Lei Maria da Penha prevê a criação de juizados especiais e acaba com as penas em que os agressores eram condenados ao pagamento de multas ou cestas básicas
A lei que torna mais rigorosa a pena contra quem agride mulheres foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e batizada com o nome de Maria da Penha (LEI Nº 11.340), em homenagem a uma vítima da violência doméstica. Em 1983, a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes levou um tiro nas costas e, aos 38 anos, ficou paraplégica. O autor do disparo foi seu marido, o professor universitário Marco Antonio Heredia Viveros, que após a primeira tentativa ainda tentou matá-la por eletrocução.
A investigação começou em junho do mesmo ano, mas a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro de 1984. Oito anos depois, Heredia foi condenado a dez anos de prisão, mas usou de recursos jurídicos para protelar o cumprimento da pena. O caso de Maria da Penha chegou às mãos do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) que juntamente com o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) decidiu levar o caso à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) responsabilizando o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. A OEA, com base na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção do Belém do Pará), acatou, pela primeira vez, uma denúncia de crime de violência doméstica e iniciou uma série de investigações sobre o andamento do caso na esfera judicial brasileira. Em abril de 2001, a OEA condenou o Brasil a definir uma legislação adequada a esse tipo de violência. Heredia foi preso em 28 de outubro de 2002 e cumpriu dois anos de prisão. Hoje está em liberdade.
Maria da Penha diz que quando foi agredida existiam poucos recursos oferecidos pelo governo para vítimas de violência doméstica. “Resolvi procurar ajuda e orientação nas organizações não-governamentais”, relata. Foi dessa forma que Maria da Penha conheceu pessoas e instituições engajadas na luta pelo combate à violência contra a mulher. Em 2001, ela passou a integrar o quadro de voluntários da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (Apavv) no estado do Ceará, sua terra natal. A Apavv, associação da qual Maria da Penha é, hoje, vice-coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações, tem por finalidade apoiar e orientar vítimas de violência e seus familiares.
Um consórcio de entidades ligadas ao movimento feminista, composto pelas organizaçoes Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos (Advocaci); Ações em Gênero Cidadaniae Desenvolvimento (Agende); Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia); Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) e Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero Themis, além de advogadas feministas, apresentou à Bancada Feminina do Congresso Nacional e à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), um anti-projeto de lei definindo as diversas formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e coibir este tipo de violência e prestar assistência às vítimas. A SPM aceitou o desafio de discutir o anti-projeto do Consórcio e para tanto constituiu um Comissão Interministerial.
“O processo de elaboração e discussão da lei foi bastante democrático”, diz Maria da Penha. Diversas reuniões e audiências públicas foram realizadas nas Assembléias Legislativas dos Estados e Câmaras Municipais dos Deputados para que as entidades representativas das mulheres pudessem opinar nas resoluções finais do projeto. “A sanção da lei foi um desfecho maravilhoso para um trabalho que vem sendo desenvolvido há anos”, diz Maria da Penha.
Com a nova lei, que entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, aviolência contra a mulher deixa de ser caracterizada como crime de menor potencial ofensivo e a pena de detenção dos crimes de violência doméstica passa de seis meses a um ano, para de três meses a três anos. Também ficou determinada a extinção das penas pecuniárias em que os agressores eram condenados ao pagamento de multas ou cestas básicas.
Considerada bastante abrangente, a nova lei conta com medidas preventivas, assistenciais, punitivas, educativas e de proteção à mulher e aos filhos. Iáris Ramalho Cortês, uma das fundadoras do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), acredita que a lei Maria da Penha traz um avanço importante ao englobar, além da violência física e sexual, a violência psicológica, que ocorre quando o agressor tenta controlar as ações da mulher, seus comportamentos, crenças e decisões por meio de ameaças, humilhação, isolamento e outros meios; a violência patrimonial que ocorre quando a vítima perde bens, valores ou recursos econômicos por coação, chantagem ou manipulação; e o assédio moral, quando a vítima sofre repetitivamente atos de humilhação, desqualificação ou ridicularização. A lei também apresenta diretrizes de políticas e ações integradas do poder público para diversas áreas.
Uma conquista importante da nova lei no que diz respeito ao combate à impunidade é a criação de juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher. Esses juizados atuarão como órgãos da Justiça ordinária, com competência cível e criminal, podendo ser criados pelos estados, nas unidades federadas e pela União, no Distrito Federal e territórios. “Dessa forma os casos de violência doméstica poderão ser julgados com mais competência, contando com uma equipe multidisciplinar capacitada”, acredita Iáris.
O procedimento de autoridade policial nas ocorrências também foi modificado, prevendo maior atuação do Ministério Público e das Defensorias. Além disso, o juiz poderá determinar o afastamento do agressor do lar; impedi-lo que se aproxime da casa; vedar que se comunique com a família, e determinar a prestação de alimentos provisionais ou provisórios. Poderá também encaminhar a mulher e os filhos a abrigos seguros, determinando seu afastamento do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos.
Segundo Iáris, a lei Maria da Penha coloca o Brasil entre os 18 países latino-americanos que contam com uma lei específica para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. “Trata-se de um avanço que se fazia necessário para garantir a adoção de mecanismos de proteção física e moral que colocassem a mulher a salvo do agressor.” Na avaliação de Maria da Penha, não haverá grandes dificuldades para que a lei seja implementada. “Mas para garantir que isso ocorra acompanharemos o projeto de perto”, afirma.
Fonte: www.mulheresnobrasil.org.br
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