Polícia Federal investiga se parte dos R$ 1,7 milhão apreendidos com petistas veio de bicheiros ou de caixa 2 de campanha
Cuiabá — A Polícia Federal suspeita que parte do dinheiro arrecadado por petistas para a compra do dossiê contra o PSDB tenha origem em bancas do jogo do bicho no Rio. A linha de investigação foi debatida ontem durante encontro entre quatro integrantes da CPI dos Sanguessugas e o delegado Diógenes Curado, encarregado de desvendar de onde saíram os R$ 1,7 milhão (em notas de dólares e reais) que seriam usados na negociação do material que pudesse comprometer tucanos com os sanguessugas. Os policiais também não descartaram a hipótese de que a procedência dos recursos seja de caixa 2 de campanha.
Duas tiras de papel encontradas com os R$ 1,1 milhão e os US$ 248,8 mil que estavam em poder de Valdebran Padilha e Gedimar Passos, em São Paulo, chamaram a atenção dos investigadores. Elas trazem anotações de valores e fazem referência a duas localidades no Rio: Duque de Caxias e Campo Grande. Ao lado de cada nome, havia ainda um número que a polícia acreditava se referir a bancos (118 e 119, respectivamente). Após pesquisar a rede bancária, a PF constatou que não existem tais números. Com isso, ganhou força entre os policiais a tese de que o dinheiro tenha origem no jogo do bicho. Também não foram descartadas outras fontes de recursos, como casas de bingo.
A forma como o dinheiro foi encontrado também fez aumentar a desconfiança: boa parte em notas velhas e miúdas, de R$ 5 e R$ 10. “Essa foi uma operação digna de concorrer ao prêmio Nobel de burrice”, desabafou o deputado Paulo Rubem Santiago (PT-PE), um dos sub-relatores da CPI ao receber do delegado Diógenes Curado um panorama das investigações. Como integrante do partido, não lhe restou outra alternativa: cobrar explicações do presidente afastado da legenda. “Por maior ou menor grau de envolvimento, ele, como presidente do partido deveria ter abortado essa operação”, afirmou o pernambucano.
Contabilidade
Além de Rubem Santiago, os deputados Carlos Sampaio (PSDB-SP), Júlio Delgado (PSB-MG) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), todos sub-relatores da CPI dos Sanguessugas, estiveram em Cuiabá. Eles visitaram o juiz Jeferson Schneider, responsável pelo caso na Justiça Federal, e o procurador da República Mário Lúcio Avelar, além da PF. Delgado afirmou que, durante a reunião, o delegado Diógenes Curado explicou que não terá condições de detectar a origem de boa parte do dinheiro porque não é oficial, não tem contabilidade. “Até para comprar dossiê, o PT usou caixa 2”, disse o deputado.
Carlos Sampaio também saiu das reuniões convencido de que a origem do R$ 1,7 milhão “é ilícita e não declarável”. O deputado tucano quer a convocação de Ricardo Berzoini , ex-presidete do PT, e os petistas envolvidos no escândalo para que se expliquem na CPI. Paulo Rubem Santiago, por sua vez, defendeu a ida de Abel Pereira, empresário de Piracicaba (SP) ligado ao tucano Barjas Negri, sucessor de José Serra no Ministério da Saúde. Pereira é acusado de receber propina do empresário Luiz Antônio Vedoin em troca de tráfico de influência na pasta.
Na investigação que tenta identificar quem comprou dólares que foram entregues a Valdebran e Gedimar, a PF realizou nas duas últimas semanas um pente-fino em operações cambiais realizadas no Rio, São Paulo, Curitiba e Florianópolis. A pesquisa foi feita a partir de um lote de US$ 15 milhões que entraram no Brasil legalmente, por intermédio do Banco Sofisa. Dos US$ 248,8 mil apreendidos com os dois petistas, US$ 110 mil estavam distribuídos em notas seriadas e foi possível saber com as autoridades norte-americanas por onde elas chegaram ao país. A partir daí, porém, a apuração se complicou porque as instituições financeiras para as quais o dinheiro foi revendido, entre elas casas de câmbio e agências de turismo, não fazem controle de vendas por números de série.
VERSÃO PETISTA
Em defesa entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no caso do dossiê, o ex-assessor especial da Presidência Freud Godoy argumentou que não há indícios de sua participação no episódio. Ele afirmou que a empresa de segurança, em nome de sua mulher, foi procurada para prestar serviços para a campanha do presidente Lula e, por isso, manteve contatos telefônicos e se encontrou com o advogado Gedimar Passos. Mas todos contatos versaram sempre sobre assuntos relacionados ao serviço a ser prestado.
Mais sigilos quebrados
Chegou a 650 o número de sigilos telefônicos que a Polícia Federal quer ter acesso para investigar a origem dos R$ 1,7 milhão que seriam usados para a compra de informações contra integrantes do PSDB. Os pedidos serão analisados pelo juiz Jeferson Schneider, responsável pelo caso na Justiça Federal do Mato Grosso. Por determinação judicial, os policiais já haviam tido acesso a informações sobre outros 70 telefones.
São números que apareceram nos extratos telefônicos das pessoas envolvidas até aqui no escândalo, entre elas Hamilton Lacerda, ex-coordenador de comunicação da campanha do candidato derrotado do PT ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante. Hamilton é apontado pela PF como o “homem da mala”, depois de ter sido flagrado pelas câmaras de hotel em São Paulo, onde os recursos foram encontrados. Ele carregava uma mala, reconhecida por Valdebran Padilha como a que teria sido usada para carregar o dinheiro.
A análise das chamadas recebidas e realizadas pelos suspeitos inclui os 30 dias que antecederam a apreensão, em 15 de setembro. A PF cruzará os números suspeitos com os dados entregues pelo Banco Central sobre as operações de casas de câmbio suspeitas de movimentar US$ 110 mil dos US$ 248 mil apreendidos na negociação do dossiê.
Com isso, espera-se chegar a um pequeno grupo de pessoas que possa ter feito os saques. No rastreamento da quantia, a Justiça Federal decretou, no início das investigações, a quebra dos sigilos bancários de agências do Bradesco, BankBoston, Safra, Banco do Brasil e Sofisa em Brasília, Rio e São Paulo.
Marcelo Rocha
Correio Braziliense
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