraima Neudo Campos. Já a Operação Vampiro, deflagrada em 2004, revelou fraudes na licitação de hemoderivados do Ministério da Saúde. Grandes empresários também foram alvo das investigações da PF. Mais de 70 pessoas foram presas pela Operação Cevada por sonegação fiscal, que beneficiou a empresa Schincariol em R$ 1 bilhão nos últimos cinco anos. O mesmo aconteceu com a luxuosa loja Daslu, que, conforme as investigações, também sonegou impostos. Recentemente, a Operação Sanguessuga desarticulou uma quadrilha que fraudava a compra de ambulâncias com verbas públicas. Foram efetuadas 48 prisões, entre as quais estavam ex-parlamentares, funcionários do Ministério da Saúde e da Câmara dos Deputados.
Entrevista – Paulo Lacerda por Otto Sarkis e Renata Chamarelli
“Saímos da caixa-preta para a superexposição institucional”
As operações da Polícia Federal (PF) têm mostrado que todos são iguais perante a lei. A avaliação é do diretor-geral da PF, Paulo Lacerda. “Tinha no Brasil a história que só o homem de sandália é preso. Hoje não, seja quem lá for, está sendo alvo de investigação”, afirma.
Lacerda informa que não está garantida sua permanência no cargo caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja reeleito. “Existe a possibilidade de me aposentar”, aponta.
O diretor-geral garante ainda que nunca recebeu pressão para não investigar autoridades do Governo, como os ex-ministros José Dirceu e Antônio Palocci. “Não existe mais espaço para isso”, assegura. Lacerda nasceu em Anápolis (GO), tem 60 anos e é formado em Direito pela Faculdade Cândido Mendes (RJ). Trabalhou quinze anos como bancário, vinte como delegado da Polícia Federal e seis como assessor especial no Senado. Ingressou na PF em 1975 e concluiu na Academia Nacional de Polícia Federal, em Brasília, o curso de delegado, em 1977. Ganhou notoriedade quando presidiu o principal inquérito sobre o esquema PC Farias no Governo Fernando Collor. Foi diretor da Divisão de Polícia Fazendária da Coordenação Central de Polícia e da Divisão de Disciplina da Corregedoria Geral da PF, em Brasília; diretor da Divisão da PF em Ponta Porã (MS); delegado-executivo da PF em Nova Iguaçu (RJ); chefe da Delegacia de Polícia Fazendária no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte; e superintendente regional da PF em Rondônia.
O senhor está se preparando para uma segunda gestão de 4 anos? Já foi sondado sobre a possibilidade de continuar no cargo se o presidente Lula for reeleito?
Não. Eu tenho o compromisso de permanecer na diretoria da Polícia Federal até o final deste mandato e não fui sondado sobre isso. Existe a possibilidade de me aposentar. Mas ainda não estou pensando nisso. Não planejei nada em relação a isso. Vamos deixar as coisas acontecerem.
A oposição sempre criticou possíveis interferências políticas nas investigações da Polícia Federal. Uma foi no caso do publicitário Duda Mendonça, que foi flagrado em briga de galo e em seguida o delegado responsável foi afastado. Aquilo foi uma pressão do Governo?
De forma alguma. Aquele caso é um exemplo da não-interferência política, porque o Duda Mendonça foi autuado em flagrante e o delegado agiu dentro do âmbito da sua atribuição. O que aconteceu foi que posteriormente a essa ação do delegado, no âmbito da superintendência no Rio de Janeiro, as atitudes dele estavam um tanto quanto midiáticas. Não houve nenhum tipo de ingerência nesse período.
E a investigação sobre a Lista de Furnas, continua?
