CUT recolhe assinaturas contra o aumento salarial dos parlamentares e fará hoje uma manifestação em frente ao Congresso. Thomaz Bastos teme efeito cascata depois do reajuste

Quatro metros de altura terá a reprodução de isopor de uma garrafa de óleo de peroba que representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) vão usar para ilustrar protesto contra o aumento de 90,7% nos salários de deputados e senadores. A concentração será hoje às 9h em frente ao Congresso Nacional. A manifestação dos trabalhadores contra o reajuste autoconcedido na semana passada começou ontem, quando dirigentes da CUT organizaram um abaixo-assinado na Rodoviária do Plano Piloto. Em menos de duas horas, surgiram cinco mil indignados. A mesma iniciativa foi tomada em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e está programada para ocorrer, hoje, em São Paulo, na Bahia e no Paraná.

A CUT no Distrito Federal entrou com uma ação popular junto ao Tribunal Regional Federal (TRF) pedindo revisão no aumento dos parlamentares. “Vamos fazer todo o tipo de pressão política para que esse reajuste abusivo seja revisto. É no mínimo uma contradição os mesmos parlamentares que não concordam com aumento do salário mínimo se acharem no direito de dobrar a própria remuneração”, critica o presidente nacional da CUT, Artur Henrique da Silva Santos.

O presidente da CUT lembra que os deputados negaram o pedido da entidade de corrigir o mínimo — atualmente de R$ 350 — para R$ 420, alegando um impacto muito grande nas finanças públicas. A proposta de Orçamento enviada pelo Executivo é de que no ano que vem o salário mínimo seja de R$ 367. A comissão mista que debate o tema no Congresso Nacional aprovou relatório em que esse valor é um pouco maior, de R$ 375. “Nós batalhamos para acrescentar alguns poucos reais no salário de milhões de brasileiros, enquanto um grupo pequeno que já ganha muito acima da média quer receber ainda mais, isso é imoralidade”, reforça a crítica a presidente da CUT no Distrito Federal, Rejane Pitanga.

Condenação

Na opinião da sindicalista, o resultado do abaixo-assinado na Rodoviária é uma prova de que há uma condenação gereralizada contra o aumento dos salários de parlamentares. A intenção da CUT é manter o protesto até o final da semana com objetivo de reunir o máximo possível de críticos condenando a decisão de deputados e senadores. Enquanto alguns dirigentes da CUT vão continuar a reunir assinaturas na Rodoviária, um grupo de trabalhadores promete recepcionar os congressistas no aeroporto de Brasília.

Em São Paulo, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, sustentou a tese de que o reajuste dos parlamentares terá uma repercussão nos estados e municípios. “Vai gerar um efeito cascata terrível, por isso eu tenho manifestado, sistematicamente, minha grande preocupação. É claro que eu acho que um deputado ou senador devem ganhar bem, mas, por outro lado, é preciso olhar o momento que se pleiteia esse aumento e as circunstâncias que pode desencadear em relação aos números das contas públicas”, disse Bastos, durante cerimônia de assinatura de convênios da Superintendência da Polícia Federal na capital paulista.

Dinheiro na rampa  

Um grupo de mulheres de militares também reagiu nesta segunda-feira ao reajuste dos salários de parlamentares. Vestidas de preto, com um tapete preto com pequenas notas de reais nas mãos, nove integrantes da Associação Nacional de Esposas dos Militares da Força Aérea (Anemfa) subiram a rampa do Congresso Nacional de onde criticaram a medida tomada por deputados e senadores na semana passada. “É indigno e nauseante o que estão fazendo esses senhores. Será que eles não têm vergonha de dobrar os próprios salários, enquanto um pai de família das forças armadas com mais de 20 anos de carreira ganha salário de miséria?”, questionava a presidente da Anemfa, Ivone Luzardo. As manifestantes pediram que o aumento dos parlamentares seja usado como parâmetro para a revisão dos salários de militares. “Se eles podem ganhar o dobro, nos também queremos 100% de aumento”, reclamou Aparecida Maria Maciel. Com o contracheque do marido, um cabo das Forças Armadas, ela apontava a distorção. “Vivemos com R$ 1,6 mil.”

Entrevista – William almeida de carvalho / Acorrentado dentro do Congresso

William Almeida de Carvalho, 61 anos, perdeu a paciência ontem com os parlamentares. Cientista político, professor, funcionário aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ele decidiu fazer um protesto solitário contra o aumento autoconcedido de deputados e senadores. Com uma corrente de três metros e cadeado, William se amarrou a uma pilastra em frente à presidência do Senado Federal. Entrou na Casa sem que ninguém da segurança o notasse e depois de 20 minutos acorrentado em frente ao gabinete do presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) foi levado por seguranças à Polícia Legislativa. Por que o senhor resolveu se acorrentar dentro do Congresso Nacional?

Não tenho dormido direito em função desse aumento que os parlamentares se deram. Então, hoje quando acordei, decidi que iria demonstrar toda a minha indignação. Passei na W3, comprei uma corrente de três metros e um cadeado por R$ 98, coloquei na minha pasta 007 e vim para o Senado. Ninguém me notou até me ver amarrado à pilastra. Que tipo de reação o senhor pretende causar com essa atitude?

Gostaria que os deputados e senadores repensassem a decisão que tomaram. Eles precisam entender que estão perdendo a identidade com a população a que representam para defender interesses corporativos, isso e o inverso do papel que são pagos para desempenhar. O senhor vai responder a um processo em função dessa atitude. Vale à pena?

Quando eu estava amarrado, vários funcionários da Casa passaram e se solidarizaram, disseram que era um absurdo mesmo o aumento, mas que a minha atitude de nada adiantava, que eu era uma gota no oceano. Talvez seja mesmo, mas fiz a minha parte, vou dormir melhor essa noite .

Lilian Tahan / Correio Braziliense