O ministro da Justiça, Tarso Genro, está na berlinda. As ações da Polícia Federal nas operações Navalha e Xeque-mate, com a ajuda de um moderno sistema de grampo digital — o “Guardião” — deixaram em pânico os políticos e irritaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que soube no exterior de que seu irmão Genival Inácio da Silva era um dos indiciados. Nesta entrevista ao Correio, o ministro defende com veemência a ação da Polícia Federal e rechaça qualquer suspeita de perseguições políticas: “O que está sendo investigado são delitos.” Genro garante que avisou o presidente Lula sobre a ação policial, mas não lhe cabe controlar a PF.
“Fiz isso rigorosamente dentro da lei porque tinha absoluta certeza, como tenho, de que o presidente Lula é absolutamente republicano. Não me determinou, nem sequer teve qualquer atitude de hostilidade ou estranhamento em relação a isso. Só perguntou se era com mandado judicial, e eu disse que sim. Então ele falou: ‘Que ocorra’. E nem caberia ao presidente e nem a mim tomar qualquer atitude impeditiva em relação a isso. Quando a Polícia Federal age a requerimento do Ministério Público e com ordem judicial, o controle do inquisitório é de um outro poder, e não do Ministério da Justiça.”
Genro é cauteloso em relação à reforma política, que segundo ele deve ser feita com urgência, mas não comporta o governo como protagonista. “Disse aos parlamentares que, naquilo que depender do governo para formar maioria, nós podemos ajudar. Só não vamos ser os promotores desse processo porque isso aí determinaria um acirramento no debate que poderia atrasar ainda mais”, conclui.
Tudo dentro da lei
Diante de tantas operações da Polícia Federal com foco em políticos, empresários e advogados, o ministro da Justiça sofre algum tipo de pressão?
A OAB normalmente reclama em cima da sua função de guardiã da legalidade. As reclamações do Parlamento, sim, várias delas, foram originárias dos efeitos que estavam tendo aquelas operações na vida política das pessoas. O que fiz questão de dizer aos parlamentares que vieram reclamar, e alguns deles vieram aqui no gabinete, era que não tinha nenhum partido, nenhuma personalidade, nenhum mandatário em particular sendo investigado. A Polícia Federal, por determinação judicial, inicia inquérito em cima de constatação de delitos e, a partir disso, os delitos se vinculam às pessoas. A partir desse momento, a ampla maioria dos parlamentares entendeu o que estava ocorrendo e recuou nas suas críticas. Agora, evidentemente, pode ter algum político que se ache injustamente investigado. E, aí, é do próprio jogo jurídico e político: só vamos poder saber se existe culpa ou não depois da sentença. Veja, por exemplo, o caso do irmão do presidente Lula (Genival Inácio da Silva, conhecido como Vavá). O caso dele não tem nada a ver com aquele inquérito (da Operação Xeque-mate), se você considerar porque ele foi efetivamente ligado. Mas ele falava com pessoas que estavam sendo investigadas e, aí, evidentemente, passou também a ser.
É legítima essa demanda de políticos reclamando na sua porta?
O Ministério da Justiça tem a função de Estado no equilíbrio das relações entre os poderes, no controle da própria atividade policial, para verificar se ela está nos marcos da legalidade. É natural que haja isso. O que não podemos é confundir as funções do ministro da Justiça como se fossem funções exclusivamente de governo. Não são. São funções mais de Estado do que de governo.
O ministro da Justiça é sempre informado com antecedência pela PF sobre os alvos das operações ou houve uma exceção no caso Vavá?
Eu sempre tomo conhecimento do sentido que elas estão tendo. As regiões que essas operações estão sendo realizadas e a matéria que elas estão tratando. Mas faço questão de não saber quem está sendo investigado, posto ou cargo das pessoas que estão sendo investigadas porque não é função do Ministério da Justiça vigiar isso. O que o ministério tem que fazer é verificar por meio do diretor-geral da Polícia Federal se os procedimentos estão sendo feitos dentro da lei. É isso. No caso do Vavá, obviamente, eu informei o presidente da República a tempo, de que haveria uma investigação na casa de um familiar seu.
Não poderia haver prejuízo para a investigação policial?
Fiz isso rigorosamente dentro da lei porque tinha absoluta certeza, como tenho, de que o presidente Lula é absolutamente republicano. Não me determinou, nem sequer teve qualquer atitude de hostilidade ou estranhamento em relação a isso. Só perguntou se era com mandato judicial, e disse que sim. Então ele disse: “Que ocorra”. Não poderia haver prejuízo para a investigação policial? E nem caberia ao presidente e nem a mim tomar qualquer atitude impeditiva em relação a isso. Quando a Polícia Federal age a requerimento do Ministério Público e com ordem judicial, o controle do inquisitório é de um outro poder, e não do Ministério da Justiça.
Existe uma defasagem entre o avanço do aparato tecnológico de investigação utilizado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal e a legislação vigente no país? Ou o uso dessas novas tecnologias de apuração está fora de controle?
