Ao contrário das bondades de 2006, presidente eleito precisará tomar medidas impopulares para frear gastos públicos
O próximo presidente não terá como escapar: vai iniciar nova gestão adotando medidas impopulares para cortar gastos. O ano de 2006 foi o das bondades e 2007 será o ano das crueldades. Neste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu um aumento generoso para o salário mínimo, elevou o salário dos funcionários públicos e ampliou os programas de assistência social. Em 2007, será a hora de ajustar as contas e dar um sinal claro de que a despesa pública vai parar de crescer.
Do contrário, a imagem do Brasil junto a investidores externos e internos será prejudicada, com resultados desastrosos sobre o crescimento econômico, que já exibe sinais de enfraquecimento.
A forma de corte, porém, é um assunto sobre o qual os candidatos só falam por alto. “Nunca vi candidato à presidência falando em proposta de ajuste, a não ser de forma genérica”, comentou o economista Raul Velloso, especialista em política fiscal. “Nem perca seu tempo perguntando detalhes.” Ele acha que os candidatos já devem estar elaborando medidas de corte na despesa para anunciar logo nos primeiros dias de governo. “A experiência mostra que o presidente eleito tem 100 dias para aprovar as medidas impopulares”, observou. “Depois, fica mais difícil passá-las no Congresso.”
O ministro do Planejamento,Paulo Bernardo, confirmou ao Estado que já há medidas de corte no gasto público em discussão dentro do governo para um eventual segundo mandato de Lula. “Logo na abertura dos trabalhos do Congresso deveremos entrar com uma proposta de reforma fiscal.” A idéia, ainda em exame, é fazer com que a despesa pública continue aumentando, mas num ritmo inferior ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Dessa forma, aos poucos será aberto espaço para reduzir impostos. “Com essa sinalização, vamos acelerar a atração de investimentos e dar condições para o Banco Central trabalhar com mais conforto a fim de reduzir a taxa de juros. O BC terá um horizonte de dez anos para trabalhar.”
PROPOSTAS
bernardo adiantou dois exemplos de medidas que possibilitarão reduzir as despesas. A primeira seria a regulamentação da chamada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Saúde. Ela determina que, a cada ano, a verba destinada à área de saúde seja corrigida conforme o crescimento do PIB. Convencido de que a trajetória de aumento do gasto com a saúde imposto pela PEC é insustentável, ele vem defendendo dentro do governo que se proponha logo a regulamentação. “A Saúde está comendo verbas que poderiam ir para outras áreas.” Essa nova lei vai dizer, também, o que é gasto com saúde. É grande a polêmica sobre se os gastos com saneamento podem ou não entrar nessa conta.
Outra proposta que seria encaminhada logo no início do ano, segundo bernardo, é a regulamentação do fundo de previdência dos funcionários públicos. Quando ela for aprovada, será possível limitar a aposentadoria do servidor ao valor máximo pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), colocando um freio nessa despesa. Hoje, esse limite não é aplicado. Dessa forma, começaria a ser desmontado o que os técnicos chamam de “bomba de efeito retardado”: a contratação de 40 mil servidores este ano e a previsão do ingresso de mais 46 mil novos funcionários no ano que vem.
O candidato do PSDB, Gerado Alckmin, também defende a regulamentação do fundo de pensão dos servidores, segundo informou na sabatina promovida pelo Estado no último dia 16. Em sua proposta de ajuste, consta também um enxugamento na estrutura de governo, que hoje conta com 34 ministérios ou secretarias com status de ministério. O candidato enxerga no desequilíbrio fiscal o maior impeditivo para o crescimento da economia. Ele promete cortar o gasto com o custeio da máquina e aumentar os investimentos em infra-estrutura, além de cortar a carga tributária. O Estado contactou o comitê de Alckmin pedindo, sem sucesso, entrevista sobre as propostas para a área fiscal.
Diante dos holofotes, nenhum dos dois candidatos vai fundo no maior foco de desequilíbrio nas contas públicas: a Previdência, cujo déficit – estima-se – chegará a R$ 46,2 bilhões no ano que vem. Alckmin sustenta que o déficit pode ser reduzido se mais pessoas deixarem de trabalhar no mercado informal. Por isso, uma reforma previdenciária não poderá ocorrer dissociada de uma reforma trabalhista. Lula diz que o sistema previdenciário precisa ser reformado periodicamente. Idéias mais impopulares, como o aumento da idade mínima para a aposentadoria, ainda não aparecem. Nos bastidores, porém, as equipes dos dois candidatos admitem que não há como escapar da discussão.
O programa do candidato Lula passa ao largo de qualquer corte nos gastos públicos. O ministro do Planejamento admite que não há consenso dentro do governo sobre a necessidade de promover o ajuste fiscal.
Lu Aiko Otta
O Estado de S. Paulo
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