A investigação do inquérito de Furnas diz respeito a irregularidades na gestão da empresa, inicialmente denunciadas pelo Roberto Jefferson. É um universo bem mais amplo. Depois do início do inquérito, surge um denunciante (o lobista Nilton Monteiro) que traz uma cópia de um documento (um suposto caixa 2 para o PSDB). No primeiro momento, foi verificada uma certa dificuldade em estabelecer a autoria do documento, porque era uma xerocópia. Mais recentemente, a mesma pessoa apresentou à Polícia Federal o original. Esse documento foi visto como autêntico. Então aquele ex-diretor de Furnas (Dimas Toledo) foi quem assinou aquele documento. Isso é uma verdade. Agora, ainda não está comprovada a autenticidade do conteúdo do documento e nem porque ele assinou. Dentro do inquérito que apura uma série de situações em Furnas, existe essa lista, que é um elemento a mais. Neste cenário que vivenciamos, sempre temos que ter cautela, especialmente nesse momento eleitoral, quando as coisas podem ser usadas indevidamente. Não existe esse fato de que o inquérito parou. O inquérito que apura as irregularidades de Furnas, que não as específicas daquela lista, continua correndo no Judiciário, sob a supervisão do Ministério Público.
E o inquérito sobre o mensalão, pode levar ao indiciamento do presidente Lula se ficar provado que ele sabia?
Não. Esse caso do mensalão já tem uma denúncia do procurador-geral da República. Aquele é o universo da investigação. O procurador-geral entendeu que era preciso requisitar algumas novas diligências para esclarecer alguns pontos. Aí foram ouvidas outras pessoas. Não existe nenhum fato novo em relação a esse assunto.
As CPIs ajudaram a Polícia Federal?
Sempre ajuda. Qualquer tipo de investigação é sempre um caminho para dar mais transparência, para a sociedade saber o que está acontecendo. Neste último ano, o que não faltaram foram investigações. Não se pode reclamar que tenha havido algum tipo de interferência para não haver investigações.
A CPI dos Sanguessugas questiona o sigilo de Justiça no caso. Se os nomes forem revelados, pode atrapalhar a investigação da Polícia Federal?
Sob o ponto de vista da Polícia Federal, não. O segredo visa a preservar os parlamentares envolvidos, que poderão ter seus nomes execrados publicamente num ano eleitoral mesmo se as denúncias contra eles não forem comprovadas. A investigação da Polícia Federal, junto com o Ministério Público de Mato Grosso, praticamente esclareceu os fatos. Como não poderíamos investigar parlamentares sem a autorização do Supremo Tribunal Federal, não entramos nessa questão. Mas agora, depois da anuência do STF, estão sendo abertos os inquéritos especificamente para apurar isso.
Alguns escândalos da corrupção envolveram ex-ministros poderosos, como José Dirceu e Antônio Palocci. Houve pressão sobre a PF para protegê-los?
Pelo contrário. Quem acompanha o trabalho da Polícia Federal sabe como as investigações andam. O delegado que presidiu um desses inquéritos disse recentemente que eu fiquei sabendo de alguns depoimentos só depois. O único meio de pressão viria por meu intermédio. Hoje temos uma maneira de trabalhar na PF que, com certeza, se houvesse qualquer tipo de pressão, os delegados e os agentes iriam tomar alguma atitude. Não existe mais espaço para isso.
No caso da quebra de sigilo do caseiro Francenildo Costa, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, foi acusado de agir como advogado de defesa do ministro Palocci, que teria acionado a Polícia Federal para desmoralizar o caseiro. O ministro Palocci pediu ao senhor pessoalmente para fazer essa investigação?
O ministro Márcio Thomaz Bastos já deu as explicações dele. Nunca tive nenhum contato com o Palocci e com nenhum investigado. Ele também não me procurou. A apuração da Polícia Federal nesse caso, ao invés de levantar algum tipo de suspeita, só pode ser vista com algo exemplar. Foi a Polícia Federal que rapidamente desvendou todo esse episódio. O que houve foi que logo depois surgiu a informação do dinheiro depositado na conta do caseiro e o delegado da Polícia Federal queria saber a origem do dinheiro. Eu teria feito o mesmo. A investigação tinha dois focos: a origem do dinheiro e quem foi que violou o sigilo. Em relação ao dinheiro, o Ministério Público entrou com um habeas corpus em favor do caseiro para que a Polícia Federal não o investigasse, mas a Justiça não concedeu. Isso foi até positivo, porque o delegado acabou investigando e descobriu que não havia nada de irregular no dinheiro.
As operações da Polícia Federal às vezes são criticadas por serem um show para a mídia, até pelos nomes delas. Como o senhor responde?
