Se as recentes operações da Polícia Federal — Hurricane e Navalha — serviram para revelar a vastidão da corrupção nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, os resultados podem ter servido também aos interesses do homem que as comandou, o delegado federal Renato Porciúncula, diretor de Inteligência Policial (DIP) do Departamento de Polícia Federal (DPF), em Brasília. Desde a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele se apresenta como candidato ao cargo de diretor-geral, para suceder o delegado Paulo Lacerda, que comanda a corporação desde o primeiro mandato de Lula.
Com a Operação Navalha, Porciúncula — que chegou ao DPF, pela mãos dos tucanos, no segundo mandato de presidente Fernando Henrique Cardoso — tirou do jogo um dos seus concorrentes, o delegado Zulmar Pimentel, que foi afastado do cargo de diretor-executivo por suspeita de vazamento de informações a colegas investigados. Com esta ação, ele ainda arranhou a imagem do discreto Lacerda, ao provocar revolta dos líderes de partidos, quando foi anunciada a existência de lista de pagamento de propina a parlamentares pela construtora Gautama. Todos foram se queixar ao ministro da Justiça, Tarso Genro, da investida da PF.
Na enxurrada de suspeitas, outro nome bem cotado para suceder Lacerda, o superintendente de São Paulo, Geraldo José de Araújo, também teve que dar explicações, já que a construtora Gautama foi a responsável pela construção do prédio sede da PF na capital paulista. Mas Geraldo escapou ileso, já que a construção é de 2001, portanto, de responsabilidade de seus antecessores. Pessoas próximas a Porciúncula garantem que ele jamais usaria informações levantadas com o trabalho policial para se beneficiar delas. “Ele é sério e jovem, não precisa destes recursos para chegar ao cargo de diretor-geral da PF. Ele poderia deixar que Zulmar, hoje com mais de 30 anos de carreira, ocupasse o cargo agora e ele certamente teria outra chance”, garante um policial federal.
Porta-voz
Dono de uma timidez indisfarçável, de estilo espartano e discreto, Paulo Lacerda bem que tentou se antecipar aos problemas. Desde a reeleição de Lula, quando ele anunciou sua saída, determinou que nem Porciúncula nem Zulmar, ocupantes de postos estratégicos na estrutura da PF, falassem em nome do departamento. Para entrevistas à imprensa, programas de televisão e outras aparições públicas, destacou outro auxiliar, o delegado Getúlio Bezerra, diretor de Combate ao Crime Organizado e que, hoje, ocupa interinamente a vaga deixada por Zulmar.
Mesmo sem conhecer detalhes da Hurricane e Navalha, foi Getúlio que emprestou o rosto para rebater críticas e defender as últimas ações da PF, que geraram polêmica. Segundo auxiliares, Getúlio deixa Lacerda tranqüilo porque é tido como um policial operacional e sem apoios políticos ou sindical que o conduzam até o posto maior da corporação, além de não demonstrar interesse pelo cargo. Mas se hoje existe tensão nas relações na cúpula do DPF, pelo menos uma opinião é unânime: novos e velhos, sindicalistas ou não, defendem que somente a definição sobre o nome que vai comandar o departamento pode trazer de volta os bons ventos da tranqüilidade. Na última semana, rumores davam contam da permanência de Paulo Lacerda, mas ficaram nisso, e o anúncio oficial só chegou na última sexta-feira.
Personalidades opostas
Disputas à parte, o delegado Renato Porciúncula é descrito pelos colegas como um homem hábil, de fácil trato e elegância irretocável. Um amante das grandes grifes e bons perfumes. Nunca erra na dose, costuma combinar sapatos, gravatas e ternos com os mesmos detalhes. Outra característica é a fidelidade aos amigos, da ativa ou aposentados. Nascido no Rio Grande do Sul, Porciúncula entrou para os quadros da corporação como agente e, depois chegou a delegado. Deixou seu estado para ocupar o cargo de superintendente do Espírito Santo, quando conheceu o colega mineiro Agílio Monteiro, que ocupava o mesmo cargo em Minas.
Das reuniões nasceu uma grande amizade até que Monteiro foi alçado ao cargo de diretor-geral, em 1999. Assim Porciúncula deixou o Espírito Santo e foi para o DPF, para ocupar o cargo de chefe de gabinete do amigo. Antes de deixar o DPF, com o fim do governo Fernando Henrique Cardoso, Agílio Monteiro indicou Porciúncula para nova superintendência, a de Santa Catarina, onde ficou por pouco tempo, até ser convidado por Lacerda para ocupar a Diretoria de Inteligência, criada na nova estrutura do DPF. Hoje, é poderoso por manipular significativas importâncias em verbas secretas.
Os mais próximos do diretor garantem que ele é apolítico, profissional preparado e leal, mas seus críticos alfinetam afirmando que ele é dono de uma vaidade sem medida. Novamente, o único ponto em comum entre os federais é que Porciúncula e Zulmar têm personalidade opostas. Zulmar é descrito também como muito competente, porém, um administrador centralizador e bem mais “arestoso”. Ou seja, no período em que ocupou postos-chaves na PF, colecionou alguns desafetos que, apesar disso, garantem que ele é um profissional sério, mesmo já tendo se envolvido em suspeitas do uso da aeronave do DPF para viagens de caráter pessoal.(MCP)
Tensão no edifício-sede
Desde que foram desencadeadas as operações Hurricane e Navalha, o momento de maior tensão na PF foi a reunião dos diretores e superintendentes no edifício Máscara Negra, há 10 dias, em Brasília, quando foi anunciado o afastamento do delegado Zulmar Pimentel, por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STF). Ele não deixou barato. Enfrentou o delegado Renato Porciúncula e reafirmou sua inocência. Foi além: disse não concordar que a Diretoria de Inteligência fizesse operações, já que sua função é uma análise de dados. Defendeu também que as acusações contra ele não passam de uma má interpretação, já que ele cumpriu a determinação de afastar um colega suspeito, conforme ordem de Paulo Lacerda.
Porciúncula rebateu, mas foi Zulmar quem angariou apoio. Os superintendentes, que viajavam com ele para conhecer um projeto da PF, sob a coordenação do delegado Mauro Spósito, na Amazônia, tenderam a apoiar o até então diretor-executivo. O próprio Paulo Lacerda saiu em defesa do auxiliar.
Maria Clara Prates
Correio Braziliense
10/6/2007
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