Agentes da Polícia Federal recolhem, no Serejão e na administração do clube, diversos documentos que podem comprovar sonegação da Previdência Social

A Polícia Federal recolheu 20 sacos com documentos trabalhistas: material data da criação do Brasiliense, em 2000

Apesar de não ter disputado ontem nenhuma partida pelas duas competições de que participa — Copa do Brasil e Campeonato Candango —, o Brasiliense foi destaque novamente na mídia brasileira. Desta vez, no noticiário policial. A Polícia Federal e auditores do Ministério da Previdência Social fizeram uma devassa na administração do clube. A operação cumpriu dois mandados de busca e apreensão expedidos pela 12ª Vara da Justiça Federal, que recebeu denúncia do Ministério Público Federal de que os dirigentes impediram a Previdência de ter acesso à documentação. O time do Distrito Federal está sob investigação desde o ano passado.

As buscas foram realizadas simultaneamente no Estádio Serejão, em Taguatinga, e no escritório onde funciona a administração do clube, na Chácara 52 da QI 15 do Lago Sul. Nesse último endereço, os agentes recolheram 20 sacos com documentos. No meio da papelada, havia até carteira de trabalho dos jogadores e cópias de contrato deles com o Brasiliense. O material apreendido compreende desde o período da criação do clube, em agosto de 2000, até hoje e foi levado para a Delegacia de Repressão aos Crimes Previdenciários (Deleprev) da PF, onde será analisado. Ele servirá de prova para o inquérito policial que investiga as denúncias de apropriação indébita previdenciária, sonegação de contribuição social e falsificação de documentos públicos.

O clube não estaria repassando o valor real devido à Previdência. Além disso, os dirigentes estariam adulterando o valor de contratos de jogadores nas carteiras de trabalho. O Ministério Público Federal recebeu denúncias de que os salários depositados na conta bancária dos atletas não correspondem aos que constam na CTPS. “Isso atrapalha a vida deles na hora da aposentadoria”, afirma o delegado da Deleprev, Carlos César Pereira de Melo, que não quis citar nomes. Ele terá até 30 dias para concluir as investigações. Mas avisa: “Se for necessário, peço mais um mês”.

César evitou falar de uma possível prisão aos dirigentes do Brasiliense, entre eles o ex-senador Luiz Estevão. Ele também não soube precisar o tamanho do rombo causado à Previdência, por causa da sonegação. “A responsabilidade dos crimes pode ser tanto de quem tem autoridade contratual quanto daquele que efetivamente administra a empresa”, esquivou-se.

No ano passado, o ex-senador não foi solícito com a Justiça. Na decisão que determinou a busca e apreensão dos documentos, o juiz substituto da 12ª Vara, José Airton de Aguiar Portela, atesta a falta de compromisso com a Previdência. “Verifico que o comportamento do contribuinte (Brasiliense) em dificultar a fiscalização, com intenção clara de ocultar papéis, revela fortes indícios de prática de crime tributário, fato que, por si só, autoriza a medida de exceção.”

Por pouco, a caravana oficial composta por 10 carros da Polícia Federal e três veículos do Ministério da Previdência não esbarrou com o Mercedes Benz C-180 do presidente de honra do Brasiliense, Luiz Estevão, na QI 15 do Lago Sul. Aparentando calma, Estevão parou o carro e conversou com a imprensa. Ele rebateu as acusações com humor e uma pitada de ironia. “Quem acompanha futebol sabe que o Brasiliense sagrou-se vencedor de todas as ações movidas por jogadores, que tentaram dizer que o clube não cumpria com suas obrigações. Isso não nos traz nenhuma preocupação.”

Ary Filgueira

Da equipe do Correio

Foto: Marcelo Ferreira/CB

 

Luiz Estevão nega intimação

Além da entrevista coletiva, a direção do Brasiliense distribuiu nota contestando as apreensões de ontem. O documento, com assinatura ilegível, diz que em nenhum momento a fiscalização da Previdência Social foi à sede do clube para intimar os dirigentes sobre as irregularidades.

No entanto, conforme relato dos oficiais de Justiça que tentaram entregar as intimações, o cartola sempre usou de artifícios para não recebê-los. Luiz Estevão escondeu-se, inclusive, no estádio Serejão. Em outra ocasião, proibiu a entrada desses profissionais na tribuna de honra do estádio e assim ocorreu sucessivas vezes, conforme consta do processo do Ministério Público Federal, de 2002.

Diante de todos esses fatos, o Ministério Público considerou “conduta criminosa”, agravada pelo fato de o Brasiliense ter deixado de informar mensalmente ao INSS dados relativos ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Em 24 meses — entre setembro de 2000 e abril de 2002 — tais informações foram liberadas em apenas cinco meses.

Conforme o processo do Ministério Público, entre setembro de 2000 e setembro de 2002, o recolhimento de contribuições previdenciárias do Brasiliense ocorreu apenas uma vez, “no valor de R$ 3.500”. Isso foi possível porque 15 auditores do INSS acompanharam o fechamento do borderô do jogo em que o clube empatou com o Corinthians, na final da Copa do Brasil daquele ano.

Na entrevista de ontem, Luiz Estevão declarou que o Brasiliense venceu todos os processos trabalhistas movidos por jogadores e funcionários. Não é o que consta do processo do Ministério Público. “O Brasiliense possuía 30 empregados que recebiam remunerações, ocultadas ao INSS, para que o clube pudesse sonegar as contribuições impunemente.” E em vários processos o juiz condenou a direção do Brasiliense a, inclusive, assinar a Carteira de Trabalho, ato elementar nas relações entre empregador e empregado, e que não eram praticadas por Luiz Estevão.

Fiscalizações do Departamento da Secretaria de Receita Previdenciária em 20 clubes da Série A, 20 clubes da Série B e federações de futebol resultaram em autuações de R$ 71 milhões, em 2005, e R$ 60 milhões em 2006. Segundo a assessoria de Imprensa do Ministério da Previdência Social, as contribuições espontâneas do quarto trimestre de 2006 cresceram 155% nos clubes e 44% nas federações, comparativas com o mesmo período de 2005.

José Cruz

Da equipe do Correio