Investigações sobre empresa da família Godoy e contatos petistas no Rio não foram aprofundados pela polícia
Ao descartar a participação de Freud Godoy, segurança de muitos anos e ex-assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na compra do dossiê contra o PSDB, a Polícia Federal dá sinal de que pretende focar as investigações em Hamilton Lacerda, ex-assessor e ex-coordenador de campanha do senador Aloizio Mercadante (PT-SP). Tal solução agrada ao Palácio do Planalto, mas fará com que a PF ignore pistas importantes que poderiam ajudá-la a desvendar de fato o mistério sobre de onde veio o dinheiro dos petistas “aloprados”, até agora sem origem identificada.
Documentos obtidos pelo Correio mostram que a PF tem mais a descobrir vasculhando as movimentações financeiras da mulher de Freud, Simone Messenger, do que as dele próprio. E também de duas empresas ligadas ao casal: a Caso Sistema de Segurança Ltda, em que ela é sócia majoritária, e a Caso Comércio e Serviço Ltda, cujo 95% do capital pertence ao ex-assessor do presidente — fato não mencionado em nenhum momento durante a investigação.
A PF descartou Freud Godoy como suspeito anteontem. Fez isso depois de uma investigação superficial. Após uma varredura nas contas telefônicas dos personagens cujo sigilo já foram quebrados até aqui, os policiais não encontraram sinal dos números usados pelo ex-assessor presidencial. Em tese, ele não teria falado ao telefone com nenhum dos envolvidos nos momentos críticos da negociação.
Depois disso, o nome de Freud foi submetido ao Radar, programa de computador que cruza informações nos diversos bancos de dados da PF. Mais uma vez, o sistema não “cuspiu” menções a ele. Significa que nenhum personagem citou-o em qualquer dos depoimentos — à exceção, é claro, de Gedimar Passos na noite em que foi preso (veja quadro ao lado). Diante dessas duas investidas negativas nos autos, os policiais trataram de vazar a notícia de que ele fora oficialmente retirado do rol de investigados.
Factoring
Outros parâmetros, no entanto, ficaram de fora do levantamento. Por exemplo, ao justificar a ascensão patrimonial do casal, Simone costuma dizer que os bens são fruto de seu trabalho como empresária. Mas foi somente em 2004 que ela passou a administrar a Caso Sistema de Segurança, uma prestadora de serviços que ganha a vida alugando seus atributos ao PT. Seis anos antes, em 1998, já existia a Caso Comércio e Serviço, formalmente atrelada a Freud. Enquanto a empresa de segurança, da mulher, é encarregada de dar visibilidade a parte operacional, a firma de comércio e serviços, do marido, centraliza as principais operações financeiras e empresariais.
No dia 18 de setembro, quando a foto de Freud foi estampada nos jornais depois de o petista Gedimar Passos identificá-lo como mandante da transação com os sanguessugas, a Caso Segurança fechou uma operação financeira com a Deccastro Consultoria e Fomento Mercantil Ltda, empresa de factoring de São Paulo. Coincidentemente, cheques da Caso Comércio também foram descontados lá, no mesmo dia.
Sem rumo
A PF também não mexeu uma palha para identificar dois personagens misteriosos, cujos nomes estavam estampados em pequenos papéis saídos de bobina de calculadora manual, apreendidos junto com os R$ 1,7 milhão carregados pelos petistas no hotel Íbis, onde foram presos. São André Márcio Silva e Seleste Souza. A reportagem do Correio descobriu-os na cidade fluminense de Nova Iguaçu e no bairro carioca de Campo Grande, respectivamente. Não há maiores informações sobre a dupla, exceto que manuseou os reais guardados por Valdebran e Gedimar. O Correio chegou a fazer contato telefônico com a mulher. Assustada, ela perguntou onde haviam achado seu número. Desligou abruptamente e não atendeu mais.
O delegado responsável por desvendar a origem do dinheiro, Luiz Flávio Zampronha, tampouco pôs a lupa sobre a Action Corretora, dirigida por outro personagem controverso, o operador Alcindo Ferreira. A Action adquiriu dólares do banco Sofisa. Rastreados pelo número de série, pelo menos parte desses dólares estava entre os US$ 248,8 mil apreendidos com os petistas. Ferreira entrou na corretora pouco mais de um mês antes de o caso explodir, quando as negociações dos “aloprados” com os sanguessugas já estava a todo vapor.