Eu acho que é necessária uma permanente adaptação legislativa a esses novos meios tecnológicos. Se é verdade que a tendência desses meios é virtuosa, é positiva, esses meios também podem suscitar abusos. No momento atual, tudo que está parecendo é produto de uma tecnologia avançada e produto de decisões judiciais baseadas na lei. Acho que no fim desse processo, é necessário que se faça uma avaliação.
Mas a PF tem sido alvo de queixas, acusada de vazamentos?
Enganam-se aqueles que pensam que a Polícia Federal está perseguindo alguém. Ela tem é mais meios de acesso à informação. Enganam-se aqueles que pensam que o interrogatório no final do processo é um atraso. É um sinal de progresso porque a confissão como meio de prova é um meio medieval de prova. A confissão não pode ser o lastro da investigação. Até porque normalmente ela é extorquida, as pessoas são pressionadas. O fato de as pessoas serem detidas no fim de um longo processo de investigação demonstra que estamos evoluindo para um patamar superior no trabalho policial e judicial. Sobre vazamentos, eu não recebi, até agora, nenhuma denúncia concreta nesse sentido. Recebi alguns pedidos de sindicância que estou processando investigação, mas nenhuma denúncia concreta.
Especula-se que a obtenção de provas que extrapolam a jurisprudência existente. O senhor vê isso com preocupação?
Eu escuto com atenção, mas não com preocupação. Essas alegações são já elementos de defesa que os advogados desenvolvem a partir do próprio inquérito, o que é legítimo. O grande elemento de defesa baseado apenas na confissão do réu era a acusação de que o réu, no inquérito policial, ele era torturado ou sofria pressão para declarar, o que muitas vezes era verdade. Quando a confissão deixa de ser o meio de prova principal, e as gravações e a tecnologia que dão base probatória, é natural que os advogados mudem de tática.
Forma-se no Congresso um consenso de que os novos métodos de investigação da PF vieram para ficar. E que, de certa maneira, isso é um dos fatores determinantes da necessidade de reforma política. Não seria o caso dele assumir a liderança em torno da questão?
A polícia não investiga maus costumes na política. Isso é uma questão da esfera da política, dos partidos, do debate democrático, do refinamento, da sofisticação que a esfera da política deve processar na democracia. O que a Polícia Federal investiga é delito. Só que às vezes parece, repito saudavelmente na imprensa, uma certa confusão, que caberia até aos próprios políticos diferenciarem, aquilo que é a liberação de emenda, que pode ser feita rigorosamente dentro da lei, e dos costumes, que podem ser considerados equivocados, um mau costume político porque estabelece uma relação microregional, fisiológica de uma política. Isso não é crime. A Polícia Federal não investiga isso. Às vezes, eu leio a notícia: “Deputado fulano de tal liberou mais emendas”. Essa é uma informação tendenciosa porque não se separa o que é crime do que são maus costumes.
A reforma política não decretaria o fim disso?
Se você tiver, por exemplo, um mecanismo de liberação obrigatório de emendas parlamentares, essas emendas poderiam ser mais vigiadas e os deputados não poderiam fazer pressões e articulações para liberar suas emendas. E poderiam ser mais vigiadas porque teriam objeto determinado previamente registrado pelo governo e pelos órgãos fiscalizadores. O governo não apresentou um projeto de reforma política porque tinha uma proposta já tramitando, de autoria do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO).O que o governo fez foi levar aos parlamentares a proposta do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, a proposta da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e estudo feito pelo Ministério da Justiça na época do ministro Márcio (Thomaz Bastos), para ajudar no debate. Mas o governo não está ele propondo diretamente porque achamos que isso aí só iria atrasar ainda mais a reforma, se ela vier.
Convocação
O ministro da Justiça, Tarso Genro, será convocado à Câmara pelo líder do PSDB, Antonio Carlos Pannunzio (SP), para falar da denúncia de que o amigo e compadre do presidente Lula, Dario Morelli Filho, teria sido alertado sobre o monitoramento dos envolvidos na Operação Xeque-Mate. O requerimento precisa ser aprovado no Congresso. Pannunzio afirma que a hipótese de vazamento é reforçada na gravação
em que Morelli
avisou ao suposto chefe da quadrilha, o ex-deputado paranaense Nilton Cézar Servo, para que ele tomasse cuidados com os telefonemas. “Se o ministro tiver explicações, ótimo. Senão, teremos de investigar até com uma CPI.” Para o deputado, os brasileiros são obrigados a acompanhar o episódio “com uma certa perplexidade”, diante das fortes suspeitas de que o trabalho da PF teria sido prejudicado por alguém do governo. Ele também acha estranho que a ligação do irmão do presidente Lula com a quadrilha tenha mais destaque do que a atuação de Morelli.
Luiz Carlos Azedo e Marcelo Rocha
Da equipe do Correio
Foto: Joedson Alves / Especial para o CB
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