Tesouro não sabe como nem quando fará ressarcimento de excesso de arrecadação

Taxa foi criada para pagar o aluguel de termelétricas à época do racionamento, que seriam acionadas no caso de risco de falta de energia

O consumidor pagou demais, e o governo federal ganhou dinheiro com o seguro-apagão. A CBEE (Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial, estatal em liquidação, que foi responsável pelo seguro) repassou ao Tesouro Nacional superávit de R$ 799 milhões. Desse total, aproximadamente R$ 300 milhões precisam ser devolvidos aos consumidores. Com dinheiro em caixa desde o último dia 10, o governo ainda não sabe como, nem quando, vai fazer o ressarcimento.

O racionamento de energia começou em junho de 2001 e, em fevereiro de 2002, ano eleitoral, os reservatórios de água das hidrelétricas ainda não estavam em níveis seguros para que se decretasse o fim da medida. Dessa forma, o governo optou por contratar, sem licitação, usinas termelétricas emergenciais e encerrou o racionamento. O consumidor passou a arcar com a despesa do aluguel dessas usinas, que seriam acionadas caso houvesse risco de falta de energia. No total, foram contratadas 48 usinas, com capacidade de gerar até 2.153,60 MW (megawatts).

O seguro entrou na conta do consumidor em março de 2002, com o nome de “encargo de capacidade emergencial”. Inicialmente, custava R$ 0,0049 por kWh (quilowatt-hora) consumido. Chegou a custar R$ 0,0085 e depois caiu para R$ 0,0035 (valores sem impostos). A cobrança acabou no final de dezembro de 2005. No total, os consumidores repassaram R$ 6,283 bilhões (líquidos de imposto) para a estatal do seguro, incluindo o que foi gasto para gerar energia.

Os donos das usinas receberam R$ 6,167 bilhões, o que significa que o consumidor pagou, a mais, R$ 116 milhões. Além desse valor, o governo ganhou dinheiro vendendo a energia que foi efetivamente gerada pelas usinas do seguro no final de 2003 (veja texto nesta página).

Outra fonte de renda foi a aplicação financeira dos recursos. No início da cobrança, muitas usinas não recebiam o valor do aluguel porque não haviam sido testadas, mas o dinheiro era arrecadado do consumidor como se elas estivessem recebendo, sobrava no caixa e era investido pela CBEE.

A conta total, ao final da cobrança do seguro, resultou em um superávit de aproximadamente R$ 799 milhões. Descontado o valor devido ao Tesouro Nacional, que fez aportes de recursos para a criação da CBEE, resultou que o consumidor é credor do governo em aproximadamente R$ 300 milhões. A legislação que criou o seguro determina que esse dinheiro seja revertido para o consumidor.

Fora o dinheiro que já foi repassado para o Tesouro, a CBEE tem a receber R$ 293,3 milhões de pendências judiciais. Se esses recursos entrarem de fato no caixa, também precisarão ser repassados para os consumidores.

Usinas de fora De acordo com Marco Antonio Veloso, diretor-executivo da Abragef (Associação Brasileira de Geração Flexível), entidade que representava as usinas emergenciais, na realidade a capacidade do seguro-apagão era de 1.860 MW, porque algumas usinas que estavam previstas acabaram não entrando no seguro.

Segundo a Abragef, com o fim do seguro, algumas usinas foram abastecer as cidades de Manaus (AM) e Macapá (AP), outras participaram do leilão de energia de dezembro e entraram no sistema elétrico, houve usinas vendidas para outros países como Estados Unidos e Arábia Saudita, há outras descontratadas e algumas foram desativadas.

Mesmo com o fim do seguro, a associação ainda existe, porque algumas usinas agora fazem parte em definitivo do sistema elétrico.

No leilão, foi contratada a sua “disponibilidade”, exatamente como no seguro, só que com preços menores e não cobrados diretamente na conta do consumidor. No total, a energia termelétrica semelhante à do seguro representa 1.823 MW atualmente.

A cobrança do seguro, seu rateio entre os consumidores e a obrigatoriedade de ressarcimento foram definidos na lei 10.438, de 2002. A legislação estabeleceu que o seguro seria pago por todos os consumidores finais do sistema interligado (todo o país, menos Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e partes do Pará e do Tocantins), com exceção dos residenciais classificados como sendo de baixa renda.

Redução dos custos O artigo 1º da lei, em seu terceiro parágrafo, determina que “os resultados financeiros obtidos pela CBEE serão destinados à redução dos custos a serem rateados entre os consumidores”. Ou seja, serão devolvidos aos consumidores em forma de algum tipo de desconto na tarifa. O decreto 5.826, deste ano, determinou que os ministérios de Minas e Energia e da Fazenda, ouvindo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), irão “disciplinar” a devolução dos valores devidos aos consumidores. O decreto não estabelece prazo.

Governo

A Folha procurou, por meio de suas assessorias de imprensa, os ministérios da Fazenda e o de Minas e Energia.

O ministério de Minas e Energia informou que é preciso definir algumas pendências judiciais, mas a lei será cumprida e o dinheiro terá a destinação prevista na lei: parte para o consumidor, parte para o Tesouro. As pendências judiciais podem aumentar ou diminuir o valor a ser repassado para o consumidor. O Ministério da Fazenda não deu informação sobre o assunto.

Cliente pagou por uso e por disponibilidade No final de 2003, o nível de água dos reservatórios das hidrelétricas do Nordeste ficou muito baixo. Para evitar falta de energia, o governo tentou acionar as termelétricas do PPT (Programa Prioritário de Termeletricidade), mas descobriu que as usinas eram “virtuais”, porque não tinham gás necessário para gerar energia.

Sem essas termelétricas e sem poder usar as hidrelétricas, o governo acionou o seguro-apagão. As termelétricas do seguro produziam energia queimando diesel ou combustível.

Segundo as regras do seguro, os consumidores estavam pagando o que era chamado de “disponibilidade” das termelétricas emergenciais, o fato de elas poderem gerar energia caso necessário. Como houve geração, o consumidor teve de bancar também o custo do óleo.

Isso resultou em novo encargo, cobrado em janeiro e fevereiro de 2004. O impacto na tarifa equivaleu a reajuste de 1,9%.

A geração de energia foi necessária só até fevereiro. O governo, então, retirou da conta o “encargo de aquisição de energia emergencial”. O consumidor, no entanto, continuou pagando o “encargo de capacidade”, para custear o aluguel das usinas.

HUMBERTO MEDINA

Folha de S. Paulo