Em entrevista ao telejornal Bom dia Brasil, da Rede Globo, desta terça-feira (27), o secretário de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, culpou a fiscalização precária das fronteiras brasileiras pela entrada de armamentos pesados na capital carioca. O depoimento foi dado após 13 pessoas terem sido atingidas por balas perdidas no Rio nos últimos 11 dias.
“O nosso inimigo aqui no Rio de Janeiro é a arma de fogo”, afirmou Beltrame. “É a arma que entra pela fronteira, é a arma que vem de fora do país, é a munição que vem de fora do país. Há necessidade de nós termos uma política séria, objetiva e mensurável das ações na fronteira desse país”, completou o secretário.
Beltrame, vale lembrar, é delegado de Polícia Federal, órgão ao qual compete (juntamente com as Forças Armadas) a segurança das fronteiras brasileiras. Desta forma, não é incorreto dizer que as declarações do secretário trazem em si uma crítica implícita ao trabalho desenvolvido pela PF.
Os pontos destacados por Beltrame não são nenhuma novidade para o Sindicato Nacional dos Servidores do Plano Especial de Cargos da Polícia Federal (SINPECPF). Há tempos nossa entidade vem cobrando mais fiscalização na zona fronteiriça e alertando sobre o perigo de relacionar as dificuldades unicamente ao baixo quantitativo de policiais federais.
Não é o caso. A escassez de policiais na fronteira está intimamente ligada à gestão ineficiente dos recursos humanos da PF, em especial no que diz respeito a sua atividade meio. Algo que vai muito além da questão fronteiriça.
Para que o trabalho dos policiais seja bem sucedido, é necessário todo um suporte logístico, realizado pelos servidores administrativos do Plano Especial de Cargos da Polícia Federal (PECPF) — a atividade meio. Ocorre que esses profissionais há anos são menosprezados na instituição, sendo mal remunerados em vista das complexas atividades que desempenham.
A situação tem motivado a saída de inúmeros profissionais dos quadros do PECPF, que deixam a PF em busca de melhores empregos. O último concurso promovido para o setor foi realizado no ano passado, preenchendo 566 vagas. Contudo, ainda no final de 2014 a PF solicitou ao Ministério do Planejamento a criação de novas 2225 vagas e também a nomeação dos aprovados no cadastro reserva último concurso, prova cabal de que o quantitativo atual de servidores administrativos (2916) é insuficiente para atender à demanda do órgão.
Sem contar com número suficiente de servidores administrativos para tocar as atividades de suporte, a PF acaba obrigada a deslocar policiais federais para tais postos, apesar do descompasso existente entre a remuneração das duas atividades, com policiais recebendo até cinco vezes mais. Muitos dos policiais desviados de função são egressos de regiões fronteiriças, o que colabora para a precariedade da fiscalização nessas áreas. Em geral, policiais que atuam na fronteira veem o deslocamento como verdadeiro bônus, afinal, nada melhor que trocar as privações e dificuldades do trabalho policial nas fronteiras pela burocracia das grandes cidades.
Em artigo publicado neste Correio Braziliense em 02/01/2013, o então diretor da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) Josias Fernandes estimou que 50% do efetivo policial atuava, à época, em funções administrativas. Na prática, isso significa o superfaturamento da atividade meio da PF, com o agravante da diminuição de efetivo na atividade policial. A administração pode não estar agindo de má-fé, mas acaba incorrendo em improbidade, e o cidadão precisa estar consciente de que é ele quem paga por tal desperdício.
Se quisermos por fim às mortes por balas perdidas no Rio de Janeiro e combater a violência que cresce em todo o país, não bastará contratar mais e policiais federais. Antes de cuidar das fronteiras do país, é preciso cuidar das fronteiras funcionais na PF, estabelecendo claramente o papel de cada cargo dentro da instituição, de modo a combater os desvios de função que desguarnecem a segurança nacional. Há anos projetos neste sentido são objeto de análise no Poder Executivo. Chegou a hora de levar essa discussão ao Legislativo, para o bem da sociedade brasileira.
Leilane Ribeiro de Oliveira é agente administrativa da Polícia Federal e presidente do SINPECPF
Originalmente publicado no Blog do Servidor do Correio Braziliense
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