Quando assumi a Polícia Federal fui me informar o que o novo Governo pensava da PF. Verifiquei o programa de Governo e a parte de segurança pública dizia que a Polícia Federal era uma verdadeira caixa-preta e ninguém sabia o que acontecia dentro dela. Então procuramos dar uma nova estrutura na área de comunicação social. Verifiquei uma falta de relacionamento institucional com a mídia. A partir daí, começa uma relação diferente com a mídia. Poucas pessoas sabem quem são os delegados e os superintendentes da Polícia Federal. Não queremos personalizar nosso trabalho. Eu não gosto de aparecer na mídia. Nós tivemos uma atuação que muda bastante a sistemática que vinha sendo adotada. Tinha no Brasil a história que só o homem de sandália é preso. Ninguém fala mais sobre isso, mas é claro que isso não é um mérito exclusivo da Polícia Federal. Saímos da caixa-preta para a superexposição, mas uma superexposição institucional, não das pessoas. Nós não queremos ninguém da Polícia Federal que esteja se exibindo para tirar proveito. Quem dá os destaques para a operação é a mídia. As polícias sempre usam um nome para a operação para falar com alguém sobre o assunto para que a investigação não vaze. As grandes operações são uma nova metodologia da Polícia Federal: ao invés de prender uma pessoa isoladamente, fazer a investigação completa e depois pedir a prisão de um grande grupo. Com isso, passou a chamar a atenção da mídia.
Uma operação que causou polêmica foi na Daslu.
Essa operação tinha que ser feita, porque é uma grande caso de sonegação e evasão. Tanto a Polícia Federal estava certa que eles estão sendo processados e tem gente presa. Não dá para imaginar que a Justiça, num país democrático, esteja prendendo indevidamente alguém que não cometeu crime. O impacto que se deu não é culpa nossa, mas da mídia. Naquela operação, até ocorreu um fato curioso. Quando a Polícia Federal foi para aquele local com aquele aparato, já que tinha muitas seguranças que normalmente reagem, o pessoal que mora numa favela perto começou a correr, porque a polícia normalmente vai para lá. Depois eles ficaram surpresos que era na Daslu. A operação demonstrou que todos são iguais perante à lei.
O senhor considera que a impunidade tem diminuído no país?
Acho que sim. A questão da corrupção existe no Brasil desde a descoberta, só que as coisas ficavam restritas a certos segmentos. Hoje não, seja lá quem for, está sendo alvo de investigação.
O combate à corrupção, que é a marca da sua gestão, deveria ser a marca da Polícia Federal?
Acho que essa marca vai continuar, independente de quem esteja aqui. É importante que esse trabalho seja realizado da mesma forma que tem sido feito, numa integração com outros órgãos, como o Ministério Público, o Judiciário, a Controladoria Geral da União, a Receita Federal e o Ibama. Todas as CPIs que aconteceram nesse período a Polícia Federal colaborou, fornecendo servidores para atuar.
A autonomia da Polícia Federal depende da questão orçamentária. Como isso se deu no atual Governo?
Esse foi um aspecto positivo. Nós nos modernizamos bastante nesse período. Hoje a Polícia Federal tem um instituto de criminalística que é o melhor da América Latina e um dos melhores do mundo, com equipamentos de ponta, que poucas polícias do mundo têm. Houve boa vontade do Governo. Aumentamos o efetivo enormemente. Quando assumimos, no início de 2003, tínhamos menos de 7 mil policiais. Hoje estamos com cerca de 10 mil. Até o final do ano que vem, teremos 12 mil policiais e um total de 15 mil servidores. É praticamente o dobro do que pegamos. Havia uma preocupação muito grande com isso, porque era uma geração já envelhecida que estava se aposentando. A Polícia Federal ganhou muito nesse período, sem desmerecer os outros Governos. Acabamos de receber um avião Embraer 145, de 50 lugares, que será usado nas operações. Temos utilizado aviões da Força Aérea. A Polícia Federal acabou se especializando tanto na questão da inteligência como do planejamento operacional. Já deixei de aceitar um convite para assumir a Polícia Federal, em 1993, porque ela estava numa situação de penúria.
por Rafael Paixão e Renata Chamarelli / Jornal Hoje em Dia – Caderno Brasília
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