Férias de controladores de vôo serão suspensas e funcionários, remanejados
Mudanças foram fechadas em reunião com a presença do presidente Lula, mas não há garantia de que os problemas serão resolvidos
No dia em que o atraso e cancelamento de vôos e os transtornos de passageiros atingiram todos os principais aeroportos do país, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou ontem as principais autoridades do setor. Ao final do encontro, o governo divulgou apenas que “tem esperanças” de que a situação volte ao normal nas próximas semanas.
Mais algumas medidas foram tomadas para tentar reverter a crise: mudança de rotas para evitar o congestionamento na área do radar de Brasília -o que poderá aumentar o tempo desses vôos-, suspensão das férias e abertura de concurso para controladores de vôo e a criação de uma “cooperativa” com representantes de empresas aéreas, controladores de radar e funcionários da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Caberá a essa cooperativa decidir em tempo real as prioridades de decolagens e eventuais fusões de vôos para diminuir o tráfego.
Segundo o presidente do Snea (Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias), George Ermakoff, “a qualquer sinal de problemas, as empresas aéreas poderão se antecipar aos fatos.”
Os ministros Waldir Pires (Defesa) e Dilma Rousseff (Casa Civil) analisaram a crise no setor ontem com o comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos Bueno, o presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, e o presidente da Anac, Milton Zuanazzi, no Palácio do Planalto. “Estou preocupadíssimo com o feriadão”, sintetizou Pereira, minutos antes da reunião. Ele disse ainda que cancelou um vôo que faria a Belo Horizonte. “Amanhã [hoje] eu tenho que estar às 5 da tarde no Rio. Por isso vou chegar às 6 da manhã no aeroporto”, disse.
A crise no setor aéreo teve início na semana passada, quando os controladores de vôo de Brasília iniciaram uma operação-padrão: elevaram a distância entre os aviões e reduziram o número de aeronaves vigiadas por controlador.
Um controlador de vôo afirmou ontem que a mobilização em Brasília já influenciou operadores de tráfego de outras regiões do país, como no Sul.
Algumas das medidas, como a cooperativa, seriam testadas já no final do dia de ontem e durante a intensa movimentação nos aeroportos hoje, véspera do feriado de Finados.
Na segunda-feira, o governo já havia impedido os vôos não-regulares, como jatos executivos e aviões particulares, nos horários de pico -a medida, porém, não surtiu efeito.
As restrições impostas pela Aeronáutica para aviões de pequeno porte e jatos executivos provocou a mobilização de empresas de táxi aéreo, que, afetadas pela medida, mantiveram contatos com autoridades da aviação e se diziam otimistas com um provável recuo do governo ainda nesta semana.
O superintendente do sindicato das empresas de táxi aéreo, Fernando Alberto Santos, disse que os clientes foram informados que os serviços teriam acréscimo de até 15% por conta de desvios das rotas originais de forma a evitar as áreas de tráfego mais movimentadas.
No médio prazo, os controladores da ativa tiveram suas férias suspensas e operadores da reserva ou afastados da função vêm sendo convidados pela Aeronáutica. Houve também remanejamento de militares especializados para Brasília, onde passam por treinamento de adaptação ao equipamento local. A Aeronáutica abrirá concurso para 208 vagas.
Também foram abertos corredores especiais para as principais rotas do país. Os vôos com origem ou destino em São Paulo, Rio e Belo Horizonte terão um corredor livre para que possam “sair do caldeirão”.
Os aviões que circularem entre São Paulo, Rio e as cidades do Nordeste, por sua vez, trafegarão por uma rota especial aberta sobre o oceano Atlântico. Essa medida tornará as viagens mais longas e gerará um gasto de combustível maior para as companhias aéreas.
As viagens entre o Sul e o Nordeste serão feitas por uma rota também especial criada sobre o Estado de Mato Grosso.
A Aeronáutica estuda opções para elevar o salário dos controladores sem criar efeito cascata para os demais militares.
