Relatório do TCU diz que reguladora é excessivamente técnica e deixa de atender às expectativas mais comuns dos consumidores

“À agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras.” A frase é da Lei Geral de Telecomunicações e explica a primeira atribuição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Mas quase oito anos após ser criada, a reguladora ainda não encontrou o equilíbrio entre as demandas da sociedade e o avanço técnico do setor. E a parte menos favorecida tem sido o usuário. A constatação formal do que antes era percebido individualmente pelos clientes das empresas telefônicas partiu do principal órgão de fiscalização brasileiro, o Tribunal de Contas da União (TCU).

Um laudo elaborado pelo TCU mostra que o trabalho da agência reguladora não atende às expectativas mais comuns dos consumidores, favorecendo indiretamente as operadoras. Focada na supervisão técnica das empresas, a Anatel deixa a desejar quando o assunto é a qualidade do serviço prestado. Divulgado na semana passada, o laudo é um atestado de que as coisas vão de mal a pior no tratamento dos clientes.

Após uma longa auditoria, o TCU constatou falhas graves no procedimento da Anatel, que colaboram para a ineficiência das prestadoras de serviços de telecomunicações. Uma regulamentação focada nas empresas, a demora na análise de processos e multas que não são capazes de reprimir os erros quotidianos no atendimento fazem parte da lista de fragilidades apontadas pelo tribunal. Chama a atenção no relatório a falta de disposição da agência em atender as demandas da sociedade.

Para tentar fazer com que a Anatel mude de postura, o tribunal determinou que a reguladora providencie, em 180 dias, um programa para correção dos problemas diagnosticados. Embora tardia, a equipe técnica do TCU está confiante de que a provocação trará mudanças substanciais no tratamento do cliente.

Prioridades

O olhar técnico da Anatel é tão forte que atrapalha o contato do público com a reguladora e o próprio vocabulário é um obstáculo no call center. Orelhão, por exemplo, é chamado de Telefone de Uso Público (TUP), enquanto acesso à internet é classificado como Serviço de Valor Adicionado (SVA). “A gente tem que ser muito rigoroso no que está escrito nos regulamentos. Temos revisado alguns scripts na busca de uma forma mais equilibrada”, conta a chefe da Assessoria de Relações com Usuários, Rúbia Marize de Araújo.

Quem imagina que as fiscalizações sempre avaliam se as operadoras estão emitindo corretamente as contas, por exemplo, terá uma decepção. Segundo o TCU, somente no ano passado a Anatel deu mais de atenção a esse aspecto.. Tradicionalmente a agência avalia apenas a qualidade técnica dos equipamentos. “As recentes estratégias de fiscalização têm um caráter reativo e não fazem parte de uma cultura já consolidada de fiscalização das questões relativas da telefonia e, portanto, ainda são insuficientes ou apresentam problemas”, atesta o relatório.

Uma vasta pesquisa para apurar o grau de qualidade percebida dos serviços de telecomunicações pelo usuário chegou a ser desenvolvida por especialistas da agência. O trabalho foi divulgado pelo Correio no dia 3 de novembro de 2005, mas não chegou a ser implantado em larga escala. Procurada pela reportagem, a Anatel não forneceu qualquer explicação para o adiamento da pesquisa

Os problemas na Anatel não acontecem apenas por uma cultura ancorada na visão dos engenheiros que predominam nas gerências da reguladora. A falta de verba é um drama concreto, mesmo havendo o recolhimento mensal de uma taxa de fiscalização na conta de todos os usuários de telefonia no Brasil. Grande parte desse dinheiro acaba nos cofres do Tesouro Nacional, por conta dos fortes contingenciamentos de recursos. A falta de dinheiro em caixa seria a explicação para que projetos em favor dos usuários, como a pesquisa de qualidade, fiquem esquecidos nas gavetas da Anatel.

O TCU quer esclarecer se o problema é mesmo de falta de dinheiro e a partir de agora irá exigir uma discriminação das atividades que deixarão de ser realizadas nos próximos anos por causa do contingenciamento. Esse relatório de cortes deverá ser endossado pelo Ministério das Comunicações, que tem responsabilidade pelo repasse das verbas à Anatel.

Reclamações

Essa falta de atenção da agência nas questões sensíveis aos consumidores tem reflexo direto no número de reclamações que as empresas recebem nos procons e no próprio call center da Anatel. No balanço entre janeiro e outubro, o Procon do Distrito Federal contabilizou 12 mil ligações relatando problemas em telefonia. Esse mesmo número de chamadas é registrado mensalmente pelo call center da Anatel.

Ou seja, em 10 meses, a reguladora recebeu aproximadamente 1,2 milhão de ligações de clientes com problemas ou dúvidas não resolvidas pelas suas operadoras. O número é relativamente pequeno em relação ao universo total de assinantes da telefonia, hoje em torno de 140 milhões. Mesmo assim, a telefonia é recordista de reclamações se comparada com outros serviços públicos de larga escala, como luz e água, que também são regulados.  

Procon recebe muitas queixas

Se as empresas de telecomunicações dão dor-de-cabeça aos consumidores, a agência reguladora do setor não fica por menos. O laudo divulgado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na semana passada corrobora com impressão do Procon após anos de atendimento de clientes insatisfeitos com a telefonia: a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) é tão criticada quanto as operadoras, líderes no ranking de reclamações. O Procon do Distrito Federal não apura quantas reclamações a agência recebe por mês por se tratar de um órgão público. Mas os relatos dos clientes não deixam dúvidas de que o atendimento da reguladora nem sempre é capaz de mediar a relação entre consumidores e empresas.

“Pelo que nos é passado pelos próprios consumidores, a reguladora não tem tido êxito em resolver os problemas. A gente sempre recebe críticas sobre a atuação de órgãos públicos mas, infelizmente, a Anatel está no topo da lista de reclamações”, afirma o presidente do Procon/DF, Augusto César Sampaio. A dificuldade da agência em corresponder às expectativas dos consumidores seria um dos motivos para que o setor apresente tantos problemas na relação com seus clientes, na opinião de Sampaio. “O Procon fica limitado a multar, enquanto a Anatel tem outras ferramentas para coibir práticas abusivas, mas quase não as usa”, afirma o presidente.

Com tantos locais para reclamar e poucas soluções efetivas, o consumidor sente-se desprotegido contra os abusos das empresas. É o caso do professor de direito Gilberto Sobral, 77 anos, que não conseguiu resolver seu problema com uma operadora de celular e pretende levar a questão à Justiça. “Falta uma ação efetiva da Anatel e do Procon. Não faz sentido ter um monte de robôs que só repetem a mesma frase. Isso é só cumprir uma função burocrática e não tem efeito prático para a sociedade”, reclama o professor. “A gente fica sem saída quando é lesado por uma empresa.”

O aposentado Joel Alves da Silva, 70 anos, também sofre com a burocracia da agência. Há 15 anos ele é radioamador e, desde que a Anatel passou a recolher as taxas de operação, sofre para ficar em dia com os pagamentos. Embora tenha quitado suas obrigações em 2005, ele tem pendências na agência por causa de uma falha no sistema. Desde então, tenta resolver o problema; “Eu sou um devedor com o recibo na mão. E o Procon não consegue resolver porque não pode acionar a Anatel”, desabafa.

Mariana Mazza

Correio Braziliense