A aprovação em concurso público é uma exigência constitucional para o ingresso nos quadros governamentais. Teoricamente, quem passa está apto a prestar bons serviços. E o problema da obsolescência? A carreira dos funcionários é longa – 30 anos e mais. Nesse período, as exigências mudam. O médico, por exemplo, precisa dominar certas tecnologias que não existiam quando ingressou no serviço público. Um advogado tem de conhecer as leis que foram aprovadas depois da entrada na carreira. O mesmo ocorre com o juiz e com tantas outras profissões. Na atual sociedade do conhecimento, as profissões passam por uma metamorfose meteórica. Embora útil para aferir a competência inicial, o concurso é insuficiente para garantir a atualização. Impõe-se uma avaliação periódica. Ao longo da minha carreira acadêmica (mais de 30 anos) na Universidade de São Paulo tive de demonstrar atualização nos exames de mestrado, doutorado, livre docente, professor adjunto e professor titular. Ainda assim, achei pouco, porque, depois de me tornar titular, ninguém exigiu mais nada de mim. É verdade que há outros caminhos para se mostrar competência, mas nada dispensa a aferição da própria instituição até perto da aposentaria. O que justifica para os juízes fazerem um concurso de ingresso na magistratura e nunca mais abrir um livro para estudar? Acho que em vários pontos de suas carreiras, todos os servidores teriam de passar por provas de atualização. Tais provas teriam de avaliar também as suas condutas no atendimento ao público. Neste caso, a avaliação teria de ser feita com os cidadãos, como é o caso dos pacientes do médico, das partes nos litígios, dos alunos nas escolas e assim por diante. Os que demonstrassem dificuldade nas duas áreas – conhecimentos e condutas – seriam reciclados e, persistindo os problemas, seriam dispensados. Ou seja, concurso não tem nada que ver com vitaliciedade. No mundo atual, todos nós temos de nos manter atualizados e cultivar condutas adequadas para o bom atendimento dos cidadãos. Para bem avaliar a carreira das pessoas, o que interessa é a sua eficácia na prestação de serviços e não apenas a sua eficiência na aprovação no concurso de ingresso. Infelizmente, estamos longe disso. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 54, com seus anexos, visa a dar estabilidade para profissionais que não fizeram sequer o concurso de ingresso! É o novo trem da alegria que, a qualquer momento, na calada da noite, pode ser aprovado. A medida concede apenas benefícios individuais. Pouco vai acrescentar à qualidade dos serviços prestados, mesmo porque a maioria desses servidores está perto da aposentadoria e outros já se aposentaram. Os parlamentares que aprovarem essa PEC estarão mais interessados em capturar o voto dos 260 mil beneficiados e de seus familiares do que em melhorar a qualidade do serviço público. Com a estabilidade, os servidores entrarão no regime jurídico único e provocarão um rombo adicional nas contas já deficitárias da Previdência Social, sem considerar a avalanche de ações judiciais que poderão ser interpostas para reclamar benefícios retroativos. Tudo isso nos coloca longe do sistema proposto. A Lei 9.801/99, por exemplo, permite exonerar servidores que não prestam bons serviços. Mas esse instituto é tão complicado e admite tantas exceções que, na prática, virou letra morta. Pior. A noção de mérito se está deteriorando. Boa parte dos servidores e dos seus sindicatos é contra isso. Eles se especializaram em cultivar direitos, pouco se importando com os deveres. Afinal, com uma Constituição Federal na qual a palavra direito aparece 76 vezes, dever, quatro vezes, produtividade, duas, e eficiência, uma, o que esperar desse país? O problema se agravou com a ojeriza à premiação que está dominando grande parte dos brasileiros por influência do corporativismo sindical. Mérito, eficiência e competência são vistos como conceitos neoliberais que carregam no seu bojo a maldade da exclusão social! É um absurdo, mas é isso mesmo. Toda vez que premiamos o bom, os seguidores do esquerdismo burocrático-sindical entendem que estamos excluindo os demais e postergando a inclusão social. O que eles querem mesmo é a generalização do trem da alegria. Pobre Brasil! *José Pastore é professor da FEA-USP. E-

O Estado de S. Paulo

21/8/2007