De 1995 a 2005, percentual de negros e pardos no ensino superior aumentou de 18% para 30%, revela pesquisa do IBGE

Inclusão foi maior a partir de 2001. Nos últimos cinco anos, entraram mais negros que brancos na rede pública; eqüidade chegará em 2015

A desigualdade no acesso à educação entre negros e brancos no Brasil já foi comparada ao eletrocardiograma de um morto. Parecia imutável, dada a distância quase intransponível que separava esses dois grupos ao longo de quase um século. A mais recente Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE revela, no entanto, um dado alentador: na última década, o percentual de brasileiros que se declaram negros ou pardos no ensino superior subiu de 18% para 30%.

Dados dessa pesquisa tabulados pela Folha mostram que esse crescimento aconteceu principalmente a partir de 2001, quando o percentual era de 22%. De lá até 2005, a participação de negros e pardos cresceu a um ritmo médio de dois pontos percentuais ao ano. Se continuar assim, o Brasil chegará a 2015 com uma participação desses grupos na universidade compatível com a presença deles na população, que hoje é de 49%. Para um país em que até bem pouco tempo não via luz no fim desse túnel, não é pouca coisa.

O crescimento aconteceu tanto na rede pública quanto na particular. Ainda que tenha sido maior nesta última, na pública foi verificado um dado significativo: de 2001 a 2005, entraram mais negros e pardos (125 mil novos alunos) do que brancos (72 mil).

Três hipóteses podem ser apontadas para explicar o aumento. A primeira é que, nos últimos dez anos, o sistema de ensino superior cresceu 174%.

A segunda é que foi a partir de 2001, ano da Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, que universidades públicas, por iniciativa própria ou de governos estaduais, passaram a adotar políticas de ações afirmativas. Por último, desde 2005, o governo oferece bolsas em particulares preferencialmente para negros via ProUni.

Na avaliação de Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE e presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, o fator que mais contribuiu foi o crescimento das matrículas. Ele lembra que isso ocorreu também no ensino médio. Com isso, mais alunos se tornaram aptos a disputar mais vagas oferecidas principalmente pelo setor privado.

Para ele, as cotas explicam pouco a inclusão porque o ensino superior incorporaria esses alunos mesmo sem elas.

O economista da UFRJ Marcelo Paixão, coordenador do Observatório Afro-Brasileiro, concorda que a expansão das matrículas em todo os níveis foi fundamental. Ele discorda de Schwartzman, no entanto, ao defender que as políticas de ação afirmativas de cunho racial continuam sendo necessárias.

“Os dados da Pnad não permitem que a gente verifique como está a participação dos negros em cada curso, mas sabemos que há uma diferença enorme no acesso aos mais concorridos”, diz Paixão.

De fato, pela Pnad não é possível verificar a participação em cada curso, mas isso pode ser avaliado pelo questionário socioeconômico do provão e de seu substituto, o Enade.

Em 2003, esses dados mostravam que nos cursos de matemática, letras, pedagogia, história e geografia, o percentual de concluintes negros e pardos era sempre superior a 30%, chegando a 40% nesses dois últimos. No outro extremo, essa proporção era sempre inferior a 16% nas carreiras de direito, medicina, engenharia mecânica, odontologia e arquitetura, sendo o menor percentual nesta última (11%).

Universidades atraem estudante negro oferecendo bolsas e cotasA Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e a PUC-RJ adotaram caminhos diferentes para aumentar a participação de negros em seus campi. No caso da Uerj, uma lei estadual instituiu sistema de cotas em 2001. As primeiras turmas a entrarem por esse critério se formam neste ano.

Na PUC, a estratégia foi aumentar o número de bolsas oferecidas a oriundos de cursos pré-vestibulares para alunos carentes. Ambas colhem hoje, cada uma a seu modo, o resultado dessas medidas.

Raquel Villardi, pró-reitora de graduação da Uerj, diz que os alunos que estão se formando agora e entraram por cotas estão no mesmo nível dos demais. Ela afirma que a universidades sempre recebeu os alunos negros, mas, depois das cotas, eles passaram a ser representativos também em cursos de alto prestígio.

“Temos satisfação de ver que soubemos fazer um bom trabalho com todos os alunos. Outro dia, li uma declaração de um dirigente de universidade em São Paulo dizendo que seu objetivo era atrair os talentos para a instituição. Nós pensamos de forma diferente. Trabalhar só com os talentos é fácil. O que queremos é receber os excluídos e formá-los com qualidade.”

O secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, Ricardo Henriques, concorda com a colega e defende a inclusão.

“Podemos concluir que as universidades públicas têm um potencial grande para promover a inclusão numa velocidade alta. Em pouco tempo, as estratégias adotadas nesse sentido podem já fazer diferença”, diz.

Sem preconceito O último estudo da Uerj sobre o desempenho dos cotistas foi divulgado há dois anos. Ele mostrava que, na maioria dos cursos, as diferenças no desempenho não eram significativas.

Villardi diz que ainda não há novos estudos para dizer se essa situação permaneceu assim até a formatura. A pró-reitora afirma, no entanto, que as análises preliminares mostravam que a diferença inicial entre os cotistas e não-cotistas foi desaparecendo ao longo do curso.

No caso da PUC, a mudança no perfil racial de seus estudantes foi mais sutil, mas ela também é visível. Na sexta-feira passada, a Folha conversou com dez estudantes de diferentes cursos que estavam no campus da instituição.

Nenhum reclamou ter sofrido preconceito declarado na universidade, ainda que alguns tenham dito que ele às vezes se manifesta de forma sutil.

Escolaridade maior eleva fosso racialA diferença de renda de autodeclarados negros e pardos em relação aos brancos cresce quanto maior for o nível de escolaridade do trabalhador, revela um estudo divulgado na semana passada pelo IBGE.

Em média, um branco ganhava em setembro deste ano R$ 1.292, o dobro do rendimento de negros e pardos (R$ 660).

Entre trabalhadores com menos de um ano de estudo, brancos ganham em média 15% a mais do que os negros.

A diferença sobe gradativamente até chegar a 92% na faixa dos que têm pelo menos 11 anos de estudo. No caso de trabalhadores com nível superior, os brancos recebem 48% a mais. Entre as pessoas com maior rendimento (R$ 1.785, em média), 83,3% eram brancas.

ANTÔNIO GOIS

Folha de S. Paulo