Os servidores públicos não têm se intimidado em aumentar as dívidas. Dados do Banco Central mostram que os funcionários das três esferas de governo — União, estados e municípios — já devem R$ 128 bilhões aos bancos por meio do crédito consignado, com desconto em folha de pagamento. O volume é 7,5 maior do que o total dos débitos de trabalhadores da iniciativa privada (R$ 17 bilhões) e quase do dobro dos empréstimos concedidos aos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (R$ 63,3 bilhões).
O apetite dos funcionários públicos pelo crédito consignado é enorme. Nos 12 meses terminados em junho, o saldo devedor aumentou 18,5%, quase três vezes mais o incremento de 7,9% computado em todas as operações destinadas às pessoas físicas. No ano, as dívidas com desconto em folha dos servidores avançaram 10,8% ante os 3,3% do total de empréstimos e financiamentos aos consumidores.
Segundo o Ministério do Planejamento, que controla as operações de consignado do funcionalismo federal, não se pode falar em superendividamento, pois o limite legal de comprometimento da remuneração do servidor é de, no máximo, 30%. As dívidas podem ser pagas em, no máximo, 60 parcelas.
Mesmo com regras bem estabelecidas, o crescimento desse tipo de crédito preocupa, na avaliação do professor de matemática financeira José Dutra Vieira Sobrinho, vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil. “As pessoas que tomam esse empréstimo também têm financiamentos de carros ou imóveis, no cartão de crédito. Chega uma hora que começa a faltar dinheiro e aumenta a inadimplência. Não no consignado, porque ele é descontado diretamente no salário, mas em outras modalidades que têm juros maiores”, alertou.
Segundo o professor, o aumento no saldo do crédito consignado também é justificado pelo assédio de bancos e financeiras aos clientes, sobretudo em relação aos servidores, que têm altos salários e estabilidade. No caso dos pensionistas do INSS, pesa a garantia do contracheque. “Eu mesmo, que sou aposentado, já recebi três ligações num mesmo dia de três bancos diferentes para me oferecer o serviço. E eles já sabiam o valor do meu benefício e quanto eu podia contratar”, afirmou Dutra.
Educação — Para o educador financeiro Mauro Calil, fundador da Academia do Dinheiro, é normal que as estatísticas apontem um maior endividamento dos funcionários públicos no crédito consignado. “Essa linha oferece juros muito baixos, porque o servidor tem estabilidade no emprego e capacidade maior de pagamento. Tulio Maciel, chefe do Departamento Econômico do Banco Central, afirmou que os funcionários públicos estão saindo do cheque especial e cartão de crédito para o consignado, “a migração do crédito mais caro para mais barato é positiva”, avaliou.
De acordo com Calil, não raro gerentes de instituições sugerem que o cliente deixe o dinheiro aplicado na poupança e contrate um crédito consignado para, por exemplo, trocar de carro. “Isso é comum e também um erro enorme. A poupança não vai render o que custa um empréstimo”, disse.
A servidora no Ministério da Saúde Valdiléia Carvalho, 28 anos, pensa em usar o crédito consignado pela primeira vez para a compra de um apartamento à vista, de R$ 100 mil. “Vou pegar R$ 60 mil com o banco para juntar com uma reserva que tenho”, contou. Para que as parcelas caibam no bolso, ela optou por financiar o débito por cinco anos.
O servidor no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) Aírton Xavier, 36, pegou o mesmo tipo de crédito em abril deste ano para quitar outra dívida. “No ano passado, peguei R$ 36 mil emprestados para quitar meu veículo. Mas resolvi fazer outro empréstimo, de R$ 48 mil, para zerar o débito do carro e outros financiamentos, mais caros”, ressaltou. “Os juros do são mais acessíveis”, disse.
Fonte: Correio Braziliense
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