Diretor-executivo da PF é acusado em relatório da instituição de usar aeronaves indevidamente. Segundo o documento, a filha dele voou de graça duas vezes. Em outro caso, jato fez trajeto de 14 km

Relatório de sindicância da Polícia Federal acusa o diretor-executivo da instituição, Zulmar Pimentel, de usar aviões da corporação em benefício próprio. O documento, assinado por um delegado da Corregedoria, afirma que uma das filhas de Pimentel pegou “carona” por duas vezes numa aeronave da PF, o que caracterizaria infração disciplinar e pode resultar na perda da função pública por improbidade administrativa. Segundo homem mais importante na hierarquia da polícia, o diretor-executivo é um dos cotados para suceder Paulo Lacerda no cargo de diretor-geral.

O Correio Braziliense teve acesso exclusivo ao relatório de sindicância nº 21/2006. Concluído em 24 de novembro passado e remetido a Lacerda, ele descreveu como “fatos plenamente constatados” caronas concedidas no avião King Air a uma das filhas de Pimentel. As viagens ocorreram em 5 e 6 de janeiro de 2004, nos trechos Brasília-Recife-Brasília; e em 7 de março de 2004, no trecho Brasília-Rio de Janeiro-Brasília. O nome da passageira não constou no documento de 27 páginas.

O responsável pela sindicância, delegado Otávio Fernandes, se baseia em depoimentos de tripulantes e passageiros para chegar a essa conclusão. Segundo testemunhas, no domingo 7 de março, a filha de Pimentel embarcou no King Air com destino ao Rio de Janeiro. Havia policiais no vôo, que tinha como missão registrar imagens aéreas em Campos (RJ). A aeronave, porém, seguiu primeiro para a capital fluminense, onde a moça desembarcou. Mais tarde, naquele domingo, o avião retornou a Brasília depois de fazer escala no Rio, onde a filha do diretor-executivo embarcou para voltar para casa.

Pilotos e policiais ouvidos pelo delegado Otávio Fernandes não souberam informar a razão pela qual a passageira estava no King Air. Tampouco, de acordo com o autor do relatório de sindicância, foram encontrados registros da “carona” em documentos oficiais da PF. O King Air é um turbo-hélice de porte pequeno, com capacidade para 11 pessoas. O custo da hora de vôo ao Rio de Janeiro foi estimado em R$ 1,6 mil. Somados os trechos de ida e volta, foram registradas sete horas de viagem.

A apuração descreve outra situação supostamente irregular: Pimentel teria viajado para Recife, em janeiro de 2004, em companhia de uma filha, que o relatório também não indica nome nem informa se é a mesma pessoa que foi ao Rio. Os dois teriam ido juntos até a capital pernambucana no dia 5 e embarcado de volta no dia seguinte, mas o diretor-executivo desembarcou no meio do caminho, em Caruaru (PE), onde seria inaugurada uma delegacia da PF. “Os demais passageiros — inclusive a filha de Zulmar Pimentel — seguiram rumo a Brasília”, sustenta um dos pilotos, no documento.

Interrogatório

O relatório de sindicância descreve ainda que Pimentel foi “convidado” a apresentar suas filhas para fins de interrogatório sobre as viagens ao Rio de Janeiro e a Recife, mas optou por não fazê-lo. Assim como não teria respondido a questionamentos sobre o uso do jatinho Citation III, em 15 de abril e 9 de agosto de 2004. O responsável pela apuração afirma que, para se deslocar entre a base aérea e o aeroporto de Manaus (AM), um percurso de apenas 14 km, o diretor-executivo optou pelo acionamento da aeronave Citation III, sendo provocada uma despesa total de cerca de US$ 3 mil.

“Os deslocamentos realizados na cidade de Manaus com o avião Citation III apontam para a possível prática de improbidade administrativa, por conta de presumível desrespeito ao princípio da moralidade administrativa”, afirmou o delegado Otávio Fernandes no relatório. Ao final do documento, ele sugere a abertura de quatro processos administrativos para apurar possíveis infrações cometidas por Zulmar Pimentel e outros servidores da PF, com base na lei 8.112/90, que trata da conduta dos servidores. Também concluiu pela remessa das informações levantadas pela sindicância para o Ministério Público Federal e Tribunal de Contas da União.