O número
O dinheiro
R$ 1,7 milhão foram apreendidos com petistas pela Polícia Federal para a compra de documentos e fotos contra tucanos
Os personagens do dossiê
Preso no hotel Íbis, em São Paulo, no dia 15 de setembro. Trabalhava no comitê de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Portava R$ 1,1 milhão e US$ 248,8 mil em dinheiro vivo. À Polícia Federal, contou ter recebido ordem de “Freud” para comprar o dossiê contra o PSDB do chefe da máfia dos sanguessugas, Luiz Antônio Vedoin. Valdebran Padilha
Preso junto com Gedimar. É filiado ao PT do Mato Grosso, onde atuou como arrecadador de campanha do ex-candidato a prefeito de Cuiabá Alexandre César. Servia de ponte entre Vedoin e os petistas mais graúdos. Freud Godoy
Apresentou-se espontaneamente à polícia, após ser citado como mandante da operação. Antigo segurança de Lula, tinha ganho um cargo de assessor especial no gabinete pessoal do presidente. Negou qualquer envolvimento. Hamilton Lacerda
Pego no circuito interno de TV do hotel Íbis, é suspeito de ter entregue a mala preta onde supostamente estava o dinheiro sem origem conhecida apreendido com Valdebran e Gedimar. Coordenava a campanha do então candidato petista ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante. Jorge Lorenzetti
Citado por Valdebran como contato dos sanguessugas na negociação do dossiê. Era chefe de Gedimar no setor de inteligência do comitê de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Havia ganho o cargo de diretor administrativo do Banco do Estado de Santa Catarina, de onde foi exonerado há uma semana. Osvaldo Bargas
Descoberto como um dos petistas que foi pessoalmente a Cuiabá negociar o dossiê com os sanguessugas. É amigo de longa data do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por ele indicado para a Secretaria de Trabalho do Ministério do Trabalho. Coordenou a confecção de parte do programa de governo da campanha do chefe neste ano. Está afastado do ministério e do comitê eleitoral. Expedito Afonso Veloso
Descoberto, a exemplo de Bargas, como um dos petistas que foi pessoalmente tratar do dossiê em Cuiabá. A Polícia Federal suspeita que ele bisbilhotou contas bancárias do empreiteiro paulista Abel Pereira e de empresas do grupo Planam e alertou o comando da campanha sobre provas da ligação dos sanguessugas com o PSDB. Era diretor de gestão de risco do Banco do Brasil. Simone Messenger Godoy
Suspeita de servir de intermediária no repasse do dinheiro que acabou nas mãos de Valdebran e Gedimar. É mulher de Freud Godoy e dona da empresa Caso Serviços de Segurança Ltda, que presta serviços ao PT. Caso Serviços de Segurança Ltda
Empresa aberta em nome de Simone, responsável pelo serviço de segurança do comitê eleitoral do presidente Lula. Foi lá que Freud conheceu Gedimar, ao fazer uma varredura nas linhas telefônicas, a serviço da Caso. Banco Sofisa
Responsável pela internação dos dólares apreendidos com Valdebran e Gedimar. Revendeu-os a uma série de pessoas físicas, corretoras de valores, bancos e casas de câmbio. Todas as operações foram registradas no Banco Central e são legais. EBS Corretora
Suspeita de repassar dólares aos petistas. É uma das empresas que adquiriu os dólares do Sofisa. Action Corretora
Suspeita de repassar dólares aos petistas. É outra cliente do Sofisa. Há uma trilha que a liga ao ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Alcindo Ferreira
Nomeado diretor da Action Corretora em agosto, é dono de uma empresa chamada São Lucas Ribeirão Preto Empreendimentos, Participações e Serviços Ltda. Esta empresa detém, desde 2004, 50,2% do capital do Hospital e Maternidade São Lucas, de Ribeirão Preto. Este hospital é presidido, desde então, pelo médico Pedro Palocci, irmão caçula do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Diskline Câmbio e Turismo
Suspeita de ser intermediária na transação dos dólares. Adquiriu US$ 110 mil da EBS Corretora e os repassou a várias pessoas físicas. Marco Antônio Cursini
Suspeito de operacionalizar a entrada de pelo menos parte dos dólares no país e seu posterior encaminhamento aos petistas. Doleiro conhecido na praça paulista, é apontado como dono da Diskline. Chegou a ser apontado pelo doleiro Toninho da Barcelona como homem do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, no mercado paralelo de câmbio. André Ceciliano
Suspeito de ter ajudado a levantar parte dos dólares, é investigado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a pedido da Polícia Federal. Petista, prefeito de Paracambi (RJ), é amigo pessoal do ex-assessor especial da Casa Civil Marcelo Sereno, homem forte das finanças do PT fluminense. Já teve uma casa de câmbio no Centro do Rio e também explorou o mercado paralelo por alguns anos. Seleste Souza e André Márcio
Suspeitos de terem levantado parte dos reais apreendidos em São Paulo com Valdebran e Gedimar. Ela mora no bairro carioca do Campo Grande, ele é de Nova Iguaçu. Seus nomes aparecem em papéis de bobina de calculadora apreendidos junto com o dinheiro dos petistas. Paulo Frateschi
Afastado da coordenação da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em São Paulo, é suspeito de ter participado das tratativas do dossiê. É presidente do diretório regional do PT no estado de São Paulo.
Amaury Ribeiro Jr e Ugo Braga
Correio Braziliense
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