Ministro afirma que crise tem fundo “emocional” e pede ânimo“No fundo, é uma crise de natureza emocional” por que passam os controladores de tráfego aéreo hoje, causando atrasos em todos os aeroportos do país, no diagnóstico elaborado ontem pelo ministro da Defesa, Waldir Pires. Para resolver o problema, pediu “ânimo”.
“Pedi a eles ânimo, que vencessem suas tensões íntimas”, relatou o ministro da Defesa sobre a reunião de duas horas que manteve com operadores de radar de Brasília.
A tensão se deve ao impacto do maior acidente da aviação civil nacional, quando 154 pessoas morreram no vôo 1907 da Gol, no dia 29 de setembro.
Nenhum dos funcionários, porém, se comprometeu a interromper a operação-padrão, na qual aumentam a distância entre os aviões, para incrementar a segurança, resultando em atrasos de horas nos principais aeroportos do país.
A operação continua hoje, véspera do feriado de Finados? O governo dará aumento de salário ou redução da jornada diária aos operadores? Quando a situação se normaliza? A nenhuma dessas perguntas o ministro soube responder.
“Somos desejosos de que essa normalidade seja possível o mais breve. Todo nosso esforço e expectativa é de que o transporte aéreo funcione na normalidade”, afirmou Pires, em entrevista concedida após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a colega Dilma Rousseff (Casa Civil) e autoridades de aviação.
Lula teria cobrado soluções, sempre segundo a narrativa do ministro. “Ele quer que façamos o máximo para o pleno restabelecimento dos vôos da população”.
Encontro
O ministro Waldir Pires tem reunião hoje de manhã com Jorge Carlos Botelho, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo, entidade que representa os controladores civis.
Mas a maior parte dos controladores são militares, que não integram esse sindicato.
Atraso nos aeroportos chega a quatro horasNo quinto dia da operação-padrão dos controladores de vôo de Brasília, os atrasos e cancelamentos de vôos prejudicaram passageiros nos principais aeroportos do país. Em alguns locais, o tempo de espera chegou a quatro horas.
Esse foi o caso no aeroporto Eduardo Gomes, em Manaus (AM), e no de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG).
No aeroporto internacional Luís Eduardo Magalhães, em Salvador (BA), apesar do grande número de vôos com atraso -eram 60 até as 16h-, a Infraero informou que os passageiros “aguardaram pacientemente” pelo embarque.
No aeroporto de Brasília, segundo a Infraero, ao meio-dia havia 18 vôos atrasados e um cancelado. Ao final do dia, o dado preliminar indicava 29 atrasos e 1 cancelamento.
Em Congonhas, em São Paulo, até as 17h o número de vôos em atraso somava 115. Desse total, 50 atrasos ocorreram no pico da manhã, das 6h às 13h. No aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (Grande São Paulo), 20 vôos atrasaram entre 30 e 120 minutos no período entre 10h10 e 12h.
Houve pelo menos 17 cancelamentos devido à operação-padrão. Foram cancelados quatro vôos em Campo Grande (MS), dois vôos em Vitória (ES), um no aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), cinco no aeroporto de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), e cinco em Porto Alegre (RS). Os passageiros dos vôos cancelados foram recolocados em outros vôos.
Agências de viagem
As agências de viagem dizem ainda não sofrer com os sucessivos atrasos nos vôos, mas temem ser prejudicadas, com desistências ou queda no movimento, caso o problema perdure. “Pode haver queda de procura se a crise perdurar, mas não acho que ela vá continuar por muito tempo”, afirmou José Zuquim, vice-presidente da regional paulista da Abav (Associação Brasileira das Agências de Viagem) e presidente da Associação Brasileira dos Operadores de Turismo. Ele não vê queda nas vendas dos pacotes.
IURI DANTAS e CRISTINA TARDÁGUILA
Folha de S. Paulo
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