Depois de três anos apagando incêndios e tendo de reajustar salários no atacado para evitar greves, o governo quer propor ao funcionalismo uma nova agenda em 2010. A estratégia é esvaziar todo e qualquer debate que envolva impactos financeiros e atacar questões estruturais, como a reorganização de carreiras, os mapeamentos estratégicos e as soluções voltadas para uma melhor gestão dos recursos humanos.
Maria do Socorro Mendes Gomes, secretária substituta de recursos humanos, explica que a necessidade de “arrumar a casa” obrigou o Ministério do Planejamento a se ocupar quase que integralmente de assuntos relacionados aos contracheques dos servidores. Entre erros e acertos, a política de pessoal precisa agora dar saltos conceituais. “Não vamos mais fazer carreiras específicas para planos que são de áreas da administração direta. Não há que se falar mais se vamos ter uma carreira para cada ministério. O interessante é ter carreiras horizontais, que sejam comuns a todos os ministérios”, reforça.
Os primeiros contatos com os sindicatos não foram muito produtivos. Apesar de dizer que as entidades entenderam o recado, Maria do Socorro reconhece que implementar os projetos para reorganizar a máquina não será tarefa fácil. “É uma discussão que está se dando no âmbito do governo e das entidades. O mundo do trabalho é muito dinâmico”, justifica a secretária. Em entrevista ao Correio, ela detalha o que será feito daqui em diante.
O governo propõe uma nova agenda ao funcionalismo?
Sim. É uma nova agenda que precisa ser construída. É um processo de amadurecimento mútuo: a gestão pública amadurece na medida em que se abre para a escuta e um olhar diferenciado na relação com os trabalhadores, e os sindicatos também. Estamos discutindo questões como gestão por competência e progressão na carreira.
São temas complexos. Por que agora?
Havia um passivo a ser resolvido. Foi preciso arrumar a casa, garantir uma recomposição salarial, substituir terceirizados, criar carreiras. Junto com isso, o desenvolvimento econômico. Não existe Estado no mundo que tenha feito desenvolvimento sustentável sem ter uma administração pública fortalecida.
Ano eleitoral atrapalha?
Não. A administração de recursos humanos no governo federal é permanente. Independentemente do governo que vier, esse tema está sempre em pauta. As pessoas é que fazem as instituições. A política e a estruturação ficam.
O que o governo Lula deixará para o sucessor?
Deixará a casa um pouco mais organizada do que a que encontrou. A imagem do servidor público para a população, de um modo geral, mudou. Por mais que tenhamos críticas, a população se sente mais confiante no trabalho que o servidor desenvolve. Os exemplos são o INSS, com o fim das filas, o trabalho da Polícia Federal, do Fisco, do Ministério da Educação. O servidor deixou de ser o vilão e passou a ser agente importante de garantia da cidadania.
Os professores e os servidores do INSS já integram o clube das carreiras típicas de Estado?
Os servidores, de um modo geral, que trabalham com a política pública, são agentes fundamentais de garantia de cidadania. E a cidadania não é só na perspectiva do social-assistencial, mas na perspectiva das políticas que mudam a remuneração das classes menos favorecidas.
Mas, em termos salariais…
Ainda não, porque a defasagem é muito brutal. O volume de professores e técnicos do INSS é muito grande. As pessoas têm mania de falar ou “isso” ou “aquilo”. Ou você tem ajuste fiscal ou tem remuneração boa para servidor. A gente fez “isso” e “aquilo”. A gente aproveitou o momento oportuno de crescimento econômico e recompôs o Estado, não porque há uma benesse em relação ao funcionalismo, mas porque só dessa forma você consegue alavancar um próximo boom.
Isso é garantia de que o país continuará crescendo ou é um pré-requisito para crescer?
Dependendo de como for feito, é um pré-requisito. Se não tiver engenheiros bem qualificados para estarem dentro dos órgãos e atuarem na melhoria de estradas, por exemplo, como garantir a produção?
O que é e o que não é típico de Estado?
Algumas atividades apenas o Estado desenvolve. Não gosto de chamar de típico. Há que se cuidar do conjunto. O fato de você ter uma carreira que é mais exclusiva de Estado não significa que você tem de descuidar daquilo que também é visto na iniciativa. Por quê? O serviço público tem de se constituir referência das leis que ele próprio institui. É um olho no peixe e o outro no gato, principalmente quando se olha transversalmente o Brasil. A política de recursos humanos é bastante assertiva nesse sentido: recompondo onde era necessário, ajustando onde era preciso e apontando o futuro.
Isso explica, por exemplo, por que os salários no Banco Central e na Advocacia-Geral da União (AGU) subiram tanto?
A AGU cuida de volumes vultuosos de recursos públicos na defesa da União. Os advogados da União que defendem os processos contra a União têm zelo pela coisa pública e, nesse sentido, esse grupo precisa ser bem remunerado e querer ficar no serviço público. Há área de atuação que não tem parâmetro na iniciativa privada.
As pessoas estão velhas na administração pública, estão se aposentando…
É verdade. Temos 54 mil servidores que recebem o abono permanência. Isso é um problema para os próximos anos porque não tem para quem passar o conhecimento. Temos feito um trabalho importante com a Secretaria de Gestão para que não haja descontinuidade daqui a pouco, se essa massa toda se aposentar de uma hora para outra. O envelhecimento é um problema para a próxima década. Nos próximos cinco ou oito anos, vamos ter problema.
Por que os gastos com a máquina são tão questionados?
Uma parte disso é responsabilidade do próprio Estado. Na formação do Estado brasileiro tem um passivo muito grande de quanto o cidadão buscou e não foi atendido. O quanto essa política pública carece de retornar de uma maneira mais qualificada para o cidadão. O processo de redemocratização no Brasil teve um aspecto muito perverso em relação ao servidor. Tínhamos muito daquilo do período pré-Constituição, em que não tinha concurso público, não tinha planejamento, não tinha inclusive como dimensionar quantas pessoas estavam na máquina. Quando começou-se a dimensionar, através da implantação do Siape, aí começou-se a ter noção do custo e a ter a preocupação. No segundo momento da redemocratização, tivemos uma coisa que o servidor era considerado marajá. Então criou-se uma imagem do servidor como sendo aquele que é contra a população descamisada. A partir disso, um conjunto de medidas de diminuição do quadro, de desgaste das instituições públicas e desmonte de outros órgãos, sempre com o argumento de que era oneroso. Posteriormente veio o ajuste fiscal, com sucateamento da máquina.
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