Delegado admite um vôo

O diretor-executivo da Polícia Federal, Zulmar Pimentel, admite ter autorizado o embarque de sua filha, cujo nome não quis mencionar, uma única vez no King Air, com destino ao Rio de Janeiro no domingo 7 de março de 2004. O delegado alega que a moça perdeu um vôo comercial naquele dia, desmarcado pela companhia aérea, e precisava chegar à capital fluminense para fazer as provas de concurso público promovido pelo Tribunal Regional Federal. “Estava sob minha alçada autorizar esse embarque e o fiz dentro do limite legal”, justifica.

O “limite legal”, na verdade, seria um procedimento corriqueiro de pessoas viajarem como caronas em vôos oficiais, seja em aeronaves da polícia ou das Forças Armadas, como admitiu o próprio Pimentel em entrevista ao Correio na tarde de ontem. “Se há vaga, não vejo problema da pessoa viajar. Vocês da imprensa também pegam carona em vôos oficiais”, acrescentou. A Lei 8.112/90, que estabelece o código de conduta do funcionalismo público, proíbe que o servidor use “o cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”. O CAOP, órgão responsável pelas aeronaves da PF, está subordinado ao diretor-executivo.

Pimentel nega as demais irregularidades atribuídas a ele no relatório de sindicância assinado pelo delegado Otávio Fernandes. Ele sustenta que sua filha não embarcou no vôo para Recife, mas uma secretária que o acompanhou para despachar os processos sob sua responsabilidade. No caso do Citation III, que, de acordo com a sindicância, teria feito vôos relâmpagos apenas para atender a vontade do diretor, ele afirma que o avião voou da base aérea para o aeroporto de Manaus porque ele fica estacionado no hangar da PF, localizado no aeroporto.

Com 31 anos de serviços prestados à PF e há quatros anos e meio na função de diretor-executivo, Pimentel atribui a acusação a disputas internas às vésperas de mudança na direção-geral. Paulo Lacerda, o atual dirigente, deverá deixar o cargo com a saída do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Pimentel é homem de confiança de Lacerda — eles trabalharam juntos na investigação do caso PC Farias. “O relatório é resultado dessas disputas. Foi um procedimento direcionado para comprometer minha atividade”, defendeu-se o diretor-executivo, apontado como um dos responsáveis pelo sucesso operacional da PF nos primeiros quatro anos de administração Lula. 

“Se há vaga, não vejo problema da pessoa viajar”  Zulmar Pimentel, diretor-executivo da PF

  Controle “precário”

Além de atribuir irregularidades ao diretor-executivo da Polícia Federal, Zulmar Pimentel, o relatório de sindicância classifica como “extremamente precário” o sistema de controles de vôo das aeronaves da PF. De acordo com o documento, o principal instrumento de acompanhamento da utilização das aeronaves seria o relatório de bordo. Mas o delegado Otávio Fernandes, responsável pela sindicância, entende que há deficiências. “A planilha não possui campo próprio para lançamento das informações referentes aos passageiros, seja nome, matrícula ou lotação”, aponta o policial.

A apuração conclui que a falta de informações, além de dificultar o controle do uso adequado das aeronaves da PF, pode se transformar em sério problema em caso de acidente. “Os passageiros transportados são ‘invisíveis’ perante qualquer sistema de registro da administração”, descreve o autor do documento. Perguntado sobre o problema, o diretor-executivo Zulmar Pimentel explicou que esse problema foi sanado por iniciativa dele mesmo. O ajuste, de acordo com ele, partiu de sua iniciativa, depois de ler um relatório de bordo de uma das aeronaves sob sua responsabilidade.

As conclusões da sindicância, que incluem as denúncias contra Pimentel, foram submetidas pelo delegado Otávio Fernandes a seus superiores na Corregedoria. De acordo com a assessoria de imprensa da instituição, o processo está, agora, numa fase em que outro delegado analisará o caso para verificar se procedem as denúncias. Se confirmadas, poderá ser aberto processo por improbidade administrativa contra Pimentel, o que pode resultar em perda da função pública.

Breno Fortes e Marcelo Rocha

Correio Braziliense